Ex-presidentes veem CDH abandonada e cobram PT: 'não assumiu o filho'

Na avaliação de deputados, negligência do partido culminou na indicação de Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos

22 abr 2013 - 09h02
(atualizado às 09h06)
<p>Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) é alvo de protestos por declarações consideradas preconceituosas</p>
Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) é alvo de protestos por declarações consideradas preconceituosas
Foto: Alexandra Martins / Agência Câmara

Em um impasse que se arrasta há mais de um mês desde a eleição do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDH) da Câmara, o colegiado corre o risco de ter a sua atividade paralisada neste ano, diante da resistência do pastor frente à pressão popular para que renuncie ao cargo. Na avaliação de ex-presidentes da comissão ouvidos pelo Terra, o momento atual é fruto do abandono da CDH por partidos tradicionalmente ligados à defesa dos direitos humanos, em especial o PT.

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Legenda de 13 dos 19 deputados que comandaram a Comissão dos Direitos Humanos desde a sua criação, em 1995, o PT é, na opinião de Pompeo de Mattos (PDT-RS), o principal responsável pela consolidação do grupo nos moldes atuais. "A CDH foi criada à imagem e semelhança do PT, e o PT deu visibilidade, deu importância para a comissão. A gente é obrigado a reconhecer: o PT estruturou a comissão", afirma o ex-deputado, que presidiu o colegiado entre 2008 e 2009.

Na atual legislatura, coube ao PSC, após acordo costurado entre os partidos da base aliada, a presidência da CDH, comissão tradicionalmente comandada por legendas de esquerda - a única exceção, até então, havia sido Eraldo Trindade, do PPB (atual PP), que esteve à frente do colegiado entre 1998 e 1999. "E depois de uma altura em diante, o PT se desinteressou pela comissão. E como não existe lugar vazio, alguém ocupa. (...) O PT não está pegando para ele, não está assumindo, digamos assim, o filho que tem, que é a comissão. Deixam vago o lugar e, aquele que entra, toma pau. No caso do Feliciano, não sem certa razão", analisa o pedetista.

Pompeo de Mattos (PDT-RS)
Foto: Diogo Xavier / Agência Câmara

Para o deputado Domingos Dutra (PT-MA), antecessor de Feliciano no cargo, a queda de braço entre os apoiadores e opositores do deputado do PSC deixou a comissão "na extrema unção, entre a vida e a morte".  "Esse sentimento de morte da comissão é de autoria coletiva. (...) O que está ocorrendo é menos por ação do Feliciano e mais por um vacilo, por uma omissão coletiva. Primeiro do PT, que não ficou com a comissão e, além de não ficar, não teve o cuidado de negociar com outro partido mais arejado com quem a comissão ficasse, como o PDT, PSB, PCdoB, e não discutiu com o próprio PSC quem seria o indicado, como partido da base", afirma o deputado maranhense.

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Somam-se à omissão do PT, de acordo com Dutra, um "conjunto de interesses" contrários à efetiva ação da CDH. "A bancada ruralista tinha o interesse de desalojar o PT da comissão, porque lá todos os projetos de interesse deles eram rejeitados. Havia os evangélicos que estavam também de olho, porque a agenda da comissão não interessava a eles. Juntou-se o interesse do Eduardo Cunha, líder do PMDB, que queria se vingar do governo para recuperar o espaço perdido. Foi um somatório de interesses contrariados e desleixo com a importância da comissão que resultou nisso", avalia.

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Um dos principais articuladores do movimento contrário a Marco Feliciano, o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG) vê na eleição do pastor um retrocesso na história da comissão que o petista ajudou a criar, em 1995, tornando-se seu primeiro presidente. "Foi uma ruptura na história da comissão. Ela foi criada para receber minorias, em relação aos direitos humanos e que envolvem questões étnicas, envolvem preconceito homofóbico, enfim. E o pessoal que entrou lá tem uma visão totalmente diferenciada", critica o deputado.

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Segundo Miranda, o grupo liderado por Feliciano esvaziou a comissão de sentido, fortalecido por uma "maioria artificial" criada a partir da saída de membros da CDH contrários à presença do pastor. "Quem está lá é gente que não tem história nem conhecimento de direitos humanos. Não sabe nem do que se trata. Eles têm apoio de líderes importantes, como o líder do PR e do PMDB. Se sentiram amparados e fortes. Mudou a pauta, mudou a agenda. A pauta que está lá hoje não é mais direitos humanos. Por isso que nós saímos", afirma.

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Domingos Dutra (PT-MA)
Foto: Larissa Ponce / Agência Câmara

Na opinião do petista, Feliciano se escora no exercício da liberdade de expressão para propagar ideias contrárias à essência da comissão. "O problema é que ele, além de não ter história nenhuma, o que ele pensa e difunde vai de encontro (aos interesses da comissão). Não é questão de liberdade de expressão, cada um pensa o que quiser. Agora, para dirigir uma comissão que diz Direitos Humanos e Minorias, tem que ter necessariamente uma identidade com esses propósitos", diz o deputado, que também nega que as críticas a Feliciano sejam motivadas pelo fato de ele ser pastor evangélico. "Não estamos discutindo questão religiosa. Lá não é lugar para isso. Lá é uma comissão do Estado laico, da tolerância religiosa, da liberdade de credo. Agora, aquele que tem concepções racistas, está no lugar errado", argumenta.

Pompeo de Mattos acredita que o acirramento de ânimos provocado pela presença de Feliciano é nocivo à imagem da comissão e do Congresso. "Eu vejo com muita tristeza. Vejo a comissão ser depreciada ao extremo, o que é muito ruim para as grandes lutas das minorias que, ao longo do tempo, encontraram abrigo na Comissão de Direitos Humanos. É uma briga onde perde a Câmara dos Deputados, onde perde o Parlamento, onde perde o cidadão, onde perde a cidadania. Ou seja, é o tipo da atitude do perde-perde. Ninguém ganha nada com isso."

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Nilmário Miranda (PT-MG)
Foto: Gustavo Lima / Agência Câmara

Futuro da comissão

Os três ex-presidentes consultados pelo Terra foram unânimes ao enxergarem pouca abertura neste momento para um acordo que viabilize a retomada dos trabalhos da CDH. "Eu acho que se tivessem sentado e dialogado com ele, até poderia (haver um acordo). Eu acho que agora virou um impasse, uma queda de braço. As duas partes perderam a chance de fazer uma negociação mediana, e não medieval. Ficou uma disputa medieval. Um pela religião e pela crença, e os outros pela convicção da defesa das minorias", compara Pompeo.

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"A única saída é a renúncia dele. Ele não renuncia porque está achando bom. Está se promovendo, promovendo suas ideias. Virou um fascista pop, e está gostando desse papel", dispara Miranda.

Apesar do pessimismo, Domingos Dutra vê algo de positivo no episódio. Segundo o deputado, mesmo com a perda de credibilidade da comissão, a polêmica envolvendo Feliciano servirá de alerta ao PT: "para o ano que vem, eu duvido que o PT deixe a comissão dando sopa". As manifestações populares contra o pastor, no entendimento do petista, também reforçam a importância da CDH na sociedade. "Toda essa omissão que houve partiu da avaliação de que era uma comissão sem importância e que a sociedade não vinha acompanhando. E esse fato revelou que a comissão é importante para o País, que a sociedade brasileira presta atenção na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Que as questões de direitos humanos no País não estão resolvidas, que há muita injustiça."

Para Pompeo, o fundamental neste momento é "salvar a comissão e a luta das minorias". "Quando vejo isso aí, me dá uma tristeza. Esses dias me deu vontade de chorar. A Comissão de Direitos Humanos não merece isso."

Fonte: Terra
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