O filme "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, enfrenta desafios como concorrência acirrada, fatores geopolíticos e a “maldição” do diretor, além de barreiras econômicas, que podem dificultar sua indicação e vitória no Oscar 2026.
O Agente Secreto, novo filme de Kleber Mendonça Filho, estreou nesta semana em diversos cinemas do País. Após o estrondoso sucesso de Ainda Estou Aqui (Globoplay), de Walter Salles, o longa-metragem surge como a nova aposta do cinema nacional para o Oscar 2026.
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Antes mesmo de sua estreia oficial, O Agente Secreto se tornou um sucesso de bilheteria. De acordo com levantamento do Comscore, o filme figura entre os dez mais assistidos do Brasil pela segunda semana consecutiva, graças às sessões antecipadas. Até o momento, já arrecadou cerca de R$ 1,36 milhão e foi visto por mais de 58 mil espectadores.
Apesar do fervor brasileiro em torno da obra, há chances de a corrida pelo Oscar 2026 não ter um final feliz. Da “maldição” que ronda o nome de Kleber Mendonça Filho a fatores geopolíticos e mercadológicos, O Agente Secreto, mesmo celebrado internacionalmente — assim como Ainda Estou Aqui (Globoplay) —, pode não resultar na redenção que os fãs tanto aguardam.
Concorrência desenfreada
Embora tenha sido selecionado pela Academia Brasileira de Cinema para representar o País no Oscar 2026, a disputa internacional é acirrada. Dezenas de países também também irão submeter filmes para tentar disputar um espaço na categoria de Melhor Filme Internacional, e a maioria das obras vem sendo igualmente elogiada pela crítica especializada. Nesse cenário, O Agente Secreto corre o risco de ter sua atenção dividida entre outros títulos de peso. A fragmentação dos votos pode resultar na exclusão do Brasil da lista final --uma situação comum na corrida pelo prêmio mais prestigiado do cinema mundial.
Lacuna crítica
Mesmo que o longa conquiste uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional --ou até mesmo em Melhor Filme e Melhor Ator, o que seria merecido--, há um obstáculo recorrente: muitos membros votantes da Academia simplesmente não assistem a todos os filmes indicados. Esse fator, inclusive, foi apontado como um dos motivos que contribuíram para que Fernanda Torres não levasse a estatueta na cerimônia do Oscar de 2025.
De acordo com veículos especializados, como a Variety, o volume de obras submetidas é tão alto que se torna humanamente impossível para todos os jurados concluírem as exibições. Por isso, a campanha de marketing desempenha um papel crucial: quanto mais visibilidade um filme tem, maiores são as chances de ser realmente assistido --e, consequentemente, votado. No entanto, mesmo com ampla circulação em festivais internacionais e exibições em cinemas norte-americanos, nada garante a vitória.
O “efeito da sequência”
O sucesso de Ainda Estou Aqui, em 2025, marcou uma vitória histórica para o cinema brasileiro. Mas o triunfo também traz um desafio: o chamado “efeito sequência” --fenômeno em que os eleitores da Academia tendem a pensar “De novo? Isso já foi feito”.
Para quebrar esse ciclo, não basta repetir a fórmula de sucesso. É preciso apresentar algo excepcional e disruptivo, capaz de renovar o encantamento e surpreender os votantes. Caso contrário, o novo representante brasileiro pode acabar ofuscado pela sombra do sucesso anterior.
O tarifaço de Donald Trump
Para conquistar uma estatueta do Oscar, não basta qualidade cinematográfica — Fernanda Torres é prova viva de que também é necessário investir em uma campanha de marketing robusta: turnês de divulgação, apoio da crítica, presença em festivais de prestígio e exibição em cinemas dos Estados Unidos.
O problema é que, em 2025 e 2026, essa missão ficou mais difícil. O presidente Donald Trump impôs um tarifaço de 100% sobre filmes estrangeiros, medida que visa privilegiar produções norte-americanas e desestimular a entrada de obras internacionais no país.
Anunciada em maio de 2025, a medida gerou protestos na indústria cinematográfica. O produtor argentino Axel Kuschevatzky, vencedor de diversos prêmios, declarou à agência France Presse: “Há questões processuais que não são claras, porque, por exemplo, sabemos que as tarifas se aplicam apenas a bens, e não a serviços. Na realidade, a produção audiovisual é um serviço.”
Com o novo cenário econômico, O Agente Secreto tende a enfrentar maiores barreiras para penetrar no mercado norte-americano do que seu antecessor, o que pode ser decisivo em sua trajetória rumo ao Oscar.
A maldição do diretor
Por mais que Kleber Mendonça Filho seja um dos cineastas mais respeitados e premiados do Brasil, há uma superstição silenciosa que o acompanha nas temporadas de premiações: a chamada 'maldição do diretor', que parece afastá-lo do Oscar – e que quase se repetiu.
O pernambucano já foi preterido duas vezes pela Academia Brasileira de Cinema, mesmo com produções amplamente celebradas no exterior --Aquarius (2016) e Bacurau (2019). Ambas foram destaque em festivais de prestígio, mas ficaram de fora da disputa por Melhor Filme Internacional.
Com O Agente Secreto, o fantasma quase retornou. Após o estrondoso sucesso do longa no Festival de Cannes, em 2025, o filme entrou na lista de pré-selecionados da comissão responsável por escolher o representante brasileiro no Oscar. Nos bastidores, porém, surgiram rumores de que a obra seria novamente descartada --desta vez em favor de Manas, produção apoiada por mais de 70 empresas e considerada “mais comercial”.
A polêmica mobilizou cineastas, críticos e fãs, que acusaram a Academia de abuso político e de favorecer interesses de mercado em detrimento do mérito artístico. O debate foi tão intenso que, em setembro, a instituição recuou, e o filme foi finalmente confirmado como o escolhido do Brasil. Mesmo assim, o episódio reforçou a crença na “maldição” de Mendonça Filho: um cineasta aclamado em Cannes, Berlim e Veneza, mas que, curiosamente, encontra sempre algum obstáculo quando o assunto é o Oscar.
Claro, talvez O Agente Secreto consiga quebrar a superstição -- esperamos que sim. Mas se o passado insistir em se repetir, o Brasil acordará mais uma vez com as mãos vazias e com a sensação de déjà vu.