A alta da Selic para 15% no Brasil encarece financiamentos habitacionais e dificulta o acesso ao crédito, mas o mercado imobiliário demonstra resiliência, impulsionado por programas como o Minha Casa, Minha Vida e novas regras para ampliar a acessibilidade.
Com a taxa Selic mantida em 15% ao ano pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o Brasil conquistou uma posição pouco confortável no cenário econômico internacional: ocupa a segunda colocação no ranking mundial de juros reais, ficando atrás apenas da Turquia e à frente de países como Rússia e Argentina. Os juros reais brasileiros estão em torno de 9,74% ao ano, resultado da taxa nominal descontada a inflação projetada.
A taxa atual de 15% representa o patamar mais elevado em quase 20 anos. O cenário que levou o Banco Central a manter os juros nesse patamar é complexo e envolve múltiplos fatores. Segundo relatório da consultoria MoneYou, o Brasil ainda enfrenta incertezas inflacionárias significativas, alimentadas por preocupações com os gastos governamentais e pelos efeitos da guerra tarifária impulsionada por Donald Trump.
O impacto da guerra tarifária
As políticas comerciais dos Estados Unidos adicionaram uma camada extra de imprevisibilidade ao ambiente econômico brasileiro. A imposição de tarifas sobre produtos brasileiros criou um efeito cascata que vai muito além das relações comerciais diretas. Especialistas apontam que essas medidas podem pressionar o câmbio, desestabilizar as expectativas de inflação e criar volatilidade adicional nos mercados financeiros.
Para o Banco Central, essas incertezas externas se somam aos desafios internos. A inflação, embora em trajetória de desaceleração, permanece acima da meta de 3%, com projeções entre 4,4% e 4,8% para 2025. O mercado de trabalho aquecido e as expectativas de inflação elevadas justificam, na visão da autoridade monetária, a manutenção da política restritiva por "período bastante prolongado".
O custo real do financiamento habitacional
Tudo isso impacta diretamente o custo do crédito e o poder de compra das famílias brasileiras. Quando a Selic está em patamar elevado, os bancos encarecem as linhas de crédito, incluindo os financiamentos imobiliários. As taxas de juros cobradas nos empréstimos habitacionais acompanham esse movimento, tornando as parcelas mais pesadas no orçamento familiar.
Além disso, a entrada exigida pelos bancos tem aumentado. A Caixa Econômica Federal, que responde por cerca de 70% dos financiamentos habitacionais do país, chegou a elevar de 20% para até 50% o percentual de entrada necessário em determinadas operações, embora novas regras estejam sendo implementadas gradualmente para reverter parte dessas restrições.
Para quem já possui financiamento, o cenário também se complicou. Com juros mais altos e o dólar pressionado pelas incertezas globais, muitas famílias encontram dificuldades para refinanciar seus contratos ou amortizar dívidas utilizando o FGTS, que só recentemente teve suas regras atualizadas para imóveis de até R$ 2,25 milhões.
A transformação do mercado imobiliário
Mas, ao contrário do que se imagina, o mercado imobiliário não parou. Ele está se transformando. Os dados de 2025 revelam uma realidade surpreendente: o setor continua demonstrando resiliência notável, mesmo diante de um ambiente macroeconômico desafiador.
O primeiro trimestre de 2025 registrou alta de 15,7% nas vendas de imóveis residenciais em comparação com o mesmo período do ano anterior, com mais de 102 mil unidades comercializadas. O ano de 2024 já havia fechado com crescimento robusto, com lançamentos aumentando 18,6% e vendas crescendo 20,9% em relação a 2023.
O papel do Minha Casa, Minha Vida
Um dos principais motores dessa resiliência é o programa Minha Casa, Minha Vida. O programa foi responsável por 53% dos lançamentos e 47% das vendas no primeiro trimestre de 2025. Com recursos garantidos pelo FGTS e condições de crédito mais acessíveis, o programa manteve a atividade aquecida no segmento popular, mesmo com a Selic em alta.
Enquanto o crédito para imóveis de médio e alto padrão ficou mais restrito e caro devido aos juros elevados, o Minha Casa, Minha Vida continuou sua trajetória ascendente. A meta de dois milhões de unidades até 2026 foi alcançada já no fim de 2025, e a nova projeção aponta para três milhões em 2026.
Novas regras e perspectivas
O governo federal tem implementado mudanças estruturais para ampliar o acesso ao crédito habitacional, especialmente para a classe média. O novo modelo de crédito imobiliário, aprovado em outubro de 2025, trouxe alterações importantes:
O limite do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) passou de R$ 1,5 milhão para R$ 2,25 milhões, ampliando o alcance das taxas reguladas e permitindo o uso do FGTS em imóveis de maior valor. A meta é que os juros nesse sistema fiquem limitados a 12% ao ano, bem abaixo das taxas de mercado.
Além disso, a Caixa voltou a oferecer financiamento de até 80% do valor do imóvel, reduzindo a entrada necessária. Essas medidas devem injetar cerca de R$ 20 bilhões no crédito imobiliário até o fim de 2026, financiando aproximadamente 80 mil novos imóveis.
Fontes alternativas ganham força
Outro aspecto importante da transformação do mercado é o crescimento de fontes alternativas de financiamento. Instrumentos como CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) têm ganhado relevância, reduzindo a dependência exclusiva da poupança.
O financiamento imobiliário com recursos da poupança atingiu R$ 13,48 bilhões em janeiro de 2025, crescimento de 40,3% em relação ao ano anterior. As originações de empréstimos imobiliários em 2024 bateram recorde histórico de R$ 312 bilhões, demonstrando que, apesar dos desafios, há demanda e oferta de crédito no mercado.
Mercado de locação em alta
A dificuldade de acesso ao financiamento tem gerado um efeito colateral: o aquecimento do mercado de locação. Com entrada mais alta e parcelas mais pesadas, muitas famílias que planejavam comprar um imóvel optaram por alugar. Essa migração vem pressionando os valores dos aluguéis para cima.
Em 2024, a locação imobiliária subiu quase 14% no Brasil, e a tendência é de continuidade desse crescimento em 2025. Quando a oferta não acompanha a demanda, os preços naturalmente se elevam, tornando o aluguel uma opção cada vez menos acessível para muitas famílias.
O desafio do pico de entregas
Um dos pontos de atenção para 2025 é o esperado pico de entregas de imóveis. Muitas unidades que foram lançadas nos últimos anos estão sendo concluídas agora, em um ambiente de taxas de hipoteca mais altas. Isso exige um maior volume de transferências bancárias e pode elevar os níveis de cancelamento de contratos, dado que a capacidade de pagamento das famílias foi reduzida pelos juros mais altos.
A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) projeta uma queda de 17% nas originações de empréstimos do SBPE em 2025, principalmente devido à redução nos empréstimos para construção. Por outro lado, as originações de empréstimos individuais devem se manter em níveis saudáveis, sustentadas pela forte demanda do segmento e pelo atrativo que representam para os bancos.
A diversificação do mercado
O mercado também tem se diversificado geograficamente. O Sudeste continua liderando em volume absoluto, mas outras regiões apresentam crescimento expressivo. O Sul, por exemplo, registrou aumento de 17,1% nos lançamentos e 17,99% nas vendas em 2024, demonstrando que o dinamismo do setor não se restringe apenas aos grandes centros urbanos.
Perspectivas para o futuro
O governo federal traçou uma meta ambiciosa: elevar a participação do crédito imobiliário no PIB dos atuais 10% para algo entre 15% e 20% nos próximos dez anos, equiparando-se a países como o Chile. Para isso, além das mudanças regulatórias já implementadas, será necessário um ambiente macroeconômico mais favorável, com queda gradual dos juros.
A expectativa do mercado é que a Selic permaneça em 15% até o final de 2025 ou início de 2026, com possibilidade de cortes apenas depois que a inflação convergir consistentemente para a meta. O Copom deixou claro que seguirá vigilante e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste se julgar necessário.
Difícil, mas não impossível
Então, ficou mais difícil financiar uma casa no Brasil? A resposta é: sim, o custo do crédito aumentou significativamente, e as exigências bancárias se tornaram mais rigorosas. Os juros reais entre os mais altos do mundo tornam o financiamento habitacional mais caro, e as incertezas inflacionárias, agravadas pelas tensões comerciais globais, mantêm o Banco Central em postura defensiva.
No entanto, o mercado imobiliário brasileiro demonstra uma capacidade notável de adaptação. O segmento popular continua aquecido graças ao Minha Casa, Minha Vida. Novas regras estão ampliando o acesso ao crédito para a classe média. Fontes alternativas de financiamento ganham espaço. E a demanda por moradia, sustentada por emprego e renda, permanece consistente.
O desafio é real, mas o mercado não está paralisado. Está se transformando, encontrando novos caminhos e se adaptando às circunstâncias. Para quem deseja comprar um imóvel, o momento exige planejamento financeiro ainda mais cuidadoso, maior capacidade de entrada e paciência para negociar as melhores condições.
O sonho da casa própria ficou mais distante para muitos, mas não impossível. E as mudanças estruturais em curso podem, no médio prazo, criar um mercado de crédito imobiliário mais robusto e diversificado no Brasil.
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