Livro 'O Corpo é Meu, Ninguém Põe a Mão' quer prevenir crianças e adolescentes contra abuso sexual

Com ilustrações convidativas, história dá voz aos pequeninos que se sentem ameaçados

22 jun 2022 - 15h25
(atualizado às 17h35)
Publicação infanto juvenil pretende prevenir adolescentes contra casos de abuso sexual
Publicação infanto juvenil pretende prevenir adolescentes contra casos de abuso sexual
Foto: Pixabay/sweetlouise

Como conversar sobre abuso sexual com crianças e adolescentes, sobretudo quando grande parte dos casos ocorrem com pessoas conhecidas? De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, 67% da violência ocorre nas casas das vítimas e, em 86% dos casos, os acusados são próximos dos familiares.

"Muitas vezes, os algozes são pessoas que deveriam cuidar e proteger as crianças e adolescentes. Muitas, infelizmente, dormem e vivem com seus "inimigos". Onde deveriam estar protegidas, nas casas, nos lares, acabam estando expostas", ressalta o presidente da Comissão de Direito à Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da OAB de São Paulo, Ariel de Castro Alves, integrante do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

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Diante desses números, a jornalista e editora de livros Denise Natale decidiu elaborar uma publicação que, de forma lúdica, pudesse falar sobre isso com os pequeninos. Assim nasceu O Corpo é Meu, Ninguém Põe a Mão. "O livro surgiu do meu inconformismo diante da questão do abuso sexual infantil, um problema tão grave e que não recebe a atenção que deveria ter de pais, professores e governantes. A necessidade de políticas públicas nessa área é sempre urgente", diz.

Denise procurou a juíza Tatiane Moreira Lima, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e a ilustradora Veridiana Scarpelli, para contar a história de Estrela, uma gata alegre e que sonhava em ganhar a medalha de ouro nos jogos olímpicos da floresta.

Certo dia, uma raposa, que se apresenta como amigo do pai de Estrela, aparece e começa a fazer amizade com a gatinha e seus irmãozinhos. Lupi Lantra, como é chamado na história, tem um discurso envolvente, muito parecido com os pedófilos quando estão em ação, como explica a juíza Tatiane Moreira Lima, em entrevista ao Estadão: "Colocamos propositadamente o abusador como uma figura sedutora, o que acontece na maioria dos casos. Ele se aproxima das vítimas, ganha a confiança dela e da família. É uma pessoa acima de qualquer suspeita. Em seguida ele pratica o ato e segue reiterando sua conduta, valendo-se do pacto de silêncio que ele faz com a criança".

Na historinha, a raposa compra um game e fala para a gatinha ir sozinha jogar na casa dele. E reitera que isso era um 'segredinho' entre eles. Estrela acha estranho, pois os pais sempre disseram que não pode haver segredos. "Algumas vezes, o abusador promete que algo ruim vai acontecer com ela e com a família, caso revele o abuso. Outras vezes oferta presentes em troca do segredo. Por fim, vale-se da condição de adulto para intimidar a criança e diz para ela que ninguém acreditaria nas suas palavras", enfatiza Tatiane.

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No livro, a gatinha muda completamente o comportamento: de uma garotinha alegre passa a se isolar e a se sentir culpada pela situação. A publicação, com ilustrações bem convidativas, cria empatia com os pequenos leitores.

"Acreditamos muito na educação, seja em casa, seja na escola como forma de prevenir a violência sexual contra crianças e adolescentes. Esses assuntos muitas vezes são negligenciados. Precisamos dar informações para que nossas crianças possam se defender, alertar pessoas da sua confiança caso abusos ocorram para que eles não persistam", enfatiza Tatiane.

No livro ‘O Corpo é Meu, Ninguém Põe a Mão’, da juíza Tatiane Moreira Lima e da jornalista Denise Natale, com ilustrações de Veridiana Scarpelli, a gatinha sofre assédio de um amigo da família.
Foto: Editora Papagaio

Pesquisa feita pela Childhood aponta que os abusos duram cerca de um ano até que sejam revelados. "No livro, colocamos que a revelação se deu na escola, local em que a vítima se sente segura e onde ela encontra acolhimento para denunciar. Por isso achamos que estamos plantando sementes ao falar com as crianças sobre esse tema tão delicado", acrescenta a juíza.

Em ‘O Corpo é Meu, Ninguém Põe a Mão’, a gatinha, que era alegre e feliz, se sente triste e culpada após episódio de abuso.
Foto: Editora Papagaio

Tatiane Moreira Lima destaca a importância de os pais conversarem com os filhos sobre toques indesejados e segredos que não podem ser revelados: "As crianças sabem quando algo as deixa desconfortáveis. Abram esse canal de comunicação com os filhos, pois fazendo isso vamos estar impedindo que a criança não revele os fatos por medo. Precisamos falar de abuso nas escolas e nos lares e essa agenda é urgente", conclui.

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Como falar sobre abuso sexual com crianças e adolescentes?

Muitas crianças e adolescentes acabam tendo dificuldade de romper o silêncio já que, geralmente, são dependentes e submissos, inclusive, economicamente, dos agressores sexuais.

Para conseguirem falar, as vítimas precisam contar sobre a violência a um adulto em que confiem. "Que pode ser um familiar, um padrinho ou madrinha, professores, agentes de saúde, entre outros", ressalta o advogado Ariel de Castro Alves.

O presidente da Comissão de Direito à Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da OAB de São Paulo ressalta que a prevenção deve ocorrer por meio de orientações e educação sexual em casa e nas escolas. "Educação sexual não significa que pais e professores ensinarão crianças e adolescentes a praticarem sexo. Muito pelo contrário! E sim irão ensinar e orientar sobre o que são as violências e opressões sexuais, e como se prevenir e denunciar situações abusivas e violentas", diz

Familiares, vizinhos, educadores e profissionais de saúde devem sempre estar atentos às mudanças repentinas de comportamentos nas crianças, por exemplo:

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- A criança sempre alegre e ativa que se apresenta triste e muito parada;

- Aquela que é falante e extrovertida, que passa a ficar quieta, introvertida e intimidada;

- Regressões na higiene corporal, no uso de fraldas e chupetas;

- Lesões corporais;

- Sonolência excessiva;

- Agressividade;

- Medo de adultos;

- Comportamentos erotizados incompatíveis com a idade.

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Outras dicas sugeridas por Ariel de Castro Alves para lidar com o assunto com os filhos:

- Diálogo: dar espaço para conversas e revelações espontâneas das crianças;

- Verificação de mensagens em aplicativos, em jogos interativos e redes sociais: o acompanhamento ajuda a prevenir violências sexuais e até sequestros, desaparecimentos, entre outros crimes e situações de riscos;

- Livros infantis, cartilhas, filmes, palestras, reportagens, propagandas de campanhas de prevenção: tudo isso alerta crianças e adolescentes sobre abusos sexuais, gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, relacionamentos abusivos;

- Também é importante falar sobre os canais oficiais para fazer denúncias, como o Disque 100, que funciona 24h por dia, incluindo sábados, domingos e feriados, e as ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem gratuita de aparelho fixo ou móvel.

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