Donos de autoescolas rejeitam o fim da obrigatoriedade de cursos para obter CNH, sugerindo alternativas como redução de aulas práticas, desconto em equipamentos e taxas menores, enquanto alertam para impactos financeiros e de segurança.
Nas últimas semanas, donos de autoescolas têm sentido que estão na posição de vilões. Sozinhos, eles tentam lutar contra a sedutora narrativa de que será positivo acabar com o custo da formação para se tornar habilitado. Em linhas gerais, não há dúvidas de que democratizar o acesso aos brasileiros é algo bom, mas os representantes desse setor questionam a que custo e de que forma isso deve ser feito.
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O governo federal abriu uma consulta pública sobre o fim da obrigatoriedade das autoescolas para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). No meio disso, seria viabilizada a atuação de instrutores autônomos, que poderiam dar aulas em seus próprios veículos ou dos alunos, com a identificação de uma faixa branca removível indicando que há um aprendiz ali.
O objetivo, segundo o governo, é reduzir o custo para se tirar a primeira habilitação. Na prática, uma categoria inteira teme ser atingida e ficar ao léu. É o caso de Carlos Daniel, dono de quatro autoescolas no Estado de Pernambuco, e atuante no ramo há 26 anos. Ele decidiu antecipar as férias coletivas dos 38 funcionários das unidades, antes previstas para a época de festas de fim de ano.
“Desde o período do final de julho pra cá, nós estamos com uma recessão de matrículas. Coincide com o período que foi iniciada toda essa questão aí dessa desobrigação de autoescolas, e ao mesmo tempo, também, com aquela questão da CNH social, que veio também no mesmo período”, diz.
Daniel estima que houve uma redução de 90% da sua receita no período. “E a pequena reserva que tínhamos de julho para cá, foi queimando. A gente não sabe mais o que fazer”, afirma. De uma coisa ele parece ter certeza: com a aprovação do fim da obrigatoriedade de fazer autoescola para tirar a CNH, não vai ser possível manter as quatro unidades abertas.
Outras soluções
O que os donos de autoescolas defendem é que há outras soluções para baratear os custos da carteira de motorista, sem acabar com a obrigatoriedade de realizar o curso de formação. Um dos principais pontos levantados por eles é que hoje o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) exige uma carga horária mínima de 20 aulas práticas para que o aluno faça o exame de habilitação.
“Acessível é a gente colocar cinco aulas práticas, por exemplo. Uma carteira que custa R$ 1.700, R$ 1.800 cairia para R$ 600. Isso é acessível, e as pessoas que precisam de mais aulas, comprariam as aulas”, defende Ygor Valença, presidente da Federação Nacional das Autoescolas (Feneauto) e dono de duas autoescolas, também em Pernambuco.
Veja algumas das soluções propostas pelos donos de autoescolas para baratear a carteira:
- Diminuir o número de aulas práticas obrigatórias;
- Conceder descontos para a categoria na compra de equipamentos, como carros e motos, com redução de impostos;
- Reduzir as taxas cobradas pelos órgãos de trânsito, a exemplo do valor cobrado pelo Detran para emitir a carteira de motorista.
Impacto financeiro e questões de segurança
A Feneauto calcula que o fim da obrigatoriedade das autoescolas deve causar um impacto de R$ 14 bilhões ao ano. Ygor Valença explica que essa cifra leva em conta tudo o que é pago pelas autoescolas de impostos e de remuneração aos colaboradores. A federação também prevê que 300 mil empregos estão em risco no País.
Para o presidente da Feneauto, há ainda um outro fator que não tem sido tão discutido: a segurança dos aprendizes no modelo de instrutores autônomos proposto pelo governo. Ele questiona a falta do sistema de duplo comando de freio nos veículos que não são de autoescola e a falta de vínculo empregatício desses profissionais, o que os tornaria mais suscetíveis a cometer erros sem responsabilização.
“Imagina uma filha nossa fazendo uma aula com um instrutor que você não sabe quem é. A autoescola é fixa, se um pai quiser ir, está lá. Se um instrutor meu fazer qualquer tipo de assédio ou conduta errada, o pai sabe onde a filha está. É uma empresa, existe um diretor, um proprietário responsável. Não estamos falando de um lanche que foi entregue errado no iFood, estamos falando de vidas”, defende Ygor Valença.
Para Ygor, o que deve acontecer no futuro é que os instrutores acabarão trabalhando através de aplicativos, como acontece hoje com os motoristas via aplicativo. “Vão pegar um setor que é todo CLT e jogar na informalidade”, opina o presidente da Feneauto.