'Vale Tudo' é uma oportunidade valiosa de discutir o ódio à pessoa com deficiência

Entre todas as temáticas para manter a audiência do folhetim, a história de Leonardo Roitman, se escrita com inteligência e cuidado, tem grande potencial para ultrapassar a abordagem 'professora do primário' a respeito da diversidade, fazer sangrar a ferida da ojeriza e aprofundar a mistura de culpa e aversão da personagem Odete Roitman ao filho com deficiência.

20 jun 2025 - 14h47

Surge na nova versão da novela 'Vale Tudo', da Rede Globo, uma oportunidade valiosa de aprofundar a discussão sobre como o ódio arranca a humanidade da pessoa com deficiência.

É a chance de ultrapassar aquela típica abordagem 'professora do primário' a respeito da diversidade, fazer sangrar a ferida da ojeriza e aprofundar a mistura de culpa e aversão da personagem Odete Roitman ao filho com deficiência, Leonardo.

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Odete não enxerga pessoas, apenas obstáculos ou acessos para concretizar suas determinações, na empresa, na família, no sexo, em qualquer situação ou ambiente. Afrontada pela presença do rebento, antes "preferido, brilhante, lindo, promissor", mas agora imperfeito, quebrado, inválido, "isso aí", ela reage imediatamente e renega a existência do homem à frente.

Quando a pessoa com deficiência é "isso aí" ou também PCD, PNE e tantas outras nomenclaturas que aparecem e se aglomeram nessa identidade, desaparece a humanidade, a existência da pessoa é rejeitada, anulada, deixa de ser, é mais do que invisível, ela não é mais, apenas tem deficiência.

Muitas questões estão em pauta. Leonardo está realmente na situação demonstrada na primeira cena em que é apresentado por inteiro? É um fingimento, uma simulação como parte de uma estratégia de vingança? A história terá mais camadas e vai levantar discussões sobre abandono de gente com deficiência, negação, apagamento? Qual será a reação da família quando souber? Heleninha, a irmã gêmea alcoolista, Afonso, o bilionário idealista inútil, e Celina, a tia acostumada ao luxo, vão enxergar Leonardo ou apenas suas deficiências? Haverá piedade, assistencialismo? O 'exemplo de superação' vai dominar os espaços?

O uso da situação como ferramenta de chantagem pela cuidadora e sua neta é mais uma forma de expor a anulação do indivíduo, do homem com deficiência. "Leozinho sente as coisas", diz a mulher que empurra a cadeira de rodas, após exigir e receber mais dinheiro para manter a história escondida.

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Podemos ainda conversar sobre uma personagem com deficiência ser interpretada por um ator sem deficiência, mas esse ponto é nebuloso porque não sabemos quais são os rumos pretendidos pela autora, Manuela Dias.

A observação da deficiência como punição, a percepção do ser humano completo somente quando não tem defeitos, além de muitas outras maneiras de entender a diversidade como algo anormal, fora da sociedade, são combustíveis da discriminação, alimentos do preconceito, impulsionam o capacitismo que permeia todos os setores, perpetuam o ódio que arranca a humanidade da pessoa com deficiência e constroem muitas criaturas como Odete Roitman.

Entre todas as temáticas para manter a audiência de olho vivo no folhetim, os movimentos ao redor de Leonardo Roitman, que não estiveram presentes na primeira versão da novela, têm potencial, se abordados com inteligência e cuidado.

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