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Literatura feita na periferia avança com ficção científica

Produção que se firmou com olhar realista começa a ter ramificações no terror, na fantasia e no insólito

19 mar 2023 - 08h23
(atualizado às 08h25)
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Israel Neto, da editora Kitembo, no estande da Expo Favela. Maioria das vendas é no corpo a corpo.
Israel Neto, da editora Kitembo, no estande da Expo Favela. Maioria das vendas é no corpo a corpo.
Foto: Marcos Zibordi

Como movimento, a literatura que brota nas quebradas do Brasil começa a ter força no início deste terceiro milênio. Mas a pegada realista vem se desdobrando em outras vertentes, como a ficção científica. Afinal, na favela também há quem prefira os mundos possíveis além da terra firme.

Para atender esse público, três amigos da zona Norte paulistana, escritores e envolvidos com edição de livros, fundaram, em 2018, a editora Kitembo – termo de origem angolana, representa uma divindade ligada ao tempo.

A editora é a única no país especializada em ficção científica. “A gente sentia falta dessa produção feita na periferia por gente preta”, conta Anderson Lima, 40 anos, editor e um dos fundadores.

O negócio começou na sala da casa de Israel Neto, 35 anos, fã de ficção científica e escritor com quatro livros publicados, três pela Kitembo, que ajudou a fundar. O investimento inicial, do bolso dos fundadores, foi de R$ 3 mil.

“A ideia era disputar o imaginário por meio da ficção, publicando autoras e autores pretos, procurando mudar o cenário, para pagar direitos autorais e mexer na cadeia produtiva, como ter editores e revisores pretos”, explica Israel.

Anderson Lima, editor e um dos fundadores da editora Kitembo. Afrofuturismo dá o tom da produção.
Anderson Lima, editor e um dos fundadores da editora Kitembo. Afrofuturismo dá o tom da produção.
Foto: Marcos Zibordi

Crescimento na pandemia

Durante a pandemia causada pela coronavírus, o negócio cresceu via internet, possibilitando que a produção chegasse a diversos territórios. Antes da covid-19, a Kitembo tinha dois títulos publicados; depois, 15. As obras chegaram ao Brasil inteiro.

E autoras e autores chegaram de diversos territórios. Atualmente, são 40, entre quem escreve e ilustra. São artistas do Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Piauí, Amazonas, Paraíba, Brasília e São Paulo.

Apesar da internet ter dado o impulso principal ao negócio, 60% do faturamento da editora vem da presença física em feiras e eventos, como a Expo Favela, em São Paulo, onde a Kitembo montou seu estande.

Conexões estéticas

A produção artística do ramo literário periférico que cresce com ficção científica envolve o universo geek, de consumidores de cultura pop e nerd. Essa literatura dialoga ainda com o afrofuturismo, movimento cultural, estético e político.

“Esses aspectos se cruzam no sentido de escrever futuros em que, além do protagonismo preto, utilizamos ferramentas tecnológicas contemporâneas e ancestrais”, explica Israel Neto.

O terceiro componente do trio fundador da editora Kitembo, Henrique André, completa a explicação: “Não é o realismo fantástico na linha de Gabriel García Márquez. É o universo dos sonhos e pesadelos que disputam os sentimentos humanos”.

Ficção científica de favela atrai jovens ao estande da Editora Kitembo, pioneira do gênero no Brasil.
Ficção científica de favela atrai jovens ao estande da Editora Kitembo, pioneira do gênero no Brasil.
Foto: Marcos Zibordi

Ficção científica periférica

Uma autora do Rio de Janeiro e um escritor de São Paulo são considerados precursores da literatura de ficção científica periférica.

Ela é Lu Ain Zaila, que escreveu a Dualogia Brasil 2048, publicação independente. A obra é composta por dois romances (In) Verdades, de 2016, e (R)Evolução, de 2017, que contam a história da heroína negra Ena. Dualogia está sendo republicada pela editora Kitembo.

Além de Lu Ainda Zaila, outro percursor é Fábio Kabral. Com o livro O Caçador Cibernético da Rua 13, narrativa futurista com elementos da mitologia iorubá, ele deu o pontapé inicial  à produção de ficção científica identificada com a negritude e as quebradas do Brasil.

Já há produção acadêmica sobre essa literatura, como a pesquisa de doutorado de Roberta Tszesnioski, desenvolvida na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Fonte: Redação Terra
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