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Futebol feminino brasileiro sofre com falta de salários e precarização a 2 anos da Copa do Mundo

Flamengo, Corinthians e Avaí Kindermann são denunciados por descaso com atletas; campeonato mundial será sediado no Brasil em 2027

11 nov 2025 - 08h21
(atualizado às 08h30)

Com a aproximação da data de início da Copa do Mundo Feminina de 2027, não é raro que o mundo do futebol amanheça com denúncias contra a precarização da modalidade. Seja por negligência ou falta de pagamento, grandes clubes e entidades são expostos regularmente.

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Se a Copa feminina pode ser a grande exposição e oportunidade de fazer a modalidade crescer cada vez mais, os clubes do País dão mostras que o futebol das mulheres segue 'sucateado', com grandes agremiações deixando a desejar em questões básicas de estrutura.

Flamengo denunciado por jornalista

Recentemente, a comentarista da Globo e criadora do portal Dibradoras, Renata Mendonça, expôs a situação precária na qual as jogadoras do Flamengo precisam treinar e se manter durante a temporada de campeonatos. Nos registros, o ambiente está em situação precária, nos vestiários há pisos quebrados, lodo, água contaminada saindo das pias, falta de identificação e uma lixeira impedindo o acesso de terceiros.

O aspecto que realmente chamou atenção dos torcedores é a qualidade e o tamanho do gramado. A equipe treina em um campo com 54 metros de largura por 85 metros de comprimento, cerca de 20 metros menor do que as medidas oficiais. A área encurtada também é compartilhada com sacos de lixo que demoram a serem retirados semanalmente.

Imagens do Centro de Treinamento do Flamengo presentes na denúncia de Renata Mendonça.
Imagens do Centro de Treinamento do Flamengo presentes na denúncia de Renata Mendonça.
Foto: Instagram/@dibradoras / Estadão

As salas que deveriam servir como academia e centro de fisioterapia são inexistentes. O recinto para recuperação médica das atletas fica localizado acima de um bar e faltam equipamentos para tratamentos de qualidade. A mudança de CT aconteceu com a chegada do presidente Luiz Eduardo Baptista, antes as Meninas da Gávea treinavam no Centro de Treinamento do CEFAN, da Marinha do Brasil. Desde o começo da temporada, os trabalhos foram movidos para o Centro de Futebol Zico (CFZ).

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O estopim para a investigação de Renata foram as mudanças simultâneas na equipe técnica do elenco, incluindo a demissão da treinadora Rosana Augusto e uma redução orçamentária no valor investido na categoria.

Procurado pela reportagem, o Flamengo não se pronunciou sobre o caso. Torcedores e comentaristas do esporte saíram em defesa das atletas, exigindo melhora na manutenção do CT e no tratamento das profissionais.

Avaí Kindermann sem salário

A poucos dias de disputar a final do Campeonato Catarinense Feminino de 2025, o elenco do Avaí Kindermann publicou na redes sociais outra denúncia extensa contra a gerência do clube. O texto, divulgado por meio de uma ação conjunta, relata meses de salário atrasado e falta de estrutura básica.

"O campeonato catarinense 2025 começou 19 de julho, realizamos todos os treinos e os 9 jogos, ou seja, chegamos à final disputando todo o campeonato sem qualquer salário. Do início da temporada até hoje a alimentação foi ficando escassa é não é condizente com as necessidades de atletas de alto rendimento, falta o básico", escreveram as atletas.

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O relato continua explicando que duas jogadoras lesionadas, com um rompimento do LCA, em abril e agosto deste ano não receberam tratamento adequado e ainda esperam auxílio do clube para realizar as cirurgias necessárias.

"O presidente do Avaí Júlio Heerdt, o presidente Kindermann Rafael Sardá, o diretor Jonas Estevão realizaram inúmeras promessas de pagamento, mas nunca realizaram. Respeitem as mulheres!", finalizaram.

Faixa das jogadoras do Avaí Kindermann denunciando a situação do clube.
Foto: Reprodução/Instagram / Estadão

Embora o time tenha colocado em dúvida a participação na final do título estadual, com o pagamento parcial da dívida, as avaianas decidiram entrar em campo e finalizar a temporada com uma vitória sobre o Criciúma.

Antes do grande movimento, as titulares já haviam entrado em uma partida com uma faixa demandando o pagamento do salário atrasado. Na época, o Avaí Kindermann se pronunciou afirmando que a gestão da modalidade feminina é de responsabilidade exclusiva da Associação Esportiva Kindermann (AEK).

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Em entrevista ao Estadão, uma das atletas presente na denúncia confirmou o descaso. A pedido da fonte, sua identidade será preservada no relato. A jogadora do clube catarinense explica que apesar das tentativas de conversar com os dirigentes, ações para resolver a situação só foram implementadas durante a Copa do Brasil, quando o elenco ameaçou não jogar a partida contra o Palmeiras. Apesar de terem sido pagas parcialmente, logo após o campeonato, a situação voltou a se repetir.

"Nós acabamos vendo uma matéria falando que o Avaí masculino também estava com salário atrasado, só que a diretoria pagou uma folha para eles. Então, se um clube tem um valor para pagar a folha de um masculino que é gigantesco, por que eles não nos pagaram há três meses? Nosso estopim foi esse, a gente se reuniu e concluiu coletivamente: não dá mais", continuou a fonte.

A atleta completa dizendo que o cenário começou a mudar após a repercussão nas redes sociais do manifesto. "Ainda temos duas folhas de salários atrasados, mas por conta dessa mobilização já conseguimos o pagamento de duas em menos de quatro dias, sendo que estávamos há meses esperando esse dinheiro".

Procurado pelo Estadão, o Avaí Kindermann não se manifestou.

Casos não são penalizados pela CBF

A integrante do Avaí discorre sobre um segundo foco das queixas coletivas: a falta de posicionamento e atenção da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) com os casos. "Poxa, o Flamengo é uma potência, mas olha onde as meninas estão treinando e a CBF não cobra nada. A situação que estávamos era uma em que a CBF poderia intervir ou pelo menos tentar dar uma multa. Só que nada aconteceu", criticou.

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Embora pareça pontual, as denúncias de agressões e falta de suporte estão presentes na história da divisão desde o começo. Em muitas ocasiões, o público brasileiro dá suporte ao "país do futebol" somente quando se trata de grandes clubes do futebol masculino.

"Às vezes, a CBF fica muito presa nos times paulistas. Sabemos que a visão deles é totalmente diferente de um clube de Santa Catarina ou do Rio Grande do Sul. Esse caso recente criou um alarde porque é o próprio Flamengo, mas e os outros times lá em cima? Na época do Ceará, que as meninas estavam tomando goleada de 19 a 0, ninguém fez nada. Quando o Sport fechou as portas de um dia pro outro, em 2019, a confederação também não fez nada. Eles só ameaçam uma multa que nunca é concretizada", finalizou a fonte.

Corinthians atrasa pagamento da Libertadores 2024

Apesar de clubes paulistas serem, em geral, menos afetados pela disparidade, o olhar mais atento da CBF não os isenta de descasos. Em julho deste ano, a ESPN confirmou que o Corinthians Feminino atrasou os pagamentos às jogadoras de seu elenco. O valor era referente à premiação pela conquista da Libertadores feminina de 2024.

Thais jogadora do Corinthians comemora seu gol, durante embate contra o Cruzeiro na Neo Química Arena, em São Paulo (SP). FOTO:Werther Santana/Estadão
Foto: Werther Santana/Estadão / Estadão

Foi acordado que clube devia R$ 63,5 mil à cada atleta, mas somente R$ 21,2 mil foram pagos individualmente -incialmente, sem os impostos, a quantia deveria ser de R$ 175 mil por integrante. Em um primeiro momento, o montante seria depositado até dezembro do ano passado dividido em três parcelas.

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Posteriormente, o valor foi parcelado em seis vezes, com pagamentos marcados para fevereiro e julho de 2025, garantindo juros em caso de atrasos. Quando a informação se tornou pública, apenas três dessas prestações já haviam sido pagas.

Segundo o portal, o descontentamento maior veio após a polêmica envolvendo a verba que deveria ser paga a Memphis Depay, atacante do time masculino.

Ainda sem receber nada, o grupo de jogadoras que acabaram deixando a equipe ao fim de 2024 procuraram Iris Sesso, atual diretora de futebol feminino, buscando uma posição do clube. Na época, o financeiro alvinegro afirmou que a pendência seria quitada no dia 15 de agosto.

Em resposta à reportagem, o Corinthians declarou que "a premiação da Libertadores de 2024 já foi paga integralmente".

Palmeiras vai na contra-mão e cria novo centro de treinamento exclusivo

Apesar das crises, ainda há esperança de que investimentos, torcida e prestígio sejam destinados à categoria feminina. Após o Palmeiras acertar a negociação da atacante Amanda Gutierres - um dos maiores acordos da divisão, cerca de R$ 5,9 milhões -, os dirigentes afirmaram que o lucro da venda será destinado para a construção de um novo centro de treinamento exclusivo para as palestrinas.

Atual centro de treinamentos das categorias de base do Palmeiras tem cinco campos de treino
Foto: Divulgação/Palmeiras / Estadão

A intenção do clube é que o elenco volte a treinar em 2026 já na área inédita em Vinhedo. Esta é a segunda ação em que um time destina verba para um CT reservado à divisão feminina. Em 2024, a Ferroviária também anunciou a construção do seu, o espaço ainda está sendo erguido.

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"Eu estive no ano passado na Espanha para conhecer as dependências das equipes femininas de Barcelona, Real Madrid e Atlético de Madrid. A partir das referências que colhemos em relação à estrutura, tecnologia, ideias e metodologias que estamos implementando no Palmeiras, vamos construir um centro de excelência para as nossas atletas se desenvolverem ainda mais, colocando o clube como protagonista em todas as competições", afirma ao Estadão Alberto Simão, diretor de futebol feminino do Palmeiras.

Neste ano, a diretoria destinou R$ 18 milhões, um aumento de 48% em relação à temporada anterior, para a centralização das atividades das palestrinas em uma só região. Para a próxima temporada, a comitiva deve treinar semanalmente em Vinhedo e continuar mandando os jogos em casa na Arena Barueri.

A Copa do Mundo Feminina de 2027 será realizada entre os dias 24 de junho e 25 de julho de 2027. Essa é a primeira vez que um país sul-americano recebe a competição.

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