RIO - Com um investimento de R$ 100 milhões, a Shell e a Petrobras assinam nesta sexta-feira, 12, no Rio de Janeiro, uma parceria para viabilizar o maior inventário de estoques naturais de carbono no solo e na vegetação já realizado no Brasil. Batizado de Carbon Countdown, o levantamento cobrirá 6.500 áreas nos seis biomas brasileiros e criará uma base pública de dados reconhecida por padrões internacionais.
Um dos objetivos é medir e monitorar, segundo um padrão único, os estoques de carbono presentes na vegetação nativa, em áreas agrícolas, pastagens e regiões de silvicultura. Para o diretor do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON), Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, o trabalho servirá de referência para orientar projetos de soluções baseadas na natureza (Nature-based Solutions - NbS).
"O Brasil é conhecido pelas soluções baseadas na natureza, mas não temos uma linha de base validada cientificamente", afirma. "Com essa métrica, o país poderá comunicar adequadamente os benefícios desses diferentes usos da terra", completa.
A execução será feita por hubs de pesquisa instalados nos biomas Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal e Pampa. A coordenação técnica é do centro de inovação da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
Inventário
O trabalho de campo está previsto para começar em seis meses e terá duração de dois anos. As áreas selecionadas foram definidas a partir da análise de dados do Sistema de Informação Geográfica (SIG). Serão coletadas mais de 250 mil amostras de solo e cerca de 400 mil amostras complementares. As coletas ocorrerão até um metro de profundidade — uma abordagem mais detalhada do que a usada nas principais certificações do mercado voluntário de carbono, que normalmente consideram apenas os primeiros 30 centímetros do solo.
"Nem mesmo os Estados Unidos têm um retrato com tamanha densidade de informações", destaca Cerri ao comentar a dimensão do projeto.
Para o gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), André Bueno, o projeto tem potencial de fortalecer políticas de uso do solo no Brasil. Ao mesmo tempo, ajuda a orientar as iniciativas de restauração ecológica da empresa.
"A iniciativa, pensada há dois anos, nos ajuda a identificar regiões com maior potencial de captura de carbono e o retorno econômico justo para a comunidade associada àquela área e vegetação", diz.
Em setores como petróleo e gás, que têm maior dificuldade de descarbonizar as atividades, a compra desses créditos é uma ação complementar ao uso de tecnologias para produção com menos emissões. Na visão de Bueno, o projeto tende a contribuir para aumentar a confiabilidade sobre a integridade desses créditos.
"Com metodologias consolidadas no mundo e adequadas à realidade da nossa biodiversidade, teremos mais elementos para realizar as avaliações", afirma.
Inovação
O projeto inclui investimentos em infraestrutura laboratorial nas diversas regiões do Brasil. Os recursos são viabilizados pela cláusula da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que determina que empresas destinem parte da receita bruta de campos de grande produção a iniciativas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I).
Pelo mecanismo, a Shell investe cerca de R$ 500 milhões anuais em inovação no Brasil. Segundo o gerente de Tecnologia de Baixo Carbono da Shell Brasil, Alexandre Breda, a companhia tem investido desde 2022 em projetos de NbS.
"Parte dessas tecnologias é construída com recursos da cláusula. Isso permite iniciativas realmente transformadoras, como essa linha de base para estudos sobre carbono", afirma.
Bueno reforça que investir em PD&I é estratégico para a transição energética. "Nosso foco não está apenas em desenvolver soluções para óleo e gás, mas também em novas energias, e o Carbon Countdown vai nos ajudar a avaliar se as matérias-primas renováveis usadas nos nossos biocombustíveis são produzidas com baixa emissão", explica.
A Petrobras prevê investir US$ 1,2 bilhão em PD&I no próximo quinquênio. As tecnologias de baixo carbono devem representar 20% do orçamento em 2026 e alcançar 40% em 2030.
Legados
A duração total do projeto é de cinco anos. Um dos legados esperados é a criação de um banco de solos para novas pesquisas.
"Vamos garantir que 20% de todas as amostras sejam testadas por métodos que hoje são alternativos, mas podem ser validados no futuro", explica Cerri. Ele também acredita que o esforço deve impulsionar publicações científicas, patentes e startups em todas as regiões do país.
Para Breda, a base científica do projeto poderá desempenhar papel relevante no processo de consolidação do mercado regulado de carbono no Brasil.
"O país tem grande potencial para liderar essas discussões. Ao envolver instituições de todas as regiões, investir em infraestrutura e capacitar profissionais para construir essa linha de base com comprovação científica, fechamos a tríade para fortalecer o mercado de carbono no Brasil", conclui o executivo da Shell.