Congresso derruba veto de Lula e retoma indenização com pensão vitalícia para crianças com síndrome congênita da Zika
A indenização por dano moral prevista é de R$ 50 mil, já a pensão será no valor do teto do RGPS, atualmente fixado em R$ 8,1 mil
O Congresso Nacional derrubou o veto total do presidente Lula ao projeto que visa garantir uma indenização por dano moral de R$ 50 mil e uma pensão especial mensal vitalícia às crianças com a Síndrome Congênita associada à infecção pelo vírus Zika (SCZ). A votação aconteceu nesta terça-feira, 17, após cinco meses de incertezas e mobilização intensa por parte de famílias que defendem esse direito.
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“É um marco no nosso país. Um grupo de mães se reuniu para lutar por uma pauta tão importante, pela visibilidade que estamos tendo nesse momento”, afirma Nádia Silva, mãe de Lorena, de 8 anos, e que também é diretora da Associação Lótus, que acolhe crianças com a síndrome do Zika no estado do Rio de Janeiro, e representante da Unizika, organização nacional dedicada à luta por políticas públicas para as famílias afetadas pela síndrome.
Como o Terra mostrou no início do ano, o presidente Lula fez duas grandes movimentações em torno do tema em janeiro. Primeiro, ele vetou esse projeto de lei, que tramita desde 2015. Depois, ele instituiu um apoio financeiro, de parcela única, no valor de R$ 60 mil a essas mesmas famílias por meio de uma Medida Provisória.
Na ocasião, a reportagem ouviu Nádia, que considerou o veto “desrespeitoso e cruel”. Isso porque, para manter terapias e acompanhamentos multidisciplinares que sua filha precisa, os gastos são muitos.
E ela não é a única. Lorena é uma entre as 1.828 crianças que tiveram a infecção congênita da Zika confirmada, segundo dados do Ministério da Saúde. Ainda de acordo com o ministério, de 2015 a 2023 foram registrados 261 óbitos.
A Síndrome Congênita associada à infecção pelo vírus Zika (SCZ) foi descoberta em 2015. A principal forma de transmissão é pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti, o mesmo responsável pela dengue. Ou seja, há oito anos, quando Nádia deu à luz Lorena, tudo era muito recente.
Agora, com esperança, Nádia diz ser gratificante receber o reconhecimento do Estado. “Dele ter reconhecido através da derrubada desse veto que errou e que as famílias merecem e precisam dessa reparação social, para oferecer qualidade de vida e dignidade para as nossas crianças e famílias afetadas”, explica, considerando que o combate ao vetor do vírus é uma responsabilidade do governo.
“A gente está bem feliz, mas com muito pé no chão também, sabendo e tendo consciência do passo a passo que ainda iremos percorrer. Sabemos que existe um caminho a ser percorrido, cremos que é menor do que os passos que já demos ao longo desses dez anos, mas nós acreditamos que a vitória vai chegar”, acredita Nádia.
O que foi conquistado?
Agora, o que está previsto é que as crianças com a Síndrome Congênita associada à infecção pelo vírus Zika (SCZ) possam pleitear pensão especial mensal, vitalícia e isenta de Imposto de Renda, no valor do teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), atualmente fixado em R$ 8.157,41. Isso além da indenização por dano moral de R$ 50 mil às famílias.
O texto que retornou ao Congresso também aumenta em 60 dias a licença-maternidade e o salário-maternidade das mães, inclusive as adotivas, de crianças com a síndrome. A licença-paternidade, por sua vez, foi ampliada em 20 dias.
Mesmo assim, ainda há pontos em torno da causa que precisam ser esclarecidos. Em janeiro, em paralelo ao veto presidencial, Lula instituiu um apoio financeiro, de parcela única, no valor de R$ 60 mil a essas mesmas famílias por meio de uma Medida Provisória. O apoio foi regulamentado em portaria publicada em maio, com o cadastro sendo aberto para as famílias pleitearem seus direitos.
Nádia chegou a se inscrever, mas disse que ainda não teve nenhum retorno – assim como todas as mães com quem conversou sobre o assunto.
O Terra acionou o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em busca de mais informações sobre o benefício, e se ele seguirá ativo com a derrubada do veto da indenização por dano moral e pensão especial, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.
Do projeto à derrubada do veto: entenda a linha do tempo
Em 2015, a então deputada Mara Gabrilli – agora senadora – elaborou um projeto de lei (3974/2015) sobre o direito à indenização por dano moral e à pensão vitalícia para pessoa com deficiência decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika.
Em 2020, o então presidente Jair Bolsonaro assinou uma Medida Provisória, convertida em lei (13.985/2020), que instituiu uma pensão especial e vitalícia, no valor de um salário mínimo, destinada a crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus nascidas entre 2015 e 2019. Nesse caso, foram contempladas apenas as famílias assistidas pelo programa Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Em dezembro de 2024, o PL sobre a indenização de R$ 50 mil a essas famílias, junto com a oferta de uma pensão vitalícia de valor equivalente ao maior salário de benefício do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), para além dos assistidos do BPC, teve sua versão final do texto votada e aprovada na Câmara. O projeto foi encaminhado para o presidente Lula – que, por sua vez, optaria por sancionar ou vetar, de forma total ou parcial, o projeto.
Em janeiro de 2025, o presidente Lula determinou veto total ao PL em questão. A Presidência da República afirmou que, ouvidos, os ministérios da Fazenda; do Planejamento e Orçamento; do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; da Previdência Social; dos Direitos Humanos e da Cidadania; e a Advocacia-Geral da União manifestaram-se pelo veto.
Foram usados como argumentos questões econômicas, por se tratar de uma proposta que “cria despesa obrigatória de caráter continuado e benefício tributário e amplia benefício da seguridade social, sem a devida estimativa de impacto orçamentário e financeiro, identificação da fonte de custeio, indicação de medida de compensação e sem a fixação de cláusula de vigência para o benefício tributário”.
O veto também frisou que “a proposição diverge da abordagem biopsicossocial da deficiência, contraria a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e cria tratamento não isonômico em relação às demais pessoas com deficiência”. Para um veto ser rejeitado, é preciso o voto da maioria absoluta de deputados e senadores.
Ainda em janeiro, no mesmo dia, Lula publicou no Diário Oficial da União uma medida provisória (1.287/2025) instituindo um apoio financeiro, único, de R$ 60 mil, à pessoa com deficiência decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika. Para receber, será necessário comprovar a relação entre a síndrome congênita e a contaminação da genitora pelo vírus Zika durante a gestação, assim como a constatação da deficiência da criança. Em maio, foi publicada a Portaria Conjunta nº 53 no Diário Oficial da União e as famílias puderam dar entrada com as documentações em busca do auxílio.
O Terra solicitou ao INSS os dados de quantas famílias, até junho deste ano, deram entrada no processo e quantas já estão sendo contempladas. O espaço será atualizado em caso de resposta.