Motel, brinquedo, futebol e mais: como o PCC atua para lavar dinheiro, segundo investigações

Postos de combustíveis, imóveis e até padarias estariam sendo usadas para mascarar valores de origem ilícita

23 out 2025 - 07h14
(atualizado às 13h02)
Resumo
Investigações revelam que o PCC utilizava diversos setores, como motéis, postos de combustível, transporte público, imóveis de luxo, futebol e padarias, para lavar dinheiro proveniente do tráfico, movimentando bilhões de reais por meio de empresas de fachada e "laranjas".
Polícia Federal realizou no final de agosto a Operação Carbono Oculto na Avenida Faria Lima, onde cumpriu mandados de busca e apreensão
Polícia Federal realizou no final de agosto a Operação Carbono Oculto na Avenida Faria Lima, onde cumpriu mandados de busca e apreensão
Foto: Werther Santana/Estadão / Estadão

O Ministério Público de São Paulo deflagrou nesta quarta-feira, 22, uma nova operação contra o Primeiro Comando da Capital (PCC). O alvo da ação policial foi a empresária Natalia Stefani Vitoria, viúva de Cláudio Marcos de Almeida, o Django - um dos principais traficantes que já passaram pela facção, morto em 2022 -, e a irmã dela, Priscila Carolina Vitoria Rodrigues, também empresária.

Investigações feitas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, apontam que as acusadas teriam participado de um esquema de lavagem de dinheiro que envolvia o uso de lojas de brinquedos da capital e de cidades da Grande São Paulo. A reportagem não localizou a defesa das duas mulheres.

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Priscila, que não possuía ocupação formal, recebeu créditos superiores a R$ 9 milhões entre julho de 2017 e março de 2024. Desse total, R$ 379,3 mil vieram de depósitos em espécie não identificáveis, segundo o MP.

No caso de Natália, os promotores identificaram 156 depósitos em dinheiro vivo, com indícios de tentativa de ocultar o depositante, totalizando R$ 232,3 mil.

O Gaeco cumpriu seis mandados de busca e apreensão em São Paulo, Guarulhos, Mogi das Cruzes e Santo André, e determinou o sequestro de R$ 4,5 milhões em bens. As investigadas também teriam utilizado veículos e imóveis registrados em nome de terceiros, além de manter despesas com uma casa de veraneio, o que reforçaria os indícios de lavagem de dinheiro.

Transporte público

As buscas desta quarta-feira fazem parte de um desdobramento da Operação Fim da Linha, que investiga a infiltração do PCC no sistema de transporte público da capital com o objetivo de lavar recursos do tráfico.

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Natália e Priscila são acusadas de integrar esquemas ligados a Django e Sílvio Luiz Ferreira, o Cebola, também apontado como liderança da facção. Ambos seriam acionistas da UPBus, empresa que operava nos terminais de ônibus de Cidade Tiradentes e Itaquera, na zona leste.

Além da UPBus, as investigações alcançaram a Transwolff, terceira maior viação da cidade, com uma frota de 1.111 veículos. Segundo o MP, o PCC utilizava uma rede de "laranjas" e CNPJs de fachada para operar no setor. Em janeiro deste ano, a Prefeitura de São Paulo rescindiu os contratos com ambas as empresas.

Motéis

Outra frente de lavagem de dinheiro identificada pelo MP-SP e pela Receita Federal envolve mais de 60 motéis — a maioria em nome de laranjas — que movimentaram cerca de R$ 450 milhões entre 2020 e 2024. O esquema incluía também os restaurantes anexos, registrados sob CNPJs distintos.

Um dos investigados chegou a distribuir R$ 1,7 milhão em lucros após declarar receita de R$ 6,8 milhões entre 2022 e 2023.

Postos de combustíveis

Empresas da cadeia de combustíveis — incluindo distribuidoras, transportadoras, refinarias e lojas de conveniência — também foram utilizadas pelo grupo. A Receita Federal apurou que o PCC adulterava combustível com metanol e lavava dinheiro por meio de fintechs e fundos de investimento, reinserindo os valores no sistema financeiro formal.

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Fundos de investimento e fintechs

A Operação Carbono Oculto, deflagrada no fim de agosto, foi considerada a maior da história do País contra a infiltração do crime organizado na economia formal. A ação mirou o setor de combustíveis e instituições financeiras com sede na avenida Faria Lima, em São Paulo.

Ao todo, foram 350 alvos em dez Estados. Só na região da Faria Lima, principal centro financeiro do País, houve 42 alvos, entre fintechs, corretoras e fundos de investimento.

O MP estima que o PCC tenha movimentado R$ 52 bilhões no período investigado, distribuídos por 40 fundos de investimento. A principal instituição de pagamentos investigada é o BK Bank, que registrou R$ 17,7 bilhões em movimentações suspeitas — cerca de 80% delas ligadas à facção.

Segundo a Receita, o esquema sonegou R$ 1,4 bilhão em tributos federais e R$ 7,6 bilhões em impostos estaduais.

Entre as empresas citadas nas investigações estão a Reag Investimentos e a Rede Boxter de Combustíveis. A Reag administrava o fundo Location no primeiro semestre de 2020, cujo único cotista era Renato Steinle de Camargo, apontado como "testa de ferro" dos empresários Mohamad Hussein Mourad e Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco, ambos ligados ao PCC.

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Renato teria aplicado R$ 54 milhões no fundo. O Santander notificou o Coaf sobre as operações, consideradas incompatíveis com seu patrimônio. Ao rastrear as movimentações, o banco identificou que R$ 45 milhões tinham origem em uma aplicação de Mohamad Mourad.

Um dos sócios da Reag, Walter Martins Ferreira III, é acusado de ajudar a ocultar o verdadeiro beneficiário do fundo. Em nota à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Reag informou que colabora integralmente com as autoridades.

Padarias

Parente de Mohamad Mourad, Tharek Majide Bannout é apontado como proprietário de uma rede de padarias e de empresas ligadas ao setor de combustíveis, entre elas a RCG Investimentos e Participações, que pertencia a Renan Cepeda — investigado na Operação Rei do Crime, em 2020, por ligações com operadores de Marcola, líder do PCC.

Renan também figura como sócio da Rede Boxter de Combustíveis, apontada como parte do esquema da facção.

Futebol

O MP também investiga a atuação do PCC no futebol. Segundo delação do empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, assassinado em novembro de 2024, integrantes da facção utilizavam empresas de agenciamento esportivo para lavar dinheiro em negociações de compra e venda de jogadores. O Ministério Público apura se os recursos usados nessas transações vinham do tráfico.

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Ramo imobiliário

Em 2024, a Receita Federal e o Gaeco identificaram que o PCC também usava o mercado imobiliário de luxo para lavar dinheiro. Imóveis avaliados entre R$ 2 milhões e R$ 20 milhões na região do Tatuapé, zona leste da capital, estariam em nome de empresas de fachada e "laranjas".

Uma das companhias citadas é a AHS Empreendimentos e Participações, que teria como verdadeiro beneficiário Sílvio Luiz Ferreira, o Cebola, apontado como integrante do PCC e foragido desde 2014.

Parte dos imóveis foi negociada por Antônio Gritzbach, ex-corretor da Porte Engenharia, o mesmo delator que revelou a infiltração da facção em outros setores, como o futebol. Ele foi assassinado no final do ano passado.

A construtora informou que Gritzbach deixou a empresa em 2018 e declarou desconhecer qualquer relação de ex-clientes com o crime organizado.

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