“TikTok é o meu reino”, diz o influencer Carro Preto, que fomos trombar na favela
Crescendo nas redes sociais, ele faz lives direto do barraco e arruma tretas com funkeiros e com quem mais pular na bala
Aos 29 anos, Carro Preto conta que prometeu a si mesmo “ficar rico até os trinta”. Ainda não ficou, mas faz lives diárias, nervosas, direto da ocupação Terra Prometida, fundão da zona sul de São Paulo, ao lado da Represa de Guarapiranga. Fomos conhecer o mano e sua favela.
Se você ainda não conhece, provavelmente conhecerá o influenciador que diz “é o Carro Preto passando, Jão, escurecendo tudão”. Falando diretamente do barraco, ele cresce no TikTok, onde, recentemente, virou Live Pro, nível avançado de quem tem engajamento sólido e pode monetizar com as lives. Fomos conhecê-lo.
Ele mora com a mulher e o filho de seis meses em um barraco da ocupação Terra Prometida, que resiste há uma década no extremo sul de São Paulo, ao lado da Represa do Guarapiranga. São 530 famílias, 2.248 pessoas cadastradas, 378 crianças. Colamos, conforme combinado, mas Carro Preto não está no barraco.
Os manos ficam ouriçados, me levam a um parente, à líder comunitária, que liga para a sogra. Ele chega em seguida, no estilo que o fez conhecido: cabelo com tranças de pontas amarelas, óculos escuros, correntões, anéis, roupas largas, altamente chavoso. Somos orientados do que pode ser fotografado e decidimos conversar na entrada da favela.
Primeiro viral foi tomando um enquadro policial
Carro Preto abre a porta de um Gol marrom, senta no banco do motorista, o repórter no meio fio. Sua história começa na região, a família veio da Bahia, ele estudou em escola pública sem muito interesse, teve trampos precários. “Nunca deu certo trabalhar em nada, eu não gostava mesmo de trabalhar. O único registro em carteira que tenho é de quatro meses.”
Até conseguir viver de TikTok e ganhar algum dinheiro (conquista muito recente), Carro Preto casou, saiu e voltou para a Terra Prometida; se envolveu com cocaína e crime, saiu, voltou, saiu de novo; juntou reciclagem em área bacana de São Paulo, começou a entregar iFood de moto mas, sem habilitação, passou para bicicleta.
Então fez o primeiro vídeo que viralizou, ao tomar um enquadro policial. A postagem no TikTok rendeu 50 mil visualizações. “Falei, vou fazer mais vídeos”. Começou a provocar bolsonaristas porque “é um pessoal mais revoltado, eles começaram a reagir e engajar meus vídeos, foi subindo, pegando uma proporção muito grande”.
“Comecei do zero no TikTok, hoje em dia é meu trabalho”
Ainda sem saber que era possível fazer lives no TikTok, muito menos ganhar dinheiro, arrumou uma treta com Frank, influencer que se apresenta como ex-integrante do PCC. “Aí estourou, furei a bolha, a dimensão do público foi surreal, os vizinhos começaram a me reconhecer na rua”, conta calmamente Genilson Silva, que fala baixo quando não está incorporado ao personagem bravão do Carro Preto.
Ele vive de tretas, especialmente com funkeiros, mas com MC IG foi diferente. O famoso levou a provocação de Carro Preto na esportiva, se aproximou, apareceu em lives. “MC IG é meu padrinho no TikTok. Me chamou na gravadora GR6, falei pra minha esposa, vai ser a chance da minha vida. O IG foi o cara que aumentou meu voucher na internet, pegou na minha mão. Comecei do zero, sem entender o que era TikTok. Hoje em dia é meu trabalho, minha renda”.
Carro Preto falou por quase duas horas, fora o rolê posterior na favela. Explicou que o nome artístico e a frase sobre passar “escurecendo tudão” foi “criação da minha cabeça, sou preto, achei legal”. Pergunto se os cordões e anéis são de ouro. “Que nada, é do personagem. Nem briso nesses bagulho de ouro, gosto mais de prata. E não tenho nenhum carro preto.”