A viagem começou no cinza de São Paulo – aquele céu pesado que costuma anunciar trânsito, pressa e cansaço. O BYD Seal, silencioso e imperturbável, parecia fora de lugar quando deixamos o Shopping Eldorado em direção à Imigrantes, tendo Ilhabela como destino. Mas bastou vencer os primeiros quilômetros de pista para que o carro mostrasse por que é tão comentado.
Ilhabela é um dos destinos chiques do litoral norte paulista. É comum ver modelos da Porsche, Audi e Volvo no trajeto. Vários deles já são elétricos, o que explica a boa infraestrutura de recarga rápida para quem sai de São Paulo – tanto pela Imigrantes e Rio-Santos (via litoral) como pela Ayrton Senna, Carvalho Pinto e Tamoios (via São José dos Campos).
Foi nesse ambiente que colocamos o BYD Seal, um elétrico chinês que esbanja 531 cv de potência (390 kW), tem tração AWD por contar com dois motores elétricos e acelera de 0 a 100 km/h em 3,8 segundos. Tem o desempenho de um Porsche ou Audi, mas custa R$ 250.000, cerca de metade do preço. Ir e voltar de um longo destino com uma carga de bateria é um desafio e tanto para um carro elétrico.
O Seal tem o trunfo da bateria Blade de 82,5 kWh. Rodando na velocidade da rodovia (120 km/h) com algumas exceções nas ultrapassagens, o BYD Seal chegou à balsa da travessia entre São Sebastião e Ilhabela – depois dos 213 km iniciais – com o painel marcando 51% de bateria e 276 km de autonomia restante. Havia uma tempestade se aproximando e já chovia um pouco, mas o desempenho permanecia intacto.
A travessia da balsa foi lenta – mar arrepiando, vento ficando mais forte, carros se acumulando sem pressa e um transatlântico iluminado ancorado diante da ilha, parecendo uma cidade flutuante prestes a desaparecer na neblina. Ilhabela, ainda assim, mantinha seu clima de refúgio – ruas tranquilas, cheiro de mata úmida e barcos parados como pinturas. A chuva fina caía com a delicadeza de quem não queria estragar a cena. De vez em quando dava uma trégua, suficiente para fazer fotos do carro.
Não há carregador rápido na ilha. Por isso, dependendo do caso, vale a pena fazer uma recarga em São Sebastião. A volta, com 45% de bateria e 242 km de alcance teórico, parecia mais tensa – afinal, seriam 210 km até São Paulo, agora sob chuva e com trechos sinuosos entre São Sebastião e Boiçucanga. Mesmo assim o Seal respondeu como poucos, dando outra demonstração da capacidade técnica da indústria automotiva chinesa.
Nas ultrapassagens curtas e necessárias para que a viagem não dure o dobro do tempo, seus dois motores entregavam torque imediato; a suspensão – double wishbone na frente, multlink atrás – mantinha o carro colado ao chão, mesmo no asfalto úmido. As descidas regeneravam energia, compensando o esforço das subidas, e o consumo se manteve linear, previsível, tranquilo.
O silêncio a bordo e a falta de vibração são outras características que me encantam nos carros elétricos. No caso do Seal, há ainda uma ótima posição de dirigir, com bancos bem confortáveis e desempenho de carro esportivo. Os pneus são pneus 235/45 R19.
Depois de 400 km rodados, chegamos à capital com 16% de bateria e 83 km restantes. Era o fim de uma viagem real, cheia de chuva, serra, curvas, espera de balsa e cenas inesperadas – e o início de outra sensação: a de que viajar com um elétrico bem projetado já não exige cálculo tenso, apenas disposição para ir, desde que o trajeto ofereça eletropostos rápidos.
O consumo real foi de 19,5 kWh/100 km, o que dá 5,1 kWh por km. Ou seja: o Seal roda na prática 420 km, mesmo pegando serra e um pouco de chuva. Isso é cerca de 50 km a mais do que indica o PBEV do Inmetro, porém menos do que os 520 km medidos pelo ciclo WLTP europeu. Bastou colocasr o powertrain mo modo Eco para ter baixo consumo de energia à noite e com chuva (situações ruins para um EV).
Hoje, viajar para o litoral norte paulista com um carro elétrico é mais fácil do que muitos imaginam. Entre São Paulo e Ilhabela – ou Caraguatatuba – a estrutura de carregamento rápido cresceu muito. Há opções de 50 a 150 kW em São Bernardo do Campo, Riviera de São Lourenço, São Sebastião, Caraguatatuba, São José dos Campos, Guararema e Jacareí. Mas, nesta viagem, o BYD Seal mostrou que nem seria necessário. Ele foi e voltou sem pedir nada além de estrada.
O vistoso sedã chinês Seal foi mais do que um carro. Foi – por algumas horas – um companheiro silencioso que nos tirou do barulho da metrópole e lembrou que a estrada, mesmo molhada e lenta, ainda guarda seus pequenos momentos de poesia.
Pontos de recarga no caminho
Rota pela Imigrantes + Rio–Santos
- São Bernardo do Campo – Shell Recharge – 150 kW – Estrada Samuel Aizemberg, 1708
- Riviera de São Lourenço – EDP – 150 kW – Av. Riviera, 518
- Riviera de São Lourenço – Porsche – 150 kW – Av. Riviera, 1256
- São Sebastião – Volvo – 150 kW – Rod. Dr. Manoel Hipólito do Rêgo, 2501 – Praia do Arrastão
Rota pela Ayrton Senna + Tamoios
- Caraguatatuba – Serramar Shopping – 150 kW – Av. José Herculano, 1086 – Pontal de Santa Marina
- São José dos Campos – Posto Ipiranga – 50 kW – Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 5978-6004 – Jardim Ismenia
- Guararema – Eletrograal – Rodovia Carvalho Pinto, km 67 – 60 kW
- Jacareí / Região – Petrobras / Frango Assado – Rodovia Carvalho Pinto, km 94 – 150 kW e 120 kW
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