“Não faço cinismo intelectual”, diz pesquisadora de verbas para ONGs
Doutorado na USP investiga enormes diferenças de investimentos em organizações famosas e desconhecidas no Brasil
Daiany França Saldanha investiga as dificuldades de ONGs em acessarem recursos, abordando disparidades na distribuição de fundos pela Lei de Incentivo ao Esporte. A pesquisa destaca a concentração de recursos no Sul e Sudeste e objetiva propor melhorias na redistribuição.
Quais são as dificuldades das ONGs para acessarem recursos? E por quais motivos os investidores sociais colocam pouco dinheiro em organizações menores, mais pobres, fora do eixo Rio-São Paulo?
Essas duas perguntas norteiam a pesquisa de doutorado de Daiany França Saldanha, realizada na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP).
Com relevante experiência em projetos sociais, a pesquisadora investiga as doações e renúncias fiscais da Lei de Incentivo ao Esporte – em vigor desde 2007, permite que pessoas físicas e jurídicas doem ou patrocinem projetos esportivos e paradesportivos.
Pesquisa vai propor a redistribuição do dinheiro
Os primeiros resultados, ainda em análise, mostram que existem enormes disparidades na distribuição de recursos. Nos últimos dez anos, cerca de 75% dos projetos inscritos e aprovados estão na região Sul e, sobretudo, Sudeste.
“Não faço cinismo intelectual, quero propor avanços, melhorias, entender como é que o dinheiro chega na ponta, nas comunidades, para o desenvolvimento local, para cidadania”, explica a pesquisadora da área de Mudança Social e Participação Política.
A concentração de recursos em ONGs tem vários motivos: visibilidade midiática, lideranças que conhecem quem importa, ou seja, quem de fato libera a grana, além de terem capacidade administrativo-burocrática.
Quem é Daiany França Saldanha?
Filha de costureira e comerciante, a pesquisadora de 36 anos nasceu em Morada Nova, interior do Ceará. Estudou e atuou em favelas em Fortaleza, onde fez Educação Física e, há seis anos, mora em São Paulo.
Daiany França Saldanha tem experiências nacionais e internacionais em projetos sociais esportivos. Em 2023, começou a olhar para a realidade da ONG que havia fundado, “pequena, sem dinheiro, sem fama, sem nada”.
Passou a orientar organizações menores em editais, projetos, propostas de captação. Ganha expressão no Linkedin, “o pontapé para fortalecimento de organizações de pequeno porte, de quebrada, sem dinheiro”.
Fez mestrado na USP, entrou no doutorado e recusa o título de captadora de recursos. “Sou descentralizadora de recursos, com informação e produção de conhecimento, eu cutuco os investidores sociais e desmonto os discursos”, explica.