Zona Oeste do RJ: de “subúrbio de paraíbas” a referência nas artes plásticas
Exposição mostra a força da região, a começar pelo artista destaque, Arthur Bispo do Rosário, de relevância mundial
A mostra reúne 200 obras — 60 de Arthur Bispo do Rosário e 140 de artistas contemporâneos do território. A imigração nordestina, a vida suburbana e as doenças mentais geraram estigmas históricos que a exposição busca combater.
Vai até julho de 2026 a exposição gratuita Regresso ao Sertão, no Museu Bispo do Rosário, na Taquara, zona oeste do Rio de Janeiro. A mostra traz uma verdade surpreendente: em vez de “subúrbio de paraíbas”, a região é um celeiro de artes plásticas de relevância mundial — a começar por seu artista mais conhecido, Arthur Bispo do Rosário, que tem 60 obras na mostra.
Ele viveu na Colônia Juliano Moreira, que deu origem ao atual Museu Bispo do Rosário. Além dele, outros artistas fundamentais passaram pelo antigo manicômio, como Stella do Patrocínio e Antônio Bragança. A exposição busca combater estigmas ligados à imigração nordestina na região, à vida periférica e às doenças mentais.
Não por acaso, até hoje, na boca do povo e nas placas de trânsito, a Taquara ainda é sinônimo de “colônia”. Essas e outras aparentes confusões revelam preconceitos que a exposição enfrenta de frente — a começar pelo nome, Regresso ao Sertão. Em vez de esconder a origem nordestina, a proposta é assumir, valorizar e ressignificar.
''Passamos a entender que nosso distanciamento do centro da cidade não é só físico, mas simbólico e histórico: lá na década de 1930, o pesquisador Armando Magalhães Corrêa chega na zona oeste e passa a chamar nosso território de sertão carioca”, explica o curador adjunto e responsável pela pesquisa, Rafael Amorim.
No começo do século passado, a região era rural e, ainda que não fosse caracterizada por uma paisagem sertaneja, esse título foi apropriado por quem vivia — e ainda vive — no território. “Isso ajudou a definir o que era periferia e o que era centro na nossa composição de cidade”, conclui Amorim.
Como começou a ideia de zona oeste como “sertão”?
Entre as décadas de 1920 e 1930, o escultor e jornalista Armando Magalhães Corrêa decidiu adentrar a zona rural do Rio de Janeiro, chegando às regiões de Jacarepaguá e Barra da Tijuca.
Posteriormente, ao visitar outras regiões como Guaratiba, ele escreveu uma série de crônicas. Seus textos eram descrições minuciosas e científicas, mas não menos pessoais e distorcidas, dos aspectos históricos e geográficos da região.
Identificando a distância do centro da cidade e das principais reformas urbanísticas da modernidade como o principal fator de isolamento, o autor passou a entender e a disseminar que, naquele oeste, existia um sertão: o “sertão carioca”.
Adotando os escritos de Magalhães Corrêa como provocação inicial, a exposição Regresso ao Sertão “é uma ação muito importante para evidenciar o potencial das artes visuais nesse território, cujas oportunidades são tão escassas para essa linguagem artística”, diz Carolina Rodrigues, curadora-geral do Museu Bispo do Rosário.
Zona oeste não é sertão, mas celeiro de artistas fundamentais
A importância artística da zona oeste ainda é pouco conhecida, mas basta lembrar que na Colônia Juliano Moreira viveu e criou Arthur Bispo do Rosário, um dos maiores artistas plásticos do mundo.
A exposição Regresso ao Sertão é dominada por artistas nascidos na zona oeste ou que nela viveram parte de suas vidas. No trânsito entre gerações e linguagens artísticas, ocorre outro retorno: o do próprio Arthur Bispo do Rosário.
Ele veio do sertão de Japaratuba, em Sergipe, para a zona oeste carioca. Nunca pôde retornar, em vida, ao seu lugar de origem. Na Colônia Juliano Moreira, confinado e por muito tempo desconhecido, transformou o imaginário e a memória do que seria o sertão carioca.