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Criança com doença genética rara passa 1º Natal em casa após 12 anos internada

Maria Nicolle foi diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) quando tinha apenas sete meses de vida

23 dez 2025 - 04h59
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Resumo
Maria Nicolle, de 12 anos, diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME), passará o primeiro Natal em casa após mais de uma década internada, graças à conquista judicial de sua mãe pelo cuidado domiciliar, trazendo um novo sentido de completude à família.
‘Família completa’: criança de 12 anos com doença genética rara passa primeiro Natal em casa após mais de uma década internada
‘Família completa’: criança de 12 anos com doença genética rara passa primeiro Natal em casa após mais de uma década internada
Foto: Reprodução/HC-UFTM

O Natal deste ano será especialmente marcante para a família de Maria Nicolle, de 12 anos. Pela primeira vez, a menina passará as festas de fim de ano em casa, em Contagem (MG), e não em um leito hospitalar. Após mais de uma década internada no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM), ela recebeu alta médica.

Diagnosticada aos sete meses de idade com Atrofia Muscular Espinhal (AME) --doença genética rara e degenerativa--, Maria Nicolle necessita de cuidados especiais contínuos para viver com dignidade, o que dificultava a sua saída do ambiente hospitalar. Porém, este ano, a mãe, Shirlene Fernandes, conquistou na justiça o direito ao cuidado domiciliar. “Nunca pensei que esse dia fosse chegar”, celebrou a mãe.

Em entrevista ao Terra, Shirlene afirmou que, com a presença da filha em casa, sente a família finalmente completa e pretende tirar do papel antigos planos. “Quero mostrar o mundo para ela”, disse. Até chegar a esse momento, no entanto, o caminho foi longo e repleto de desafios.

Da descoberta do diagnóstico ao tratamento

Shirlene Fernandes conta que descobriu a gravidez em abril de 2012, após sofrer um desmaio. “Fui ao médico e ele disse: ‘Olha, você já está gestante e deve estar entrando no segundo mês’. Eu falei: ‘Mentira’. Ele ligou a televisão e realmente estava. O coraçãozinho estava lá, aceleradíssimo! Tudum, tudum, tudum”, relembra, bem-humorada.

Após a confirmação da gestação, Shirlene passou a seguir todas as orientações médicas típicas do pré-natal. No entanto, aos cinco meses, começou a apresentar alterações no quadro de saúde. A dona de casa desenvolveu um quadro inicial de pré-eclâmpsia, o que a levou a ser afastada do trabalho. “Foi assim a gravidez inteira: com pressão alta. Quando a ganhei, minha pressão estava em 23”, relata.

Sem melhora no quadro clínico, Maria Nicolle nasceu de cesariana, aos oito meses de gestação. Segundo a mãe, os primeiros sinais da Atrofia Muscular Espinhal (AME) surgiram quando a criança tinha cerca de quatro meses de vida.

“A Maria Nicolle começou a ficar hipotônica, perdeu os movimentos do corpo. Quando ela estava começando a se firmar, a ficar durinha, eu falei com meu esposo: ‘Isso não está normal’. Ele respondeu: ‘Isso é coisa da sua cabeça’”, recorda.

Não convencida, Shirlene procurou um pediatra, que levantou a hipótese da chamada Síndrome da Criança Preguiçosa e orientou o início da fisioterapia. No entanto, em vez de melhora, a mãe percebeu uma rápida piora no estado de saúde da filha.

Outros sintomas também começaram a surgir, como episódios frequentes de engasgo durante a alimentação, o que levou os médicos a introduzirem uma sonda para auxiliá-la. Apesar disso, o episódio que motivou a internação definitiva foi uma pneumonia associada a uma parada respiratória. 

“Desde então, ela não saiu mais do hospital. Internou com sete meses e ficou na UTI neonatal por três anos. A partir daí, começou uma bateria de exames. Foram mais de dez testes para síndromes diferentes, todos com resultado negativo, até que uma fisioterapeuta disse: ‘A sua filha tem todas as características de uma paciente que eu acompanho em casa, e ela tem uma síndrome chamada AME’. Eu falei: ‘Vamos fazer o exame, eu preciso saber o que a minha filha tem’”, relata.

Na época, segundo Shirlene, a doença ainda era pouco conhecida, e o plano de saúde não cobria o exame diagnóstico. Para arcar com os custos, a família se mobilizou e pagou pelo procedimento de forma particular.

O diagnóstico foi confirmado quando Maria Nicolle tinha um ano e quatro meses. A partir de então, ela passou por diversas cirurgias para auxiliar na respiração e na alimentação. “Na época, era uma síndrome raríssima, que quase ninguém conhecia. Fui para Uberlândia participar de palestras para entender o que era a doença e aprender a lidar com ela, porque ela é minha filha”, afirma.

A mãe conta que o impacto emocional da descoberta foi profundo. “Fiquei muito revoltada com Deus, vou ser sincera. Perguntava: ‘Por que eu? Porque eu quis ser mãe? Por que eu quis ter um filho?’. Foram muitos questionamentos. Com o tempo, fui trabalhando isso na minha cabeça, com a escola e com o pessoal do hospital, e fui entendendo que não é culpa nem de Deus, nem minha, nem do pai dela”, reflete.

“Os médicos me falaram assim: ‘Mãe, a sua filha quer viver, vai viver com ela’. E aí, foi isso que eu fiz. Filha, você quer viver? Então, vamos viver”, diz Shirlene.

‘Família completa’: criança de 12 anos com doença genética rara passa primeiro Natal em casa após mais de uma década internada
‘Família completa’: criança de 12 anos com doença genética rara passa primeiro Natal em casa após mais de uma década internada
Foto: Reprodução/HC-UFTM

Hospital se tornou segunda casa

Maria Nicolle passou a viver na ala pediátrica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM) a partir dos três anos de idade, ao lado de outras quatro crianças com o mesmo diagnóstico. No local, permaneceu por nove anos, até ser transferida para outra ala, onde ficou até receber alta médica. Ao todo, foram 12 anos de convivência diária com outros pacientes e com a equipe de saúde.

“Eu chegava aqui às duas da tarde e só saía às 11 da noite. Todos os dias, durante anos. A pior parte era ir embora e deixar o filho. Para mim, era como se eu estivesse abandonando, largando para trás. Era muito difícil”, relembra Shirlene.

Segundo ela, o que a confortava era saber que, no dia seguinte, estaria novamente ao lado da filha. “Eu ia de manhã, ficava até a hora do almoço. Depois vinha para casa, almoçava e voltava. As meninas [enfermeiras] preparavam o banho, a gente dava banho, e eu ficava até ela dormir. E assim foi indo”, conta.

Com o tempo, a família se habituou à rotina, mantendo os mesmos horários, mas com intervalos maiores. “Ela também passou a entender que eu ia, mas que eu voltava. Eu nunca deixava ela me ver indo embora, esperava ela dormir. No outro dia, ela acordava e não me via, mas as meninas conversavam com ela. Depois eu chegava e também conversava”, explica.

Mãe e filha superaram o medo para conseguirem ir para casa

“Tentei tirá-la uma vez, mas não deu certo porque eu era leiga. Eu não sabia direito como fazer, ninguém tinha me informado de nada. Hoje existem muitas informações e consigo ajudar muitas mães. Muitas pegam meu contato no hospital e vêm conversar comigo. Na minha época, não tinha isso, e por isso ela ficou todo esse tempo internada”, afirma a dona de casa.

Shirlene explica que o medo do processo judicial e a insegurança financeira para manter a qualidade dos cuidados necessários fizeram com que o sonho da alta fosse adiado por anos. O incentivo para tentar novamente veio após conhecer a história da mãe de uma colega de Maria Nicolle, que havia conseguido a liberação para o cuidado domiciliar.

“Cheguei em casa, conversei com meu esposo e disse: ‘Vamos ver como vai ser, vamos ver como ela vai ficar em casa’. Pelo menos a gente tinha alguém para se espelhar, alguém que abriu o caminho. E deu tudo certo. A menina foi para casa e estava super tranquila”, relata.

Segundo Shirlene, após conversar com a mãe da criança, soube que a menina estava bem e ainda mais ativa do que quando estava hospitalizada. Com a orientação da colega, procurou um advogado e, mesmo com receio, decidiu iniciar o processo. Em dois meses, a alta foi concedida.

Para o primeiro Natal em casa, a expectativa é grande. “Coloquei pisca-pisca, enfeitei a árvore de Natal. Montamos a árvore nós duas juntas, coloquei cascata no quarto dela. Estou decorando do mesmo jeito que ela via na televisão. Está todo mundo ansioso para chegar o Natal e o Ano Novo, para ver qual vai ser a reação dela”, conta.

“Agora está tudo completo. Quero mostrar o mundo para ela, porque ela ficou 12 anos praticamente dentro de um quarto”, afirma Shirlene.

O que é AME? 

Segundo o médico pediatra do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM) Cláudio Araújo Faria, a AME é uma doença passada de pais para filhos e que interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais, como respirar, engolir e se locomover. 

A doença varia do tipo 0 ao 4, o da Maria Nicolle é o tipo 1. “O dela é um dos mais graves. Ai, a criança vai perdendo os movimentos ao longo do tempo. Pode manifestar mais precoce, pode manifestar mais tardiamente, vai depender da gravidade de cada caso”, explica. 

“[Apesar da paralisação] o coração funciona bem, o cérebrozinho dela também funciona normalmente. Então, ela tem consciência de tudo que está acontecendo, mas, ao longo do tempo, ela consegue falar, não consegue se manifestar… Somente com sons. E aí, foi receber os tratamentos de acordo com a evolução do quadro dela”, pontua. 

Responsável pelo caso da criança desde de sua entrada na unidade de saúde, Faria celebra a alta. “A gente cria aquele laço. Um laço familiar de relacionamento com a mãe, com a família, com todos os profissionais que cuidam da criança e com a própria criança. Eu acho que é uma experiência de vida sensacional. Pra mim, como pediatra, para todas as pessoas que passaram ali. A gente lembra dela como um exemplo”, diz o médico. 

“É uma vitória nossa de ter conseguido encaminhar ela para casa e para viver em casa, porque tem condições, sim, desses pacientes ficarem em casa”, comemora. 

Fonte: Portal Terra
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