O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu parcialmente nesta quarta-feira (10/12) sua própria liminar que alterava a Lei do Impeachment em pontos que dizem respeito a ministros do Supremo.
A decisão foi tomada após pedido do Senado, enviado ao ministro nesta quarta, solicitando que ele suspendesse a decisão ao menos até que o Congresso vote uma nova Lei do Impeachment (PL 1388/2023), de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que não caminhava desde 2023.
Gilmar Mendes suspendeu dois pontos da decisão original, que atribuíram exclusivamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) a competência para apresentar denúncia por crime de responsabilidade contra ministros do STF.
Os demais trechos alterados pela liminar, referentes ao quórum necessário para abrir o processo e aos motivos que levam a isso, permanecem em vigor.
Na decisão, o ministro ressalta o avanço no Senado da proposta de atualizar a legislação que rege o processo de impeachment de autoridades, que incorpora elementos da liminar.
"Tal aprimoramento legislativo não se limita a atender formalmente às determinações do Supremo Tribunal Federal, mas configura ato de elevado espírito público, voltado à preservação da integridade do Poder Judiciário e à proteção da harmonia entre os Poderes", afirmou o ministro.
No pedido de suspensão, o Senado havia pontuado que seu objetivo não era contrariar a autoridade do STF em se manifestar sobre o assunto, mas garantir que fosse respeitada a prerrogativa do Congresso de legislar sobre o processo de impeachment e garantir a segurança jurídica no tema enquanto a nova Lei do Impeachment tramita.
Na decisão de agora, Mendes lembra que Davi Alcolumbre, em sua primeira gestão à frente da Presidência do Senado Federal (entre 2019 e 2021), analisou 36 pedidos de impeachment apresentados contra ministros do Supremo.
Em todas essas oportunidades, Alcolumbre, "demonstrando elevado espírito público, aguda percepção institucional, prudência e notável coragem cívica, determinou o arquivamento das iniciativas, preservando, com firmeza e responsabilidade, a estabilidade das instituições republicanas e a independência do Poder Judiciário", disse Mendes.
Com isso, o julgamento da liminar expedida pelo ministro na semana passada, previsto para começar no plenário virtual do STF na próxima sexta-feira (12/12) e que confirmaria ou não sua decisão, foi retirado da pauta.
O que Gilmar Mendes havia decidido
Gilmar Mendes havia decidido em 3 de dezembro alterar a Lei do Impeachment, em vigor desde 1950, suspendendo trechos relativos ao afastamento de ministros da corte.
Na decisão, Mendes restringia à PGR a prerrogativa de entrar com um pedido de impeachment contra os magistrados.
Outro ponto alterado pela decisão do ministro foi o quórum necessário para a abertura, no Senado, de um processo contra magistrados da corte: 2/3. Até então, a lei previa maioria simples, ou seja, 21 senadores.
Mendes estabeleceu também que não era possível responsabilizar ou instaurar processo de impeachment contra os magistrados com base somente no mérito de suas decisões.
As mudanças ocorreram em resposta a dois processos, movidos pelo partido Solidariedade, e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), dos quais Mendes é relator
No mesmo dia da decisão, na quarta-feira da semana passada, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil - AP), abriu a sessão na Casa criticando a medida.
De acordo com ele, as mudanças tentam "usurpar as prerrogativas do poder Legislativo".
"Manifesto que esta presidência recebe com muita preocupação o conteúdo da decisão monocrática da lavra do ministro Gilmar Mendes", afirmou o presidente da Casa.
"Eventuais abusos no uso desse direito não podem levar a anulação desse comando legal. Muito menos, repito, muito menos, por meio de uma decisão judicial. Somente uma alteração legislativa seria capaz de rever os conceitos puramente legais, sob pena de grave ofensa constitucional a separação dos poderes", disse Alcolumbre.
"Eu não vi a mesma gritaria quando o Supremo mudou a Lei do Impeachment de presidente da República", afirmou à BBC News Brasil Ademar Borges, um dos advogados que fizeram o parecer para a AMB.
Para ele, tanto o quórum para a abertura de processos no Senado contra ministros da Corte, quanto a impossibilidade de se abrir um processo com base nas decisões de um magistrado, são "quase incontestáveis".
"Se a gente imaginar que o quórum era maioria simples, é o menor quórum possível, usado para decisões de menor relevância", diz. "A gente não pode equiparar a abertura de impeachment de ministros do Supremo a decisões ordinárias. É inconstitucional."
Borges, que também é professor de Direito Constitucional do O Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), do qual Gilmar Mendes é um dos sócios, afirma que o quórum no Senado deve ser o mesmo para a abertura de processos contra presidentes da República.
A decisão de Mendes pela liminar, na semana passada, ocorre em um momento de escalada do autoritarismo, como afirma Borges.
"Os pedidos (de impeachment de ministros da Corte) não são feitos por má conduta ética, corrupção ou atos de desvio. Pela primeira vez, um presidente da República formulou pessoalmente um pedido de impeachment contra um ministro do Supremo. Todo baseado em decisões tomadas no exercício regular da função."
Ele afirma, no entanto, que desconhecia a decisão por restringir os pedidos somente à PGR.
Já para o criminalista e professor da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Mauricio Dieter, a decisão de Mendes na semana passada é "no mínimo controversa".
"Dizer que a Constituição determina que os processos de impedimento contra os ministros sejam de exclusividade da PGR é, em larga medida, atribuir sentidos ocultos à Constituição e contrários a muitos princípios de natureza democrática que a estruturam", diz.