Ana Catarina, a protagonista do delicado Livros Restantes, prepara-se para uma mudança radical de vida. Ela irá deixar a pequena comunidade em que mora, seus amores e seus familiares para morar em Portugal, sem data para voltar. Antes de ir, porém, ela quer devolver livros que ganhou, com dedicatórias especiais, àqueles que a presentearam - e é essa jornada entre passado e presente que carrega o filme estrelado por Denise Fraga, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 11.
A ideia da história veio à roteirista e diretora Marcia Paraiso depois um sonho, muito ligado à sua própria relação com seus livros. Dona de uma "biblioteca considerável", ela tinha muita dificuldade em desapegar de seus livros, especialmente aqueles com dedicatórias, que ela bem define como "livros-pessoas".
"Eles marcam um período que a gente viveu e marcam a relação que a gente tinha com aquela pessoa, naquele momento; e muitas vezes a gente não recupera aquela relação, porque o tempo passou, a gente se transformou e a pessoa também", diz a cineasta em conversa com o Estadão. "Quando vamos envelhecendo, fica ainda mais forte a preciosidade que é ter esses dedicatórias dessas pessoas nos livros."
Denise Fraga se encantou com a premissa e fez, em suas próprias palavras, um "malabarismo" para poder estar no filme, já que tem, também, uma relação próxima com a literatura. "Eu acho que todos nós que lemos somos o que lemos (...) Os livros que eu li são de extrema importância em minha vida", diz ela.
Um deles, que ela carrega, "todo ferradinho", dentro da bolsa é Sonho Manifesto, de Sidarta Ribeiro. "É uma Bíblia para o nosso tempo. Todo mundo deveria ler", diz a atriz, também fã de Valter Hugo Mãe, Clarice Lispector, Machado de Assis e do historiador holandês Rutger Bregman. "Ele tem uma visão otimista da humanidade, algo muito necessário nesta época."
'A vida está começando a qualquer momento'
Denise achou bonita a forma como Ana Catarina faz "um inventário de si mesma" ao longo de Livros Restantes. "Ela vai entender quem ela é para poder seguir tudo que ela pode ser a partir de agora", define.
A personagem faz parte de um rol tímido, mas crescente, de protagonistas com mais de 50 anos, que refletem novas perspectivas do envelhecer e da vida na maturidade. Só neste ano, elas estiveram à frente de produções como O Último Azul, premiado em Berlim, Sonhar com Leões, estrelado pela própria Denise, e Sexa, estreia de Glória Pires na direção e também chega aos cinemas nesta semana.
Denise Fraga vê nessa tendência dos cinemas uma mudança que se aproxima mais de uma realidade em que o envelhecimento não é mais encarado como o fim das possibilidades e novidades. "As mulheres estão mais protagonistas de suas vidas. As pessoas estão se reeditando, se reinaugurando - eu adoro essa palavra. (...) Antes de qualquer coisa, o filme fala dessa possibilidade de você entender que a sua vida está começando a qualquer momento, e que hoje pode ser o primeiro dia do resto da sua vida."
Ou, em outras palavras: "Quem estaria, hoje, cuidando dos netos está indo para a balada com os filhos", diz a atriz.
Para Marcia, esse retrato nos cinemas passa também pela necessidade de se oferecer opções ao público 50+, frequentemente ignorado pelo mercado. A cineasta conta que, ao visitar cinemas de rua no interior de Santa Catarina, notou que a maior parte dos títulos de nicho. "Conversando com as pessoas, você vê que há um espaço vazio; por exemplo, mulheres que deixaram de ir ao cinema porque não querem ver nem filme de terror e nem querem ver animação infantil. Elas se afastaram da sala de cinema."
Ela segue: "Temos que ocupar o espaço oferecendo um produto para o público mais velho. É uma questão de respeitar e compreender o potencial imenso que que as salas estão perdendo e não olhar para esse público consumidor também de cinema".
'A vida não é bolinho, mas é rica para caramba'
Na carreira, a maturidade traz também novos caminhos, acredita Denise. "Eu sinto hoje uma consciência. Essas rugas têm que servir para alguma coisa", brinca, aos risos. "A vida não é bolinho para ninguém, mas ela é rica para caramba ainda. As alternativas são muito grandes."
O ator Augusto Madeira, de 55 anos, que em Livros Restantes dá vida ao ex-marido de Ana Catarina e que está no ar na novela Três Graças, diz que vem sentindo uma "urgência" maior quando escolhe seus projetos. "Eu não tenho mais tanto tempo para fazer tudo que eu quero", nota.
Em acordo com o colega, Denise diz que, hoje, aceita até ganhar menos dinheiro, para priorizar os projetos que realmente lhe interessam. "Aprendi com a maturidade que é preciso perder para ganhar, que você precisa aprender a não ser escrava do 'ganha ganha ganha', para você conseguir botar uma rédea na sua vida. Porque muitas vezes, atendendo às demandas, você vai para lugares que te dão uma vida menos interessante. Existem tantas riquezas nesta vida que não são monetárias, que não são monetizadas".
"É preciso sempre ter um dinheirinho ali para você conseguir dizer não e dizer sim, fazer as escolhas", conclui.
Veja também