O novo cansaço surge pois as pessoas precisam estar bem, produtivas e funcionais
Na era do desempenho e do autocontrole, especialista alerta sobre como ser quem se é o tempo todo pode estar gerando fadiga em todo mundo
Vivemos em uma época em que até o descanso se tornou um dever. Trabalhar já não é suficiente. É preciso performar e funcionar, pois meramente existir é insuficiente. A sociedade transformou o bem-estar em um objetivo, e a produção tornou-se identidade. Dessa forma, o corpo pede uma pausa, mas a mente já não sabe como parar, surgindo assim o novo cansaço.
O que é o novo cansaço?
"O sujeito contemporâneo é patrão de si mesmo — se cobra, se vigia e se exaure", diz Camaratta. "É como se a liberdade tivesse se tornado sinônimo de disponibilidade. Ser livre, hoje, é não poder parar." Os números confirmam o desconforto coletivo.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país mais ansioso do planeta, com 9,3% da população já diagnosticada com algum transtorno de ansiedade - quase o dobro da média mundial. De acordo com uma pesquisa da ISMA-BR Associação Internacional de Gestão do Estresse, 37% dos profissionais brasileiros apresentam sintomas de burnout, uma das taxas mais altas do planeta.
Por trás das estatísticas, há um modelo de vida que confunde potência com desempenho. "A cultura do desempenho transformou o velho 'conhece-te a ti mesmo' em 'melhora-te a ti mesmo'. Assim, o autoconhecimento, antes um convite à autorreflexão, tornou-se uma obrigação de eficiência emocional. Então é necessário estar bem, produtivo e funcional - mesmo que não se esteja tanto assim", afirma.
Quando o autocuidado se torna um dever
Desde aplicativos que contam horas de sono, até alimentos que garantem energia, tudo parece levar ao mesmo ideal: o corpo - controlado, disponível e perfeito. O autocuidado transformou-se em uma exigência camuflada de cuidado. E precisa de método. O descanso precisa ser produtivo. Até a pausa para estar em silêncio é programada", observa Camaratta.
Por outro lado, o DataReportal 2025 aponta que os brasileiros passam, em média, nove horas e 42 minutos conectados à internet por dia, dedicando, assim, três horas e quinze minutos somente às redes sociais. Ou seja, a vida, mediada por telas e comparações constantes, cria uma pressão invisível para (parecer) estar sempre bem. "O corpo perfeito virou meta. O humor, indicador de desempenho. E o desejo, tarefa. Porém, essa busca por equilíbrio e controle é justamente o que adoece. Porque viver também é poder se desorganizar um pouco", atesta.
Quando o sintoma fala
Quando o sujeito já não consegue dizer o que o oprime, o inconsciente encontra outras formas de fazê-lo. O sintoma, na psicanálise, é uma delas por exemplo. Hoje, mostra-se no cansaço crônico, ansiedade, insônia e impotência que não é física, mas simbólica. "Vivemos cercados de discursos que prometem foco, produtividade e sucesso, mas o que se perde é o espaço do desejo", declara.
O valor da pausa para o cansaço
Por fim, em um momento que tudo exige eficiência, a psicanálise levanta a necessidade da pausa. "Na análise, é possível não corresponder, não render, não querer, pois é o lugar onde se pode simplesmente existir. Sem metas, métricas ou pressa. Descansar, hoje, não é somente parar e desconectar, mas poder se escutar. E, quem sabe, se reencontrar um pouco com o que ainda resta de si", conclui.
*Matéria feita em parceria com Camila Barone Ponce, da Baronesa