Dois em cada três brasileiros sofreram impacto na forma de deslocamento ao trabalho, mostra pesquisa

Nos últimos dois anos e meio, foi registrado aumento de meios de transportes individuais, principalmente carros particulares

16 mai 2022 - 19h29

Dois em cada três brasileiros sofreram algum impacto relacionado à forma de deslocamento para o trabalho, de acordo com o Relatório Mobilidade apresentado nesta segunda-feira, 16, no primeiro dia do Summit Mobilidade 2022. A pesquisa mostrou ainda que cerca de 70% dos trabalhadores passaram por algum tipo de mudança no trabalho em comparação com o período anterior à pandemia de covid-19.

Além disso, grande parcela teve ganho de flexibilidade em decorrência da pandemia, conseguindo incorporar algum hábito saudável que persiste até os dias atuais, com destaques para atividade física, reeducação alimentar e home office. De acordo com o levantamento, 32% dos trabalhadores permanecem no modelo híbrido de trabalho, ou seja, com divisão de dias em casa e no escritório. Em comparação aos homens, as mulheres são as que mais atuam no modelo 100% remoto.

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Nos últimos dois anos e meio, notou-se ainda um aumento de uso nos meios de transportes individuais, principalmente carros particulares (59%) e por aplicativos (47%), com diminuição do uso de transportes coletivos (18%).

Com o tema "O Futuro da Mobilidade: Soluções e Perspectivas", até a próxima sexta-feira, 20, o evento reunirá empresários e especialistas para tentar entender quais são os principais desafios e o que é possível esperar para os próximos anos.

No primeiro painel do evento, 'Como a pandemia mudou o transporte', convidados destacaram os legados e as transformações que o isolamento social trouxe para os fluxos urbanos e o que é possível esperar para os próximos anos.

Com a pandemia, o País teve maior utilização de serviços de delivery e compras online. "Não dá ainda para cravar que esse hábito está cristalizado ou se ainda vai voltar uns passos atrás. Temos ainda a questão da inflação que está trazendo mudanças nos hábitos da população", acredita Marcelo Azevedo, gerente de análise econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

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Com relação aos carros voadores serem ou não uma inovação fora da realidade, Azevedo acredita que para avançar neste assunto, ainda é preciso desenvolver a conexão 5G no Brasil. "O 5G ainda está engatinhando ainda. Ainda tem muito a ser feito antes de chegar a esse ponto. Não que tenha que se perder esse horizonte, ele está correto. Mas é preciso preparar todo o terreno para médio e longo prazo", avalia.

Para o professor de Transporte da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcus Quintella, o País ainda vive uma transição impactada pela pandemia do novo coronavírus. "É um aprendizado para ver como as pessoas se adaptam a todas as mudanças. Paradoxalmente, temos acompanhado o aumento da gasolina que, ao mesmo tempo, deveria inibir o transporte individual, mas quando a população se depara com a ineficiência do transporte público, ela continua usando o transporte individual, que desde o começo da pandemia teve um aumento significativo, por atuar como uma blindagem. As pessoas estavam se blindando da pandemia entre 2020 e 2021, quando as pessoas não tinham a vacinação plena contra a covid-19", disse.

Com o retorno ao trabalho presencial, ainda de acordo com o especialista, observa-se que os índices de congestionamento no trânsito estão retomando aos registrados antes da pandemia. "Já vejo esse aumento de congestionamento em São Paulo, no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e até em Maceió, em razão da retomada ao trabalho presencial", acrescenta Quintella.

Para o professor Claudio Barbieri da Cunha, vice-chefe do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica (Poli) da USP, ainda existe uma insegurança das pessoas em compartilharem ambientes fechados pelo receio de ficarem doentes e contaminarem pessoas próximas, no entanto, não somente isso é resultado da maior utilização do transporte individual.

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"O uso do transporte individual, concordo que em parte se deve à ineficiência do transporte coletivo. Mas, muitas vezes, o uso do transporte individual não tem relação com o transporte coletivo. Pois, você pode ter um transporte coletivo de elevada eficiência. Cito a cidade de Estocolmo, na Suécia, onde há conforto e comodidade até para mães com crianças em carrinhos, mesmo assim, a cidade precisou implantar o pedágio urbano para desestimular o uso do automóvel. Acredito que em algum momento será necessária essa discussão. Não dá para construir uma via para todo mundo. É óbvio que o carro é mais confortável. Tem atração para as pessoas se deslocarem que transcende a pandemia", afirmou Cunha.

Segundo ele, no entanto, é um assunto extremamente delicado. "Acaba caindo em discussão maior. Por que precisamos pagar imposto a mais para circular nas vias. Extrapola a questão do sistema de transporte público, é uma discussão de questão tributária do País, se os recursos estão sendo bem aplicados ou não. O fato é que para coibir o congestionamento há duas medidas: rodízio de veículos na cidade de São Paulo, que começou a ser operado nos meses de inverno, mas por melhorar o trânsito passou a ser política de gestão de trânsito. No entanto, quem tem condição financeira, pode ter dois carros. Ou passa pela gestão de usos, quem precisa usar, vai pagar para usar. É uma questão delicada", pontua o professor da Poli. Para ele, poderia ser feita alguma experiência provisoriamente na região central da cidade.

Em Londres, na Inglaterra ou em Estocolmo, na Suécia, a implantação de pedágio urbano é mais simples, que em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. "Para qualquer ação de restrição de criar pedágio urbano na cidade, é preciso oferecer opções para quem quiser se deslocar ao centro da cidade. Tem que ser oferecido mais estacionamentos periféricos, além de transporte público seguro eficiente e abrangente que venha a ter regularidade", destacou Quintella.

Segundo o especialista, uma solução mais simples e que demanda menos investimento é a semaforização inteligente. "Já há estudos que mostram que a semaforização inteligente pode reduzir em até 15% o nível de congestionamento em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Tudo isso precisa ser trabalhado ao longo dos anos, ainda estamos iniciantes neste processo", afirma o professor da FGV.

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Meios de pagamento no transporte

No segundo painel apresentado no primeiro dia do evento online, 'A revolução dos meios de pagamento', foi destacada a questão sobre como as operações financeiras impulsionam novos modelos e ampliam o acesso às formas de locomoção urbana.

Sobre a revolução que os meios de pagamento vêm promovendo, André Turquetto, diretor-geral da Veloe, destaca a transformação do setor. "Sem dúvida, a indústria de meios de pagamento foi a que mais cresceu e a que mais se transformou, causando maiores impactos nos últimos tempos, em especial no Brasil. Não somente ela, mas a indústria de pagamento relacionada à mobilidade é o que mais irá impactar", acredita Turquetto.

"A digitalização crescente e uma mudança bastante acelerada no comportamento social, que dá impulso para adoção rápida de avanços tecnológicos. Alguns provocados pelos próprios reguladores", reforçou ele, ao citar a importância do aprimoramento constante das questões relacionadas à importância da segurança e do pagamento digital.

Ana Bellino, superintendente de Marketing, Produtos e UX do banco digital Digio, observa que a pandemia impulsionou a necessidade de as empresas se digitalizarem nos últimos dois anos e meio. "A democratização da tecnologia, entregando produtos financeiros e meios de pagamento para a população brasileira como um todo é algo que a gente já nota acontecendo no País, muito pelo fato de a pandemia e toda parte governamental ter nos auxiliado a digitalizar por necessidade ao longo dos últimos dois anos e meio, mas o fato é que diante do cenário em que a gente percebe o meio de pagamento - um cartão - seja ele virtual, seja ele um cartão de débito ou de crédito, sendo o acesso a muitos dos habilitadores para que se utilize uma solução de mobilidade urbana, entendo que é um caminho sem volta, pela segurança e pela praticidade. Hoje, a pessoa solicita uma conta digital, e na grande totalidade, sem o pagamento de tarifas", afirma Ana.

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Fernanda Caraballo, vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios da Mastercard Brasil, acredita que no curto e médio prazo deve haver uma expansão da aceitação do pagamento no transporte público ou pedágio com cartão de aproximação. Para ela, no futuro, as pessoas vão buscar aplicativos de mobilidade com serviços. "Que integrem esse multimodal como um todo. E aí, o pagamento eletrônico é um habilitador para isso. Poder facilitar a vida das pessoas que querem ir do ponto A ao B fazer uma experiência sem atritos. Um aplicativo deste tipo te dá as opções para ir do ponto A ao B, conforme os critérios das pessoas", ressalta Fernanda.

Marcelo Sarralha, diretor de Soluções e Inovação da Visa do Brasil, acrescenta que em transações mais específicas, a padronização é essencial para que tudo funcione corretamente. "Quando você tem uma transação crítica, no caso de transporte, pedágio e etc, a padronização é o ponto crucial. É ter trilhos, onde se tem uma padronização. A nossa indústria roda em cima de um padrão que é global. Quando se tem padronização, tem maior concorrência, vários fornecedores disponibilizando diferentes soluções e tudo mais", destaca Sarralha.

Luiz Renato Mattos, CEO & cofundador da Onboard, atua na área de mobilidade urbana há cinco anos, desenvolvendo produtos para digitalizar e integrar serviços de transporte urbano de passageiros. "Quando olhamos as perspectivas dentro do setor, vemos um agravamento da crise, principalmente em relação ao seu modelo de remuneração. E faz com que as pessoas que estão aderindo a essas novas tecnologias encontrem nessas operações de transporte algo não condizente. O sistema não está adequado. Muitas vezes, ainda não está preparado. A gente vê uma mudança positiva neste setor com uma série de cidades aderindo às novas tecnologias, mas na maioria do País os usuários que aderiram a essas novas conveniências, quando vão utilizar o transporte público é um sistema que ainda não está compatível com isso. E parte dessa solução passa por intervenção pública. O momento é favorável e propício para a transformação que o setor tanto precisa", acrescenta Mattos.

Empatia e cidadania

No último painel desta segunda-feira, foi abordada a questão da segurança a partir de ações que promovem empatia e despertem a cidadania. Neste mês, o movimento nacional Maio Amarelo aborda a importância da conscientização para reduzir o número de acidentes e mortalidade no trânsito.

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Rogério Bahú, diretor de Operações da CCR InfraSP, avalia que no início da pandemia foi observada uma redução no tráfego de veículos de passeio e aumento na logística de delivery. "Experimentamos um crescimento, além do normal, de motocicletas neste processo e, em paralelo a isso, a dinâmica da logística exigiu que as entregas sejam cada vez mais rápidas e com menor custo, as motocicletas passaram a adentrar mais o âmbito rodoviário e, com isso, começamos a experimentar conflito entre as motocicletas e os caminhões, que durante a pandemia também foram essenciais para manter o abastecimento. Preocupados em proporcionar maior segurança na web série - de seis capítulos que foi criada - tivemos a ideia de colocar um motociclista e um caminhoneiro sobre como é estar um na pele do outro", explica Bahú.

André Costa, diretor da CCR Metrô Bahia, também reforça que foi criado espaço para acolher usuários que passam pelo sistema diariamente. "Como empresa de mobilidade urbana que cuida dos caminhos dos passageiros, não tem como não ver que durante a pandemia a saúde mental da população se agravou. Com a parceria do Centro de Valorização da Vida (CVV), encontramos uma forma de dar suporte ao passageiro com a criação de um espaço de acolhimento na estação central Acesso Norte, que conecta as linhas 1 e 2 da CCR Metrô Bahia. Qualquer pessoa pode colocar suas angústias e ter apoio com profissionais preparados para dar suporte ou encaminhamento necessário", disse Costa.

O primeiro dia de debate também pode ser conferido novamente no link https://www.youtube.com/watch?v=OIKnhuK5rYQ.

Na terça-feira, 17, será divulgada a apresentação do caso 'Índice de Acesso à Cidade'. Os impactos da internet de alta velocidade no transporte urbano no futuro também ganham destaque no Summit Mobilidade na terça-feira, 17.

A programação completa e o link para se cadastrar estão disponíveis no site https://summitmobilidade.estadao.com.br/.

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