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Menos afetados no 1º semestre, MS e Sul do País agora têm maiores altas de mortes pela covid

Gestores se preocupam com risco de explosão de casos após festas de fim de ano e correm para abrir leitos

12 jan 2021 - 21h01
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Os Estados da região Sul e Mato Grosso do Sul são os mais afetados pelo novo aumento de contaminação da covid-19 no Brasil. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul aparecem entre as cinco unidades da federação com maior aumento no número de mortes por milhão de habitantes entre dezembro e janeiro. No primeiro semestre, o avanço do vírus havia sido menos severo nessas regiões.

O líder do ranking é o estado do Mato Grosso do Sul com 34,9% de acréscimo nas mortes entre 10 de dezembro e 10 de janeiro. Os três Estados sulistas estão logo atrás: Santa Catarina (33,5%), Paraná (31,6%) e Rio Grande do Sul (26,7%). O quinto colocado é Minas Gerais (21%). Os dados, que integram o balanço mais recente do consórcio formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL em parceria com 27 secretarias estaduais de Saúde, exemplificam o avanço da pandemia no País por estados.

Gestores de Saúde mostram preocupação com a possibilidade de aumento de casos nas próximas semanas. "Sabemos que os casos vão aumentar por causa das festas de final de ano", alerta André Mota, secretário estadual de Saúde catarinense. No Paraná, a expectativa é semelhante. "Considerando as festas de Natal e ano-novo, os deslocamentos de muitas pessoas para o litoral e o longo período de restrições pela pandemia, a consequência provável nas próximas semanas será um novo aumento de casos", diz nota da Secretaria de Saúde ao Estadão.

Bruno Naundorf, coordenador da auditoria da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, revela um recuo dos indicadores nos últimos dias, mas mostra cautela. O índice de ocupação dos leitos hospitalares chegou a 84% em dezembro, mas hoje é de 75%. "Tivemos uma aceleração dos casos a partir de novembro. Ainda não é possível ter certeza sobre uma nova queda", avalia. A nova reclassificação do Rio Grande do Sul desta semana colocou 19 das 21 regiões do Estado na fase vermelha, a segunda mais alta, de risco para contaminação.

Especialistas têm alertado sobre o risco de ainda persistirem os efeitos do represamento de dados de infecções e óbitos ocorridos durante os feriados do fim de ano. O governo de Mato Grosso do Sul não respondeu aos pedidos de esclarecimento do Estadão.

Nesta segunda-feira, 11, o general da reserva Carlos Roberto Pinto de Souza, que estava internado em Curitiba, morreu por complicações da covid-19. O oficial era chefe da diretoria do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e responsável pela elaboração do Enem.

'Não estou enlutado, estou indignado', diz advogado que perdeu duas parentes

Logo no primeiro dia do ano, o advogado Roberto Ramos Schimdt usou as redes sociais para comunicar a morte da cunhada, Tânia Regina Scariot, por trombose pulmonar decorrente da covid-19. A perda foi 14 dias após o óbito da mãe de Tânia, Marli, pela mesma doença. "Não estou enlutado", desabafou Schmidt. "Estou indignado."

Nos 28 dias que Tânia passou na UTI, em Lages, na Serra catarinense, os familiares recebiam o boletim diário: a paralisação dos pulmões, a hemodiálise e a grave infecção renal. O quadro de saúde chegou a melhorar. Em 29 de dezembro, Tânia voltou para casa, ainda necessitando de cuidados especiais. "Recebemos orientações e material para curativo. Visita da equipe técnica só a partir de segunda (dia 4)", lembrou Schmidt.

Schmidt e a mulher Ângela, irmã de Tânia, se revezaram nos cuidados da paciente. "Na quarta, coloquei um poltrona no corredor. Cinco horas da manhã, percebemos a cunhada com dificuldade respiratória. Coloquei o travesseiro triangular para facilitar. Acordei Ângela. Às 6h10, acionamos o Samu. Com o médico na linha, li todo o laudo da alta hospitalar. Recomendou o que já tínhamos feito, assegurou que estava enviando ambulância e equipe técnica de apoio", relata o advogado.

"7h10: os sinais de parada respiratória estavam evidentes. Acionamos o Samu. Embora eu estivesse segurando a mão de Tânia, o sinal de algo que grave ocorrerá veio do Fritz (o cão da família). Comunicamos a parada cardiorrespiratória, a ambulância seria enviada, repetiu o médico", prosseguiu ele. "Iniciamos a massagem cardíaca e a respiração boca a boca, feita por mim. Seguimos no procedimento até 8h, quando a ambulância chegou. O óbito foi confirmado."

Para Schmidt, o quadro real da pandemia é de "hospitais e enfermarias lotadas" de um lado, e aglomerações e descaso das autoridades públicas de outro. Essa falta de cuidado de governantes, segundo ele, foi o que acabou "contribuindo com o aumento de infectados e de pessoas mortas".

Para conter avanço do vírus, gestores correm para ampliar leitos

Para conter o avanço da doença, os Estados têm ampliado o número de leitos hospitalares. No Rio Grande do Sul, o número passou de 933 para 1918. Em Santa Catarina, o salto foi de 550 para 790. O secretário catarinense afirma que o Estado vem apostando também na capilarização do atendimento primário com 56 hospitais. "Temos hospitais espalhados em vários pontos do Estado. Talvez essa capilaridade seja um dos nossos diferenciais".

Outra preocupação das autoridades de saúde é dificultar as aglomerações, condição que favorece a disseminação do novo coronavírus. No mês passado, o governo paranaense proibiu a circulação de pessoas e a venda de bebidas alcoólicas entre 23 horas e 5 horas. Decretou ainda o fechamento de estabelecimentos não essenciais no período noturno.

Embora o Amazonas apareça apenas no 9º lugar na classificação, Manaus revive o drama do primeiro semestre. A capital está com a rede privada de saúde saturada, com ocupação de 94% dos leitos e filas de pacientes para UTI nos hospitais da rede pública. Sete dos 11 hospitais particulares da capital anunciaram que chegaram à lotação máxima.

Segundo a Secretaria de Saúde do Amazonas, nos últimos dias foram abertos 400 novos leitos no Estado. Manaus está sob efeito de um decreto que restringe as atividades não essenciais até 17 de janeiro. Flutuantes, bares, casas noturnas e o acesso a praias e balneários estão proibidos. O comércio - com exceção de mercados e farmácias - não pode abrir. Podem funcionar serviços essenciais."Nosso maior desafio é fazer as pessoas entenderem que a vacina ainda não está disponível", diz Marcellus Campelo, secretário de Saúde do Amazonas.

Maior capacidade de testagem também pode explicar aumento de diagnósticos

Especialistas afirmam que uma das razões para o aumento de casos na região Sul do País pode ser a maior capacidade de testagem. "Uma variável importante é a testagem. Talvez a região Sul tenha mais casos porque a testagem esteja mais ampla, seja por laboratórios públicos ou privados. Em regiões com menos casos, talvez a testagem seja menor", observa o virologista Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP).

A principal explicação para o avanço da pandemia nessas regiões é o baixo número de casos e menos óbitos no começo da pandemia. Essa é a opinião do médico Marcio Sommer Bittencourt, mestre em saúde pública pela Universidade de Harvard e médico do centro de pesquisa clínica e epidemiológica do Hospital Universitário da USP. "Quem tem maior população suscetível tem maior probabilidade de aumento rápido da contaminação. Quem não teve uma onda tão intensa no início está tendo uma aceleração mais importante agora".

O especialista também alerta para o descumprimento das medidas de isolamento social. "Os estados do Sul são aqueles que mais flexibilizaram as medidas de distanciamento. São aqueles que menos estão seguindo as medidas de controle interpessoal, particularmente Santa Catarina", afirma.

Outros apontam o recrudescimento da pandemia. "No Sul, a ocorrência da pandemia ocorreu tardiamente, por volta de junho e julho. Agora, observam recrudescência da pandemia", afirma Eduardo Flores, virologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. "Os estados do Sul foram fortemente atingidos, mas outras regiões também. Manaus, por exemplo, volta a enfrentar o colapso dos serviços de saúde. Em média, atualmente, o País está em situação próxima àquela enfrentada em agosto. A situação é muito desafiadora", opina o epidemiologista Eliseu Waldman, da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Estadão
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