Família de novo ministro do Meio Ambiente disputa posse em terra indígena em SP

Segundo documento da Funai, capatazes a serviço da família do ministro chegaram a destruir a casa de uma família ao tentar expulsá-la da Terra Indígena Jaraguá.

23 jun 2021 - 19h46
(atualizado às 20h11)
O novo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Álvaro Pereira Leite, e o presidente Jair Bolsonaro
O novo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Álvaro Pereira Leite, e o presidente Jair Bolsonaro
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Nomeado ministro do Meio Ambiente nesta quarta-feira (23/6) no lugar de Ricardo Salles, Joaquim Álvaro Pereira Leite integra uma família tradicional de fazendeiros de café de São Paulo que pleiteia um pedaço da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo.

Segundo um documento da Funai (Fundação Nacional do Índio), capatazes a serviço da família chegaram a destruir a casa de uma família indígena ao tentar expulsá-la do território reclamado.

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A terra indígena fica nos municípios de São Paulo e Osasco e é a menor do país, com 532 hectares. Nela moram 534 indígenas dos povos Guarani Mbya e Ñandeva, segundo a Comissão Pró-Índio de São Paulo.

O processo de demarcação do território se iniciou nos anos 1980, mas jamais foi concluído e está paralisado na Justiça.

No relatório de identificação da terra indígena, publicado pela Funai em 2013, o antropólogo Spensy Pimentel diz que a família Pereira Leite cobrou várias vezes a paralisação da demarcação do território.

Segundo o relatório, em 1986, Joaquim Álvaro Pereira Leite Neto (pai do novo ministro) "exigiu que a Funai retirasse os marcos físicos do processo demarcatório da área indígena Jaraguá, alegando ser o proprietário da área, acusando agressivamente a Funai de estar praticando um crime".

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O relatório prossegue: "Tal agressividade, no entanto, extrapolou para além das missivas, e passaram então esses cidadãos a fazer ameaças aos índios, a intimidá-los com capatazes, e mesmo destruindo uma de suas casas".

Segundo o documento, como a Funai não paralisou a demarcação, a família começou a ameaçar os indígenas diretamente.

Em artigo no livro A grilagem de terras na formação territorial brasileira, a doutora em Geografia Humana pela USP Camila Salles de Faria transcreve o relato de um líder espiritual guarani, José Fernandes, sobre uma visita de um membro da família Pereira Leite à aldeia.

"Chegou esse finado velho... Pereira Leite, (que disse): 'não, isso aqui é meu; agora temos que fazer tudo, vamos lá pra delegacia'. Aí eu falei 'não, não vou'. Aí ele falou assim: 'tem papel da terra que comprou aqui?' Eu falei: 'não, não tenho, mas também sou grande, viu?' Aí mostrei o meu documento de cacique. Aí ele foi embora."

O líder provavelmente se referia José Álvaro Pereira Leite, morto em 2008 e avô do novo ministro. Foi José Álvaro Pereira Leite quem iniciou o processo judicial contra a demarcação.

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A antropóloga cita o relato de outra indígena, identificada como Eunice, sobre o patriarca da família.

"Esse Pereira Leite, a família Pereira Leite, ele ameaça muito o pessoal indígena… Que vai pôr fogo na casa, que vai destruir... Numa época ele até veio com uma maleta de dinheiro para mim querendo comprar a terra de mim."

Em 1996, diz o artigo de Faria, a família Pereira Leite pediu à Justiça a expulsão da comunidade e, acompanhada pela Polícia Militar de São Paulo, "tentou a retirada dos moradores indígenas da área".

Porém, segundo o artigo, o Ministério Público Federal acionou a Polícia Federal, que interveio e evitou a expulsão.

A justificativa é que, como terras indígenas são áreas da União, conflitos em torno desses territórios devem ser mediados por órgãos federais, e não estaduais, como as polícias militares.

Formado em Administração de Empresas pela Universidade de Marília, o novo ministro do Meio ambiente diz em seu currículo ter trabalhado como "proprietário/administrador" da fazenda de café Alvorada, entre 1991 e 2002.

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Entre 1996 e 2019, ele foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais antigas e influentes entidades ruralistas do país.

Também trabalhou como diretor de uma empresa do ramo farmacêutico e como consultor de uma marca de café.

Antes de ser nomeado ministro, ele exercia o posto de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais do Ministério do Meio Ambiente.

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