A cena mudou no campo brasileiro. Se há 20 anos a chegada de uma tecnologia levantava sobrancelhas e desconfiança, hoje o produtor quer saber "qual é a tecnologia que tenho? Porque eu preciso inovar!", explicou José Carlos Bueno, diretor comercial da PTx, no painel "Agrotech", no Estadão Summit Agro. A pergunta central, muitas vezes, deixou de ser "por que" para se tornar "como acessar".
Para Anselmo Arce, cofundador da Solinftec, essa virada está consolidada. "A etapa de convencer o produtor que a tecnologia aumenta produtividade e eficiência já passou".
A Solinftec monitora hoje cerca de 13 milhões de hectares no mundo, sendo 9 milhões só no Brasil, e vê um produtor capaz de distinguir o que faz sentido ou não para sua realidade. Do monitoramento climático à logística, da rastreabilidade à robótica, o cardápio tecnológico se ampliou, e o produtor aprendeu a escolhê-lo com maturidade.
O desafio, agora, é o acesso. Arce lembra que o sistema financeiro começa a entender que financiar tecnologia é financiar o agronegócio, e que o próprio ecossistema, do crédito ao seguro rural, só funciona melhor quando há dados vindos do campo. Um exemplo claro está no seguro agrícola. "É difícil definir risco sem informação. Quando há sensores medindo clima, produtividade, pragas ou doenças, fica muito mais fácil calcular um risco e desenhar produtos novos para o assegurador", afirmou.
A diretora-geral da Tmdigital, Carolina Vergeti, concorda que a tecnologia deixou de ser tendência para se tornar estratégia de sobrevivência. O agro cresceu em tamanho e complexidade, e exige agora decisões baseadas em dados, não em intuição. Mas transformar informação bruta em ação concreta ainda é um obstáculo. "Nenhuma informação é boa se não puder ser consumida. A peça mais importante continua sendo a que fica atrás do mouse", resumiu.
Para a executiva, o desafio, nesse contexto, é criar um ecossistema tecnológico que auxilie, de forma robusta, a tomada de decisão por parte do produtor. É bastante processo: mapear, medir risco, padronizar, garantir que a política de crédito converse com o financiador e que toda a gestão financeira aconteça num ambiente digital único, sem perdas no caminho.
Conectividade
Se a gestão avança, o campo também se transforma. José Carlos Bueno descreve o cotidiano do produtor como "uma fábrica a céu aberto": clima imprevisível, risco constante e zero controle sobre boa parte das variáveis. Por isso, a tecnologia passou a ser uma necessidade, não um luxo.
Ele lembrou que, nos anos 1990, o computador de tela verde parecia indecifrável; hoje, o agricultor opera drones, exige conectividade e cobra inovação. A conectividade é a nova infraestrutura básica. Sem ela, robôs, algoritmos e aplicações em taxa variável não saem do lugar.
O interesse também cresce porque o investimento precisa ser certeiro. Num cenário de juros altos, o produtor avalia cada compra: primeiro sementes, fertilizantes e defensivos; depois, apenas o que traz retorno rápido. A tecnologia entra justamente aí, como o elemento que encurta o caminho entre gasto e ganho.
Ainda assim, o futuro não chega de forma homogênea. Pedro Dusso, cofundador da Aegro, usa a frase de William Gibson: "O futuro já chegou, só não é igualmente distribuído." Ele relata que há fazendas que operam com robôs em campo, transbordo guiado por algoritmo e pulverização com inteligência artificial e taxa variável sem mapas prévios — uma cena digna de 2050. Mas a realidade média é bem mais modesta. "Temos 5 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil. Duvido que haja 50 mil totalmente digitalizados", afirmou Dusso.
Para ele, a grande virada só virá quando sistemas digitais deixarem de exigir que o produtor clique, cadastre, navegue por telas complexas. A próxima onda é conversacional, mais intuitiva, como usar um aplicativo de mensagens: falar, inserir dados e receber respostas sem barreiras técnicas. "Isso poderá incluir muito mais gente no processo digital", avaliou.
Segundo os especialistas, o produtor brasileiro já entendeu que tecnologia não é adereço - é parte estrutural do negócio. Entre riscos climáticos, volatilidade de preços e gargalos de crédito, ela se tornou o elo que sustenta desde a tomada de decisão até a entrega final da safra. O futuro, ao que tudo indica, seguirá na mesma direção. "Não é igual ao foguete do Elon Musk", brincou José Carlos Bueno. "A agricultura digital não tem ré. Vai só para a frente."