Ferrari faz Leclerc sangrar e dá pinta de criança no meio dos adultos na F1 2022

A decisão de acabar com as chances de Charles Leclerc vencer na Inglaterra mostrou mais uma vez como Ferrari sofre para ler corridas

6 jul 2022 - 04h01
(atualizado às 04h16)
Charles Leclerc foi novamente atrapalhado pela Ferrari
Charles Leclerc foi novamente atrapalhado pela Ferrari
Foto: Ferrari / Grande Prêmio

FÓRMULA 1 2022: FERRARI VENCE COM SAINZ, MAS COMPLICA LECLERC | Paddock GP #294

A Ferrari voltou a comemorar uma vitória no Mundial de Fórmula 1. No último domingo, na Inglaterra, Carlos Sainz recebeu a bandeirada como vencedor de uma prova da F1 pela primeira vez após 150 largadas. Ainda mais que isso, a equipe quebrou um tabu que vinha desde o GP da Austrália, em abril. Depois disso, seis vitórias seguidas da Red Bull até que Silverstone mudou o rumo da prosa. Mas foi uma vitória das mais amargas que se podia imaginar para o lado ferrarista. Talvez a equipe não admite - e faz sentido, para não aguar o chope inédito de Sainz -, mas qualquer torcedor dos italianos vai admitir: perdeu outra oportunidade. Se o carro voltou a ser bom, os velhos vícios apareceram outra vez: a Ferrari tem ares de criança correndo entre os adultos.

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É possível que alguém encare como um contrassenso o fato das críticas pesadas oferecidas à equipe na rebarba de uma vitória, mas é muito complicado enxergar a lógica na escolha feita pela equipe quando o calo apertou em Silverstone. Fica ainda mais esquisito quando se olha para as justificativas do chefe, Mattia Binotto. A Ferrari, ao fim e a cabo, age como se não acreditasse ser possível mordiscar o Mundial de Pilotos. E, assim, faz de desentendida, como se não entendesse as cobranças com relação as decisões tomadas sobre Charles Leclerc.

Desde que chegaram as grandes atualizações nos carros banhadas pelas novas regras da F1, no GP da Espanha, Leclerc teve chances clamorosas de vencer quatro corridas: em todas, no fim das contas, a Ferrari encurtou as possibilidades com problemas ou erros. No GP da Inglaterra, a sorte sorriu quando Max Verstappen teve problemas e permitiu que Leclerc recuperasse uma quantidade grande de pontos. Tivesse vencido, Charles chegaria à Áustria com 30 pontos de defasagem e chances reais de chegar ao recesso de verão com uma desvantagem mais humana, na falta de expressão melhor. Uma diferença que mantivesse vivas as aspirações de título.

Recapitulando: Leclerc liderava a corrida após uma ordem de equipe da Ferrari mandar que Sainz cedesse a posição para ele - o motivo era o ritmo forte de Lewis Hamilton, que perigava tomar o controle da corrida das mãos da dupla, e Sainz era mais lento que o companheiro. Até que, com 13 voltas para o fim, Esteban Ocon teve problemas e parou o carro na pista. Safety-car. Com 11 segundos para decidir, mandou o líder da prova ficar na pista com os pneus duros gastos. Sainz entrou para colocar pneus macios, bem como Hamilton e Sergio Pérez, que havia se distanciado na briga após ter um pit-stop cedo demais depois de tocar Leclerc logo no começo da corrida e ficar com a asa danificada.

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Binotto e Leclerc: a Ferrari atrasa seu melhor piloto (Foto: Scuderia Ferrari Press Office)

Por que essa decisão? A decisão da Ferrari garantiu que Sainz tivesse chances de vencer a corrida, enquanto Leclerc não tinha mais nenhuma. A partir da relargada, aconteceu o óbvio: o #16 foi ultrapassado por Sainz, Hamilton e Pérez. Vitória do espanhol, mas Charles perdeu 13 pontos ao cair da vitória para o quarto lugar. Verstappen, com o carro capenga, salvou uma sétima posição que valeu seis pontos. Mesmo com problemas, só perdeu seis pontos da vantagem de 49 pontos que tinha para o monegasco.

A explicação de Binotto inicialmente foi que Sainz tinha pneus duros mais gastos e, portanto, precisava mais dos macios já que não daria para parar os dois carros juntos. Depois, elaborou mais.

"Numa situação semelhante dessa, o senso comum diz que a prioridade deve ser dada a quem estiver na frente para que não perca posições na pista. Não houve nada estranho em nossa estratégia", garantiu em declaração ao site da Ferrari.

"A prioridade era quem estava na frente: Charles, nesse caso. Ele tinha pneus mais novos e, se tivéssemos parado Charles, nossos rivais teriam optado pela estratégia oposta e ganhado posições, também com pneus mais novos. É a mesma estratégia que usaram para Lewis Hamilton em Abu Dhabi no ano passado: ele não voltou para os boxes", recordou.

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"Ao mesmo tempo, optamos por uma estratégia oposta a essa com Carlos para, assim, não perdermos chances. Se não tivéssemos feito isso e se tivéssemos colocado os dois carros na mesma estratégia, arriscaríamos perder a corrida, literalmente entregando a vitória aos nossos rivais", finalizou.

Talvez Mattia Binotto não se recorde direito do final da corrida em Abu Dhabi, mas a decisão da Mercedes para Hamilton ficar na pista com pneus velhos acabou por custar o campeonato. Não sei se emular esta decisão e depois se basear nela publicamente para justificativas é a opção mais inteligente a se considerar.

De qualquer forma, embora caiba alguma lógica na escolha por Sainz, o erro está contido em outra aba desta conversa. Afinal, só um dos dois pilotos da Ferrari estava na briga pelo título mundial: Sainz se distanciou disso há muito tempo. Leclerc era o único piloto com chances de entregar o caneco do Mundial de Pilotos para a Ferrari em 2022. Era, porque agora não é mais. Que fique claro: Leclerc está fora da briga pelo título. Não matematicamente, claro, até porque são mais 12 corridas no caminho. Mas analisando com o bom senso.

As coisas complicaram para Leclerc no fim do GP da Inglaterra (Foto: Justin Tallis/AFP)

Situações como a de Silverstone não aparecem a todo momento. Verstappen não deixa muitos pontos pelo caminho a não ser que alguma coisa aconteça. Na Inglaterra, a culpa foi de um detrito espalhado na pista pela batida entre Yuki Tsunoda e Pierre Gasly que grudou e arrasou com o lado esquerdo do assoalho do Red Bull. É provável que novos problemas afetem Verstappen até o fim do ano, mas é a Ferrari quem tem sofrido mais com a confiabilidade - ao contrário do que o início do ano indicava. Mais que isso: Leclerc será certamente punido por trocas no motor daqui até o fim do ano, como no Canadá. Provavelmente múltiplas vezes.

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As oportunidades de punir a rival como um arrasa-quarteirão não aparecem sempre e têm de ser aproveitadas. A Red Bull consegue fazer isso invariavelmente sempre que a oportunidade apeia, mas a Ferrari, não.

Se em Barcelona e em Baku o motor traiu Leclerc, as decisões de Mônaco e da Inglaterra favoreceram muito a Sainz. Em Mônaco, Leclerc liderava quando foi parado nos boxes duas vezes em quatro voltas - a segunda ainda teve de esperar atrás do espanhol, algo que Binotto alegou ser impossível de fazer desta vez. O motivo? A pista secava, e a equipe colocou pneus intermediários em Leclerc quando tudo estava seco. Aí, segundos depois, notou que a pista era muito mais rápida para quem colocava os slicks. Corrida perdida, Leclerc de primeiro para quarto.

Agora, na Inglaterra, uma decisão que Binotto nem trata como conflituosa. A lógica que usou é simplista: paremos quem tem os pneus mais velhos. Sem qualquer contexto ou avaliação das circunstâncias, algo que leva a pensar em outra coisa: a própria Ferrari trata como impossível ganhar o Mundial de Pilotos.

Pode até parecer um exagero, mas avalie bem. Desde que a desvantagem começou a bater nas costas ferraristas, Binotto passou a falar que o objetivo de 2022 era competir, não ganhar. Que era o começo do trabalho de reconstrução e afins. Praticamente não se escuta mais qualquer papo sobre título. E o tratamento de Leclerc e Sainz como iguais dadas as condições é uma demonstração de que o título é carta fora do baralho.

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Não é uma crítica ao fato da equipe ter deixado que os dois brigassem na pista, este nem é o ponto. É bom que os dois briguem. O ponto é que as decisões sobretudo estratégicas deveriam pensar Leclerc em primeiro lugar, mas não tem sido assim. Quando em nenhuma parte das explicações que oferece Binotto sequer menciona o assunto briga pelo título, o recado está dado: a Ferrari nem trata mais como um assunto válido. Leclerc está fora da briga pela distância, pelas condições e pela visão de mundo da própria Ferrari.

Carlos Sainz e Lewis Hamilton foram trocar os pneus e engoliram Leclerc (Foto: Reprodução/F1)

É, também, fraqueza. Quando que a Red Bull de Christian Horner e a Mercedes de Toto Wolff abandonariam uma briga assim no meio apenas com medo de serem derrotadas? Ano passado, enquanto a tecnologia chegava na beira do precipício e se tornaria inútil para o ano seguinte, as duas equipes atrasaram os desenvolvimentos para o 2022 que seria apenas o começo de uma nova era de regulamento. Claro, porque se corre pelo título e, quando uma pequena chance de bater na porta da glória aparece, precisa ser perseguida.

Binotto e sua trupe de tomadores de decisões mostram medo da derrota e, assim, preferem sequer entrar no duelo. Mas é ainda mais drástico que isso, porque a Ferrari liderou os dois campeonatos por ampla margem após as primeiras corridas, então estava automaticamente na briga. A Ferrari trabalha para abandonar a disputa pelo título e justificar depois que jamais esteve nela, como se ninguém mais acompanhasse o campeonato e tudo fosse um segredo possível de ser colocado num cofre e varrido para o meio do oceano como uma mensagem engarrafada a ser descoberta daqui a algumas décadas.

Impossível é apagar o que o mundo inteiro viu e vê agora. Que a Ferrari tem um pacote forte, que liderou o campeonato e tem um piloto guiando no mais alto nível possível em Leclerc. Esse é o lado bom. O lado ruim é que tem um comando fraco, omisso e que está desesperado com a possibilidade de bater rodas com a Red Bull.

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E fraqueza, definitivamente, não ganha campeonato. Pena para Leclerc.

FERRARI TIROU ÚLTIMAS CHANCES DE LECLERC SER CAMPEÃO DA FÓRMULA 1 2022

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