Em 1996, a indústria dos videogames estava em plena transformação. O 3D engatinhava, os estúdios ainda descobriam como contar histórias em mundos poligonais e ninguém sabia ao certo qual seria o futuro daquele novo território tecnológico.
Foi nesse cenário de experimentação — quase selvagem — que Tomb Raider surgiu. Não apenas como um dos primeiros grandes títulos em 3D, mas como um marco cultural que redefiniu o que significava explorar, aventurar-se e habitar um mundo digital.
Mais do que um jogo, Tomb Raider foi um rito de passagem. Um daqueles momentos raros em que a tecnologia, a criatividade e a ambição de uma equipe se alinham e criam algo maior do que a soma das partes.
A transição para o 3D
Quando Tomb Raider chegou ao Sega Saturn, e pouco depois ao PlayStation e PC, ele apresentou algo que poucos jogos de ação-aventura tinham conseguido: a sensação real de estar explorando um espaço tridimensional coeso.
Nada de cenários pré-renderizados ou truques de profundidade — o game te jogava dentro de ruínas, templos, cavernas e cidades perdidas onde cada salto, cada plataforma e cada corredor contavam uma história.
A Core Design foi ousada. Criou um jogo inteiro ao redor da ideia de navegação espacial em 3D, apoiado por uma câmera ainda rudimentar, mas revolucionária para a época.
A movimentação em “blocos” pode parecer engessada hoje, mas em 1996 ela era uma bússola: permitia precisão e transformava cada salto em um mini quebra-cabeça — quase uma dança milimetricamente ensaiada.
Lara Croft: o surgimento de um ícone cultural
Falar de Tomb Raider sem falar de Lara Croft seria ignorar metade de sua importância. Lara não foi apenas uma protagonista; ela se tornou um símbolo — e, para muitos, o primeiro contato com uma heroína que liderava um blockbuster nos videogames.
Sua personalidade — britânica, aristocrática, sarcástica, destemida — combinada com seu visual estilizado marcaria presença em revistas, comerciais, eventos e até campanhas de moda.
Antes de Aloy, de Samus ser plenamente reconhecida ou Jill Valentine assumir o palco principal dos survivals, Lara já estava lá: abrindo caminho, quebrando paradigmas e colocando mulheres no centro do protagonismo dos games.
Sim, seu design inicial tinha claras intenções de marketing, mas a personagem foi além disso. Ela se tornou uma das figuras mais reconhecidas da cultura pop dos anos 90, quase como um mascote da era 3D.
Tomb Raider também redefiniu como os jogos equilibram ação e raciocínio. Em vez de confrontos constantes, o game priorizava a exploração e os quebra-cabeças ambientais. Era um ritmo diferente do que dominava o mercado — nada de ação desenfreada o tempo todo. Havia silêncio, tensão, solidão.
Entrar em uma tumba significava ouvir apenas o eco dos passos de Lara, o som distante da água pingando, ou o ranger de mecanismos antigos.
Era um jogo que tinha coragem de fazer o jogador parar, observar, testar caminhos e aprender com o ambiente. Essa mistura moldaria o DNA de diversas franquias posteriores — de Prince of Persia: Sands of Time a Uncharted e Assassin's Creed.
O legado que ainda ecoa
Voltar ao primeiro Tomb Raider hoje é como abrir uma cápsula do tempo dos videogames. Não é só sobre gráficos rudimentares ou controles da época — é sobre revisitar um momento em que a tecnologia avançava à força de pura imaginação. Cada ambiente poligonal parecia maior do que realmente era, cada salto deixava o coração na boca, e cada enigma dava a sensação de estar desbravando territórios que ninguém havia explorado antes.
Em 1996, Lara Croft não apenas ganhou o mundo: ela redesenhou o mapa. Tornou-se um ícone pop, elevou o gênero de aventura a um novo patamar e mostrou como uma protagonista podia carregar uma franquia inteira nas costas.
Quase trinta anos depois, o rastro deixado por aquele jogo inaugural segue vivo — nas remasterizações que recuperam seu espírito, nos títulos modernos que repetem sua fórmula de exploração e até na memória afetiva de quem cresceu descobrindo tumbas, segredos e caminhos impossíveis.