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Artesão mantém e propaga produção de panelas de barro em MG

No Quilombo de Pinhões, filho continua tradição herdada da mãe. Ele é o único conhecedor da técnica na região

3 out 2023 - 05h00
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“Quando sento aqui é a hora da minha mente viajar”, diz o artesão Cristiano Rodrigues, do Quilombo de Pinhões (MG)
“Quando sento aqui é a hora da minha mente viajar”, diz o artesão Cristiano Rodrigues, do Quilombo de Pinhões (MG)
Foto: Erlaine Gracie/ANF

A família de Cristiano Rodrigues, 40 anos, é a única que mantém a produção de panelas de barro no Quilombo dos Pinhões, em Santa Luzia, Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG). O artesão aprendeu a técnica com a mãe, Vagna Rosa de Jesus, falecida.

As peças continuam garantindo a renda familiar: são panelas, vasos e outros utensílios produzidos com argila e água. Cristiano conta com a ajuda da mulher, do primo e retira a matéria-prima da casa da tia da esposa.

São cerca de 300 peças encomendadas por semana, de diversos lugares do país e do exterior. “Tem peças na França, nos Estados Unidos, no Japão e em outras partes do mundo”, conta, orgulhoso, Cristiano. 

Desde os 10 anos, o artesão ajuda na fabricação das panelas. A arte era reproduzida pela mãe, que aprendeu o ofício com os mais antigos. Em entrevista à TV Globo Minas, em 2019, dois anos antes de morrer, dona Vagna Rosa de Jesus contou que o único meio de sobreviver era fabricando e comercializando as panelas.

“No começo foi um pouco complicado porque em Pinhões não tinha nada. A gente saía daqui com um balaio na cabeça para vender em Santa Luzia e Lagoa Santa. Comecei a arrumar minha freguesia andando, no boca a boca”, explica Vagna, que viveu até os 61 anos.

Dona Vagna encontrou no barro uma forma de garantir o sustento da família no Quilombo de Pinhões, em Santa Luzia, MG
Dona Vagna encontrou no barro uma forma de garantir o sustento da família no Quilombo de Pinhões, em Santa Luzia, MG
Foto: Erlaine Gracie/ANF

Criação artesanal é trabalhosa, cansativa e criativa

O processo de criação das panelas e outros objetos é longo e trabalhoso, leva dias. O produto principal é a argila, de dois tipos, identificadas pelas cores. A cinza é usada para fazer as panelas e a amarela, para os vasos.

“Só que a argila amarela está acabando, está faltando muito na região, não tem mais como antigamente”, conta Cristiano, um guardião da tradição ancestral aprendida com a mãe, que, por sua vez, aprendeu dos antepassados.

Mesmo com a escassez de argila amarela, ele não interrompe a produção, que exige um grande esforço físico. Primeiro, cava a terra até encontrar o barro, que coloca num carrinho de mão. Depois, distribui o material num pano e espera secar. Então, amassa a argila com um pilão, até que fique tudo triturado, como um pó, no ponto para misturar com água.

Na hora de produzir as peças, a criatividade e o improviso tomam conta. A peça imaginada por se transformar em outra.
Na hora de produzir as peças, a criatividade e o improviso tomam conta. A peça imaginada por se transformar em outra.
Foto: Erlaine Gracie/ANF

Enquanto o primo, Breno Gustavo, 39 anos, faz o serviço de transformar a argila em pó, Cristiano cuida do chamado forno de barranco – um buraco na terra. Ele é aquecido com lenhas do quintal. “São quase vinte e quatro horas tomando conta do forno para controlar o fogo nas peças, para que não fiquem muito escuras”, explica.

Pedra, espiga de milho e mãos

A única etapa na qual Cristiano trabalha sentado é na hora de colocar a mão na massa. “É tipo cozinhar, preparar uma pizza. Tem que misturar bem a argila com a água até que fique no ponto de colocar na forma.”

As ferramentas para polir, modelar e fazer o acabamento são as mesmas usadas pelos ancestrais: pedra, espiga de milho e as mãos. “Tudo é reaproveitável. E o manuseio com as mãos é fundamental para o resultado, que às vezes toma um outro formato e se transforma numa peça diferente da que imaginei no início da produção”.

Cristiano explica que, assim como toda arte, seu trabalho exige criatividade e improviso. Ele tem planos para aumentar a produção e a divulgação das panelas. Quer dar emprego aos moradores do Quilombo de Pinhões e resgatar a época da mãe, que contratava mulheres da comunidade para trabalhar, fazendo a economia girar na comunidade.

Cristiano Rodrigues não descuida do forno de barranco. Fogo tem que ser controlado para que as peças não fiquem escuras
Cristiano Rodrigues não descuida do forno de barranco. Fogo tem que ser controlado para que as peças não fiquem escuras
Foto: Erlaine Gracie/ANF

“Mamãe podia ter ficado muito rica, mas ela preferiu dividir o lucro com as ajudantes e doar panelas para quem estava passando necessidade”, conta o filho de dona Vagna, com visível saudade.

A memória ancestral vem de longe. O Quilombo dos Pinhões tem mais de 300 anos, fundado no século 18 por negros escravizados. O nome, dado pelos antigos moradores, surgiu pela grande quantidade de araucárias e pinheiros, árvores que produzem o pinhão. O local recebeu o título de Comunidade Quilombola, pela Fundação Palmares, em 2017.

ANF
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