Festa Literária das Periferias começa neste sábado, dia simbólico
Apesar das críticas, 13 de maio é data histórica, aniversário de Lima Barreto e dos pretos e pretas-velhas, na umbanda
A Festa Literária das Periferias (Flup) começa neste sábado no Rio de Janeiro, rodeada de simbologia numérica: a 13ª edição do evento abre neste dia 13 de maio, da criticada Lei Áurea, e homenageia Mãe Beata de Iemanjá, Machado de Assis e Lima Barreto, nascido nesta data mandingueira, que celebra ainda as entidades de pretos e pretas velhas nos rituais umbandistas.
“Eu acredito que, como o acaso não existe, deve ter tido algum elemento transcendental que nos favoreceu. Nós queríamos que fosse uma data simbólica em relação ao Lima Barreto. Vai ser uma oportunidade de confluência de temáticas muito importantes”, diz Daniele Salles, porta-voz da Flup.
Com programação gratuita, o evento acontece no local de nascimento de Machado de Assis. O escritor e fundador da Academia Brasileira de Letras é da Ladeira do Livramento, região da Providência, encruzilhada que é o berço do samba, da favela, da literatura e da cultura afro-brasileira.
A atuação de Mãe Beata de Iemanjá, que forma a tríade homenageada pela Flup, extrapolou os muros do terreiro de candomblé Ilê Axé Omiojuarô, em Miguel Couto, na Baixada Fluminense. Ela exerceu forte influência na luta pelos direitos humanos, sobretudo em questões raciais, de gênero e sexualidade.
Lima Barreto, nascido em 13 de maio
Para comemorar Lima Barreto, o primeiro grande escritor preto, marginal e marginalizado do Brasil, será lançado o livro Quilombo do Lima, que reúne 22 autores e autoras negras.
Camila de Araújo, que escreveu na coletânea, atualizou o conto Filhos de Gabriela com “elementos que Lima dominava, como deslocamento social e geográfico, as relações entre claros e escuros, identidade, ancestralidade”.
Segundo ela, “é extremamente simbólico que no dia 13 de maio Lima Barreto receba esta homenagem, sobretudo no mesmo dia em que diversos tambores de matriz africana, como a umbanda, da qual eu faço parte, louvam os pretos velhos”.
Devolver Lima Barreto à comunidade
No processo de revalorização de Lima Barreto, a reatualização de sua obra possibilita novas abordagens, interpretações e contrapontos. A escritora Natara Ney, que está na coletânea Quilombo do Lima, começou a ler o autor pelas crônicas, ainda jovem, em Recife. O primeiro livro foi Clara dos Anjos.
“Quando fui morar no Rio de Janeiro, passei a andar de trem, ônibus, conhecendo os subúrbios, vendo o que mudou. A cidade da minha memória é a do Lima Barreto, do cidadão que transita, olha e comenta tudo, as belezas e mazelas”.
Para a escritora, a homenagem a ele significa “uma reapresentação, um devolver para a comunidade. É um reencontro, com nós mais maduros para entender o que Lima Barreto significa”.
Data faz contraponto histórico à escravidão
Poucas cidades, como Belo Horizonte, oficializaram o 13 de maio como dia dedicado aos espíritos dos ancestrais negros e negras. A comemoração religiosa na questionável data da abolição da escravidão foi sendo instituída pela cultura popular em rituais de umbanda que revalorizam, homenageiam e, sobretudo, subvertem a narrativa histórica oficial.
Nas incorporações, são invocados espíritos de pessoas escravizadas na vida terrena, como pai Joaquim, José e Benedito, entre os homens, e vó Benedita, Maria e Catarina, como entidades femininas. Unindo espiritualidade e consciência histórica, um ponto de umbanda canta que “vovó não quer casca de coco no terreiro, que é pra não lembrar do tempo do cativeiro”.
Para o escritor Alan Miranda, que escreve na coletânea Quilombo do Lima, “ele, Machado de Assis, Mãe Beata, são pretos e preta-velha desencarnados. O dia 13 também representa uma disputa de discurso histórico. A data amarra tudo.”