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Pílula anticoncepcional: a inesperada amizade entre duas mulheres que levou ao nascimento do popular método contraceptivo

Margaret Sanger e Katharine McCormick se uniram na luta pelo controle de natalidade e planejamento familiar.

24 fev 2019 - 15h27
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Margaret Sanger e Katharine McCormick se uniram na luta pelo controle de natalidade e planejamento familiar
Margaret Sanger e Katharine McCormick se uniram na luta pelo controle de natalidade e planejamento familiar
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No início do século 20, enquanto a Europa se preparava para embarcar em duas grandes guerras, nos Estados Unidos, as mulheres lutavam uma batalha bem diferente.

Elas conquistaram o direito de votar em 1920, mas havia chegado a hora de uma nova forma de política: a sexual.

Uma das principais figuras dessa luta é Margaret Sanger, mulher ruiva e radical que trabalhava em bairros humildes de Nova York.

O centro de Manhattan era um lugar tradicionalmente pobre, com edifícios abarrotados de novos imigrantes.

Nessa região, algumas mulheres estavam desesperadas para evitar gestações não desejadas e só contavam com duas opções: um perigoso aborto autoinduzido ou um aborto realizado em locais clandestinos, tão perigoso quanto.

Margaret Sanger, enfermeira e educadora sexual americana, acreditava que mulheres deveriam poder decidir quando engravidar e ter vida mais saudável e planejada
Margaret Sanger, enfermeira e educadora sexual americana, acreditava que mulheres deveriam poder decidir quando engravidar e ter vida mais saudável e planejada
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Vício, pecado e literatura obscena

Enfermeira, Sanger testemunhou as piores situações ligadas à saúde pública e concluiu que todas as mulheres deveriam ter direito à contracepção segura.

"Decidi fazer algo para mudar o destino dessas mães, cujas misérias eram tão vastas quanto o céu", disse.

Por meio de publicações, Sanger foi a primeira a popularizar o termo "controle de natalidade". Seus escritos foram a semente do movimento em favor do planejamento familiar e conectaram seu trabalho com os de outros ativistas.

Ethel Byrne, irmã de Margaret Sanger, atende mulher em clínica criada pela ativista
Ethel Byrne, irmã de Margaret Sanger, atende mulher em clínica criada pela ativista
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Naquela época, os contraceptivos eram um tabu. Aqueles que os vendiam foram classificados de fornecedores de vício e pecado.

Apesar disso, Sanger abriu em 1916 a primeira clínica de controle de natalidade nos Estados Unidos em um bairro pobre do Brooklyn.

No dia da inauguração, mais de 100 mulheres fizeram fila para pedir ajuda e conselhos.

Clínica Sanger em Nova York acabaria se tornando a sede da American Birth Control League, que Sanger fundou e se converteu na Federação de Planejamento Familiar dos Estados Unidos
Clínica Sanger em Nova York acabaria se tornando a sede da American Birth Control League, que Sanger fundou e se converteu na Federação de Planejamento Familiar dos Estados Unidos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas os panfletos que Sanger distribuiu foram taxados de literatura obscena e, nove dias depois, ela foi presa sob as leis rígidas contra a obscenidade dos EUA.

Depois de pagar fiança, retornou à clínica e continuou cuidando das mulheres até que a polícia a impediu novamente.

Sanger foi considerada culpada por um juiz que afirmou que as mulheres "não tinham o direito de copular com uma sensação de segurança que não haveria nenhuma concepção resultante".

Ele então ofereceu à mulher condenada uma sentença mais branda se ela prometesse não violar a lei novamente, mas ela respondeu: "Não posso respeitar a lei como existe hoje".

Margaret Sanger e sua irmã Ethel Byrne no tribunal
Margaret Sanger e sua irmã Ethel Byrne no tribunal
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Satânico"

A clínica foi fechada pelas autoridades, mas, apesar de sua curta existência, permitiu que o movimento ganhasse apoio e atenção nacional, dando a Sanger uma plataforma para organizar a primeira conferência de controle de natalidade dos EUA.

Ele ocorreu em novembro de 1921, e incluiu discussões e discursos sobre a moralidade do controle de natalidade, a probabilidade de contraceptivos de confiança, e os movimentos de controle de natalidade fora dos EUA.

Infelizmente, o último dia de conferência foi suspenso pela polícia, e Sanger foi presa a pedido do líder proeminente da arquidiocese católica de Nova York, o arcebispo Hayes.

Embora Sanger muitas vezes convencesse aqueles que se opunham aos anticoncepcionais de sua conveniência, ela não conseguiu ter sucesso com a Igreja Católica.

Metade da população mundial foi, pouco a pouco, conseguindo o direito ao voto
Metade da população mundial foi, pouco a pouco, conseguindo o direito ao voto
Foto: BBC News Brasil

O arcebispo Hayes argumentou:

"Tirar a vida depois de seu início é um crime horrível, mas impedir a vida humana que o Criador está prestes a realizar é satânico."

"No primeiro caso, o corpo é morto, enquanto a alma vive; no último, não apenas a um corpo, mas a uma alma imortal é negada a existência no tempo e na eternidade."

A oposição da Igreja Católica levou muitos a acreditarem que o controle da natalidade era imoral, o que dificultou ainda mais a aprovação de leis que favorecessem a disseminação de informações e contraceptivos.

Nem tudo estava perdido

Com a ajuda de pessoas com fortunas privadas que tinham coragem suficiente e estavam dispostas a investir seu dinheiro, os ativistas pró-controle de natalidade poderiam contra-atacar.

E Sanger tinha uma amiga que atendia a esses requisitos: uma rica herdeira americana chamada Katharine McCormick.

Ela era uma glamourosa da alta sociedade que, ao contrário de muitas mulheres de sua classe, foi encorajada pelo pai a estudar.

Em 1904, ele obteve um diploma de bacharel em biologia pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Além disso, fez campanha para obter o direito das mulheres de votar.

À esquerda, Katharine McCormick na campanha pelo direito das mulheres ao voto
À esquerda, Katharine McCormick na campanha pelo direito das mulheres ao voto
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Uma vez que as americanas ganharam o direito de votar, como os escandinavos e os britânicos, elas procuraram uma nova causa pela qual lutar.

McCormick optou pelo controle de natalidade, acreditando fortemente que o direito de uma mulher de controlar seu corpo era tão importante quanto participar de eleições.

É por isso que essa improvável amizade foi formada entre a rica herdeira e a ativista.

Contrabando de contraceptivos

Os contraceptivos não podiam ser importados para os Estados Unidos, mas na Europa eram fáceis de serem obtidos.

Em suas viagens à Europa, McCormick comprou vestidos elegantes e pediu que centenas de diafragmas fossem costurados nas bainhas.

McCormick em uma de suas viagens
McCormick em uma de suas viagens
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Os produtos eram contrabandeados e entregues em Nova York a Sanger, que abrira uma nova clínica.

Foi uma grande vitória. Anos depois, McCormick teve possibilidade de fazer muito mais do que contrabando.

Uma grande fortuna

Quando o marido de McCormick morreu em 1947, ela herdou sua fortuna: cerca de US$ 15 milhões (o equivalente a US$ 169 milhões em valores atuais).

Tinha 75 anos e bastante desejo acumulado de contribuir para a realização do sonho do controle de natalidade.

Sanger lhe contara sobre seu desejo de encontrar um contraceptivo seguro e fácil de usar. Depois de décadas, chegou a hora em que os cientistas acreditavam que isso seria possível.

Não havia muito interesse do governo, de especialistas e da indústria farmacêutica em desenvolver métodos contraceptivos práticos
Não havia muito interesse do governo, de especialistas e da indústria farmacêutica em desenvolver métodos contraceptivos práticos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas na década de 1950, o governo dos EUA, as instituições médicas e a indústria farmacêutica não queriam ter nada a ver com pesquisa contraceptiva.

Foi assim que o financiamento para o desenvolvimento da pílula anticoncepcional veio de uma única benfeitora: Katharine McCormick.

Quase todo dólar necessário para desenvolver o contraceptivo oral foi doado por ela.

O direito de decidir

A estrada tinha sido longa, mas em 1960 a pílula contraceptiva chegou ao mercado e revolucionou o controle da natalidade.

Meio século depois, a pílula tornou-se o anticoncepcional de escolha para mais de 100 milhões de mulheres em todo o mundo.

O impacto social foi enorme. A pílula e outros métodos de controle de natalidade ajudaram a reduzir a mortalidade infantil e permitiram planejar o tamanho das famílias para garantir a provisão de sustento.

Os casais passaram a ter a possibilidade de adiar o momento em que teriam filhos ou de decidir não tê-los. As mulheres conseguiriam decisões sobre suas formações, suas carreiras, suas vidas.

Juntamente com o direito de voto, foi uma das maiores mudanças sociais do século 20.

De fato, há quem diga que foi a maior mudança de todas.

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