Lei garante que pessoas trans tenham nome social respeitado após a morte

Apenas São Paulo, Brasília, João Pessoa e Palmas têm leis específicas sobre o assunto

6 jul 2022 - 05h00
(atualizado em 9/8/2022 às 12h17)
Na época, Justiça do DF impediu família de enterrar jovem trans com nome social
Na época, Justiça do DF impediu família de enterrar jovem trans com nome social
Foto: Reprodução

Em janeiro de 2019, Victória Jugnet Grossi, jovem transexual de 18 anos, faleceu. Nascida em um corpo masculino, Victória já tinha iniciado o processo de transição, com o apoio da família. No doloroso processo de velório e enterro que se seguiu, a Justiça do Distrito Federal negou à família da jovem o pedido de incluir o nome social da filha no atestado de óbito.

Em dezembro de 2021, Alana Araújo foi velada usando terno, gravata e um falso cavanhaque em Aracajú, Sergipe. Mulher trans, Alana morava sozinha, em situações precárias e sua mãe, única familiar que lhe prestava apoio, já havia falecido. Coube ao pai e ao irmão de Alana, organizar o velório.

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No final de junho de 2022, Demétrio Campos se tornou o primeiro homem trans do Brasil a ter seu nome retificado no atestado de óbito após decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

“Este era o sonho dele", disse a mãe de Demétrio
Foto: Reprodução

Demétrio faleceu em 2020, e mesmo com o desejo da família em manter seu nome social e sua identidade de gênero, foi sepultado com o nome de nascimento.

As três situações causaram revolta entre a comunidade LGBTQIA+ e abriu debate sobre o respeito à identidade de gênero e à violação de corpos trans, mesmo após a morte. No caso de Aracajú, a família não respeitou a identidade de Alana, mas nos outros dois episódios, foi a justiça que impediu o reconhecimento de gênero.

Na Paraíba, foi sancionada na última semana, a Lei 12.352/2022, que dispõe sobre o respeito ao uso do nome social nas lápides e atestados de óbito de travestis, mulheres e homens transexuais. No Brasil, apenas 3 outros estados já regulamentaram legislações nesse sentido: Bahia, Pernambuco e São Paulo.

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De autoria da deputada estadual Estela Bezerra (PT), a lei também assegura que, durante as cerimônias de velório, sepultamento ou cremação, seja respeitada à identidade de gênero em relação à aparência pessoal e vestimentas utilizadas pela pessoa transexual ao final de sua vida.

Militante histórica do movimento LGBTQIA+ no estado, a deputada Estela Bezerra comenta que o nome social na lápide é um recurso para que a identidade de gênero das pessoas trans não seja violada por parentes preconceituosos.

“Temos muitos relatos de famílias sanguíneas que nunca acolheram as pessoas trans e que no momento do sepultamento, modificam suas aparências e colocam na lápide o nome de batismo. Com essa lei a comunidade que acolhe as pessoas trans pode fazer valer e manter a identidade de gênero escolhida em vida. É uma questão de dignidade e respeito a existência dos homens e mulheres trans”, disse a parlamentar.

De acordo com um levantamento feito pela revista Piauí, em 2021, com as prefeituras das 26 capitais brasileiras e o Distrito Federal, apenas São Paulo, Brasília e Palmas têm leis específicas sobre reconhecimento da identidade social em cerimônias de velório, sepultamento e cremação.

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A capital paulista foi a pioneira em garantir o nome social de travestis e pessoas trans que venham a ser sepultadas nos cemitérios públicos e particulares. O decreto nº 58.228, de 16 de maio de 2018, assegurou o uso do nome social de pessoas trans na documentação e em lápides mediante a apresentação de simples requerimento por qualquer membro da família da pessoa falecida.

"É uma questão de dignidade e respeito a existência dos homens e mulheres trans"
Foto: iStock

Apesar da legislação ser uma conquista, ela não garante que, de fato, o desejo da pessoa falecida será respeitado.

Jade Vaccari, mestranda em Letras pela Universidade Federal da Paraíba e ativista social, entende que o velório e sepultamento de pessoas trans sem o reconhecimento da identidade de gênero é um segundo abandono. “Já vi casos de homens e mulheres trans sepultados sem nenhuma referência à sua identidade de gênero. É muito comum a família expulsar e abandonar as pessoas trans ainda muito jovens, e mesmo depois da morte, rejeitam aquela identidade como se eles nunca tivessem existido”.

No final das contas, é a família quem irá decidir se o nome e a identidade da pessoa serão respeitados tanto no atestado de óbito, quanto na lápide.

“Infelizmente a lei não assegura de forma prática que o nome social na lápide e no atestado de óbito sejam respeitados. A partir do momento que falecemos, é a família quem toma conta desse espaço. É um tema para se debater e se destrinchar muito, a família tem que ser sensível ao assunto, tem toda uma discussão a ser feita em cima desse direito. Apesar de garantido por força de lei, deixa essa brecha,” afirma a fisioterapeuta Andreina Gama, coordenadora da Associação de Pessoas Travestis e Transexuais da Paraíba.

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