Script = https://s1.trrsf.com/update-1765224309/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Documentário discute o vício de compras compulsivas

13 fev 2009 - 16h14
(atualizado às 16h29)
Compartilhar

Ao longo da última década, o termo "prazer com culpa" perdeu praticamente todo o seu significado. Afinal, que outros tipos de prazer sobraram? Mas, se quiser ver um filme que une novamente a culpa ao prazer,

Shopaholics, Allison Abrams, sentada (interna)
Shopaholics, Allison Abrams, sentada (interna)
Foto: The New York Times
Confessions of a Shopaholic

pode ser sua escolha. O filme foi aprovado quando a confiança do consumidor ainda jorrava como uma fonte de champanhe e as sacolas de compras eram algo para exibir ao invés de esconder.



» Veja fotos de consumidoras

» Opine: é um bom momento para discutir o consumismo?

» Chat: tecle sobre o assunto

Agora, seguindo os saltos altos de O Diabo Veste Prada, Sex and the City e Legalmente Loira, a mais nova anti-heroína do estilo, a viciada em compras Becky Bloomwood, chega aos cinemas na sexta-feira, com uma bolha de crédito estourada em seu rosto feito uma bola de chiclete cor-de-rosa.

Muitos acham que o lançamento do filme acontece em um momento terrivelmente inoportuno. Se apenas soubessem a verdade: Becky não compra tanto quanto mente, trapaceia e arma para que não descubram seu segredo. Como uma alegoria cômica dos últimos 15 anos, quando a loucura do consumismo da moda, entre várias outras coisas, levou a economia mundial a novos patamares, o filme trata de questões espinhosas sobre a relação entre mulheres, moda, gastos e identidade.

E com uma Becky em pânico (que trabalha nada mais nada menos como jornalista financeira) que esconde sua dívida crescente e sonha com uma ajuda financeira mágica, a história lembra algo dolorosamente familiar. Em sua superficialidade, Confessions of a Shopaholic glorifica o consumismo tanto quanto Trainspotting exaltou a heroína.

"Acho que o momento é ótimo", disse Madeleine Wickham, que usa o pseudônimo Sophie Kinsella e escreveu o romance original há 10 anos. Em Nova York, para a estréia do filme na semana passada, ela concordou em almoçar - e fazer algumas compras - no que poderia ser a nave-mãe de Becky: a loja Bergdorf Goodman.

"Essa história fala sobre alguém que consegue crédito demais ainda muito jovem, e sai comprando um monte de coisas brilhantes e bonitas, então vai à falência e tem que lidar com isso," Wickham disse. "Se não for isso o que estamos vivendo agora..." Ela fez uma pausa. "Somos todos Becky Bloomwood."

Ao criar sua heroína peculiar, Wickham, 39 anos, graduada em Oxford, brilhante e irônica, não cativou os esnobes dos romances de ficção. No final dos anos 1990, ela havia publicado vários romances sobre residentes quarentões de Londres. Um dia, teve uma grande idéia: um livro sobre uma shopaholic. Ela já queria escrever uma comédia, então seria aquela. Ela criou um pseudônimo para seu projeto paralelo (Sophie é seu nome do meio, Kinsella o nome de solteira de sua mãe) e escreveu a história em poucos meses.

O resultado, publicado em 2000, vendeu três milhões de exemplares e foi traduzido em 20 línguas. Suas quatro seqüências venderam mais 5,3 milhões. Com três outros romances usando seu pseudônimo, Wickham está agora, pelo menos na Barnes & Noble, na posição número 1 de best-sellers da literatura feminina.

Mas com os livros de shopaholic, ela fez algo mais interessante do que alcançar o topo. Ela pegou todos os elementos típicos do romance de literatura feminina - sexo, trabalho, amor e as peripécias de uma mulher inteligente no mundo moderno - e os colocou de lado. Então, ela trouxe ao centro o consumismo despreocupado que ocupava o pano de fundo da literatura feminina. Enquanto o sexo está quase deixando de ser um tabu, uma conversa franca sobre compras e dívidas é um assunto muito mais delicado.

Os shopaholics e a literatura
Raramente, o consumismo excessivo recebeu a dignidade literária de uma abordagem mais ou menos independente, algo que não pode ser dito sobre outras formas de excesso como sexo, álcool, drogas e jogatinas, freqüentemente tratados como parte da luxúria da vida masculina.

"Estou apenas refletindo sobre o que vejo e abordando isso com minha postura, que é totalmente livre de culpa," disse Wickham, que é casada e tem três filhos - e sabe do que está falando. Ela já saiu para tomar um café e voltou para casa com um vestido de noite; já foi a um museu e voltou com um sofá.

Na Bergdorf, ela fez algumas compras no colorido quinto andar da loja, encontrando uma blusa cor de pêssego Marc Jacobs (US$ 178), um vestido Tahari com estampa de píton (US$ 348) e um vestido frente-única florido Moschino (US$ 945). Seu erro fatal: "sempre compro roupas para usar quando o sol está brilhando, mas moro na Inglaterra."

Nos livros de Wickham, as compras de Becky vão além de um passatempo inofensivo, mas ela não paga seus pecados da maneira que esperamos. (No filme americanizado, ela não tem tanta sorte: ela acaba, obviamente, nos Shopaholics Anônimos, mesmo sendo esse um grupo bem jocoso). Isso, também, é um certo rompimento com a literatura tradicional, na qual mulheres que compram no crédito acabam pagando amargamente.

"Até o presente, tivemos uma cultura que tacitamente ou abertamente incentiva as mulheres a comprar para fortalecer a economia," Connor disse. "Ao mesmo tempo, sempre há homens fazendo comentários desrespeitosos sobre as mulheres e seu amor a bugigangas e gastos extravagantes."

Isso era definitivamente verdade no século 18, com personagens desmoralizantes como Belinda de Pope e Moll Flanders de Defoe; e no século 19, quando Madame Bovary e Anna Karenina, consumidoras do amor e do luxo, tiveram finais trágicos. Na melhor das hipóteses, as mulheres eram retratadas como vítimas de um sistema maléfico, como em Au Bonheur des Dames, de Zola, sobre um comerciante ganancioso que abre uma loja de departamento deslumbrante em Paris para seduzir as mulheres a gastar em excesso (um paralelo de 125 anos atrás das atuais ofertas facilitadas de crédito).

A maioria dos romancistas do século 20 enfocou o eu interior (e sexual) da mulher ao invés do exterior e suas armadilhas. Quando se discutia o consumismo aparente, o mesmo sempre era tratado como algo grosseiro, ocupação de meretrizes, como Crystal Allen em The Women, ou de arrivistas, como Undine Spragg em The Custom of the Country; ou como uma loucura, tal qual a farra de gastos de Nicole Diver em Tender Is the Night.

Becky Bloomwood, no entanto, vem com sacolas, mas sem bagagens do passado. "Não paro para julgar o personagem," disse Wickham, que contrabalanceou as armações de Becky com seu bom coração. "Ela tem tantos defeitos, queria que ela fosse pé no chão."

Sem julgamentos, Becky exibe exatamente o perfil psicológico descontrolado de uma viciada em compras. Nem todo mundo acha que a emoção de comprar um vestido se compara a uma noite de uísque, uma questão agora sendo debatida por editores do Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais, que não estão certos de que a compra compulsiva merece seu próprio diagnóstico.

Mas um salto alto é diferente? Como qualquer pesquisador de vícios pode atestar, drogas são meramente chaves que destrancam portas (e desencadeiam reações químicas), abrindo um mundo lindo onde as regras normais da realidade (como a fatura do cartão Visa) não têm preponderância. E como Becky Bloomwood - ou Cinderela - pode atestar, se isso não é a descrição de um par perfeito de botas Gucci, o que mais seria?

"Caio nessa toda vez", Wickham disse alegremente. "Sabe, você melhora seu estilo e compra roupas que refletem quem você é, mas chega um momento em que você pensa, 'se eu tivesse o colar de pérolas certo, também poderia ser Audrey Hepburn.'"

Para o efeito de fantasia completo, essa transformação é obtida por meio de uma varinha mágica: o cartão de crédito. "Deveríamos mesmo pagar em dinheiro," Wickham disse. "Então seria real." Mas a pergunta de um trilhão de dólares é: você quer mesmo que seja?

The New York Times
Compartilhar
Publicidade

Conheça nossos produtos

Seu Terra