PUBLICIDADE

Pequena África: conheça os empreendedores e a cultura do Curuzu, em Salvador

No emblemático bairro surgiu o primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Ayiê, que potencializou turismo e empreendimentos

25 ago 2023 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários

Cresci nos becos e vielas do Curuzu, um local enraizado na história e na cultura de Salvador, Bahia. O Curuzu é mais do que apenas um bairro da periferia para mim: é um símbolo de resiliência, luta e, acima de tudo, empreendedorismo.

Neste relato, vou compartilhar um pouco sobre a história do Curuzu, conhecido por muitos como Pequena África, destacando a importância vital dos pequenos e médios comércios que moldam sua identidade econômica.

Ladeira do Curuzu, passagem emblemática. Cantada por Caetano Veloso, levou o nome do bairro ao mundo
Ladeira do Curuzu, passagem emblemática. Cantada por Caetano Veloso, levou o nome do bairro ao mundo
Foto: Jadson Nascimento/ANF

Aqui rola de tudo: padaria, mercadinho, mercearia, barbearia, salão de beleza, barraca de coxinhas, bares, muitos bares. O bairro do Curuzu é muito grande e sim, são vários becos, vielas e ruas com entradas e saídas umas nas outras. Dependendo de onde você vá, é um verdadeiro labirinto, mas pontos de referência sempre ajudam na localização.

Com nome próprio, reconhecido oficialmente

Para quem não sabe, o nosso Curuzu, por muitos anos, era conhecido como uma rua do bairro da Liberdade. Sempre foi confuso informar onde a gente morava. Porém, desde 2017, o Curuzu foi incluído na lista de bairros oficiais de Salvador, por sua força e representação.

Aliás, por falar em força e representação, a presença do Ilê Ayiê no Curuzu, primeiro bloco afro do Brasil, fez com que o lugar viesse a se consolidar como um espaço de empreendimentos, muitos deles voltados para a cultura produzida diariamente pelas pretas e pretos soteropolitanos.

Sede do primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Aiyê. Fundado por moradores do Curuzu, em Salvador, vai completar 50 anos
Sede do primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Aiyê. Fundado por moradores do Curuzu, em Salvador, vai completar 50 anos
Foto: Jadson Nascimento/ANF

Um ponto de referência nacional é a famosa Ladeira do Curuzu, cantada na música "O Mais Belos dos Belos", um grito presente para todo morador do bairro. Não tem quem more aqui e não conheça esse hino composto por Caetano Veloso.

Salões e bares nascidos com o Curuzu

No Curuzu, não faltam pequenos e médios empreendimentos, negócios erguidos e mantidos com muito esforço pelas moradoras e moradores. Um deles é a Cia das Tranças Menezes, idealizada por Gerusa Menezes.

Ela é umas das Deusas do Ébano do próprio Ilê Ayiê. Seu negócio tem 20 anos, um dos mais requisitados de Salvador, referência quando o assunto são turbantes (também conhecidos como “torsos”).

Gerusa Menezes, trancista, tem um salão no Curuzu há 20 anos. É um dos mais requisitados, referência em turbantes e tranças
Gerusa Menezes, trancista, tem um salão no Curuzu há 20 anos. É um dos mais requisitados, referência em turbantes e tranças
Foto: Jadson Nascimento/ANF

No largo – só largo mesmo, sem nome específico – encontramos a venda de Bernadino. É um estabelecimento antigo, nascido com o Curuzu. Durante anos, foi um verdadeiro suporte para alunos, pois vendia, e ainda vende, canetas, lápis, apontador, borrachas, o famoso papel pautado e, inclusive, folhas de ofício. Hoje comercializa até botijão de gás, mas o foco são bolachas e guloseimas.

Na venda do Bernadino, vivi histórias sensacionais. Na minha infância, no começo dos anos 1990, ele cobrava vinte centavos para encher o pneu das bicicletas da criançada. Gerar renda com criatividade, entende?

Um bar cinquentenário

No mesmo largo onde está a venda do Bernardino, funciona o Bar do Seu Antônio, um dos mais antigos do Curuzu, com 50 anos. Fica na rua onde moro. Esse bar já viu de tudo. É o primeiro a abrir todos os dias.

Bebida quente? É ali mesmo. Mas, como proprietário responsável, ninguém vê seu Antônio bebendo. Aliás, a gente chama o local de bar, mas atualmente vende pão, ovos, frutas, leite.

Sabe como é: ele foi se reinventando e acompanhando o progresso. Como bom empreendedor, soube se fazer e compete de igual para igual com os bares novos.

Bar do seu Antônio. Na foto, seu filho Arivaldo dos Anjos, que preferiu ser discreto, aparecendo entre as mercadorias
Bar do seu Antônio. Na foto, seu filho Arivaldo dos Anjos, que preferiu ser discreto, aparecendo entre as mercadorias
Foto: Jadson Nascimento/ANF

Barbearias e mais bares do Curuzu

Aqui tem empreendedor de todo tipo, como a barbearia de Nen, super requisitada. Ela funciona todos os dias e nunca está vazia. Fica ao lado do bar do Cristiano, que vende um peixe frito cujo cheiro toma a rua.

Mais abaixo, o mercadinho Renascer, velho de guerra. Várias famílias já tocaram o negócio. Esse tem história para contar: não por acaso, é o principal ponto de referência do Curuzu. Para se localizar, o pessoal fala que “é antes do mercadinho, ou depois, não tem erro”.

Mercadinho Renascer, um dos pontos de referência do Curuzu. Fica após o largo, no início da rua Contenda
Mercadinho Renascer, um dos pontos de referência do Curuzu. Fica após o largo, no início da rua Contenda
Foto: Jadson Nascimento/ANF

O Curuzu é grande e não caberia neste espaço contar a história completa do bairro ancestral. Seu chão segurou muita luta, festa e suor. Mas falar da nossa Pequena África, é poder contar um pouco sobre cada morador que aqui habita. Entre becos, vielas e avenidas, o Curuzu é, além de empreendedor, culturalmente rico.

A cultura do Curuzu

Curuzu é terra de Mãe Hilda, é território dos terreiros Ilê Axé Jitolu e do Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, o único da nação Jêje Savalu, que mantém os ritos originais da linhagem, assim como o dialeto africano Ewe-Fon, preservado nas expressões e cânticos da comunidade.

Rua Direita, o nome oficial da ladeira do Curuzu, principal via do bairro, a única com chão de tijolinhos
Rua Direita, o nome oficial da ladeira do Curuzu, principal via do bairro, a única com chão de tijolinhos
Foto: Jadson Nascimento/ANF

Quem mora no Curuzu sabe que a arte e a cultura mexem com bairro, literalmente, Quando a percussão do Ilê Ayiê toca, tudo se movimenta: a área do bar de Bartola, do Mercadinho e Lanchonete de Meire, do açougue do Seu João e de tantos outros empreendedores que nasceram e se criaram nesse chão de gente preta.

ANF
Compartilhar
Publicidade
Publicidade