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"Descobri meu diabetes, não gestacional, ao saber que estava grávida"

Logo após o diagnóstico, Juliana Costa, editora-chefe do Bebê.com, teve uma perda gestacional. A seguir, ela conta como tudo isso transformou sua vida.

26 jun 2022 - 10h18
(atualizado em 27/6/2022 às 08h24)
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De acordo com dados do Atlas 2021 da Federação Internacional de Diabetes (IDF), o mundo conta com 537 milhões de indivíduos diabéticos com idade entre 20 e 79 anos. Por aqui, 15 milhões de brasileiros vivem com a doença. Em 2020, Juliana Costa, editora-chefe do Bebê.com, descobriu que faz parte dessas estatísticas logo após saber que estava grávida.

Foto: Tatyana Antusenok/Getty Images / Bebe.com

Pouco tempo depois, a jornalista viveu uma perda gestacional. Neste 26 de junho, Dia Nacional do Diabetes, ela descreve como tudo aconteceu, fala sobre sua transformação pessoal e sobre como passou a encarar o assunto maternidade a partir de então.

"Fazendo um retrospecto, posso dizer que, de modo geral, sempre fui alguém que tentou manter uma alimentação saudável. Ao mesmo tempo, confesso que tinha um grande pavor quando pensava em pessoas que, por qualquer motivo, eram obrigadas a adotar uma dieta restritiva. Afinal, como eu poderia viver sem aquela barrinha de chocolate nos dias mais estressantes, sem as taças de vinho nos encontros com os amigos, sem a sobremesa 'trash' após almoços especiais? Por uma imensa ironia do destino, descobri ser diabética quando tinha 35 anos, ao receber (olha a ironia de novo!) uma das melhores notícias da minha vida.

O ano era 2020 - sim, ele! - mais especificamente final de janeiro. Embora não estivesse efetivamente tentando engravidar, fui tomada por uma felicidade avassaladora ao saber que seria mãe. Logo que o teste apresentou resultado positivo, procurei uma ginecologista. Por questões relacionadas à cobertura do plano de saúde, optei por não fazer o pré-natal com a profissional que sempre me atendeu. Os primeiros exames de sangue, com 4 semanas de gestação, trouxeram um sinal de alerta: a glicemia de jejum elevada. Diante da desconfiança da médica de um erro do laboratório ou de que houvesse uma alteração pontual, repeti as análises. Níveis altos mais uma vez!

A hemoglobina glicada, balanço da glicemia dos últimos três meses, também estava alterada. Ou seja, não se tratava de um quadro de diabetes gestacional. Eu já era uma pessoa diabética (com níveis descontrolados de açúcar no sangue) quando engravidei. A GO explicou que minha gestação era considerada de alto risco e, portanto, o acompanhamento de um ginecologista deveria ser rigoroso, assim como o de especialistas em edocrinologia e em nutrição.

Saí da consulta direto para a farmácia. Lanceta, tira-teste, glicosímetro… Esses e outros termos começaram a fazer parte da rotina a partir daí. Isso sem contar a alimentação, que passou por uma série de mudanças. Com a gravidez, não pensei duas vezes. Mergulhei de cabeça nesse novo cardápio.

O balde de água fria

Semanas depois, enquanto trabalhava, notei um sangramento. No hospital, a ultrassonografia constatou que não havia problema com o embriãozinho. Ufa! Após alguns dias, durante o Carnaval (passado em casa, vale dizer), outro sangramento. Eu e meu marido chegamos ao P.S. mais tranquilos do que na primeira vez. As notícias, no entanto, seriam bem diferentes das anteriores. Jamais me esquecerei da expressão do médico buscando os batimentos cardíacos do meu bebê. Quando criei coragem e perguntei o que estava acontecendo, ele confirmou o que eu mais temia: o coraçãozinho havia parado. Como várias pessoas explicaram na ocasião, trata-se de algo até que comum para uma primeira gestação. Se foi uma consequência do diabetes, não é possível saber.

Desmoronamos. Tive a impressão de que entrei em uma espécie de transe. A informação passava em looping pela minha cabeça. Comecei a me sentir fraca, frágil, perdida. Aguardar uma expulsão natural ou fazer uma curetagem seria uma opção minha. Fui para casa, mas, no dia seguinte, retornei ao hospital para realizar o procedimento na esperança de que a dor daquele vazio fosse amenizada.

A vida com diabetes

Após a recuperação física, voltei ao trabalho e, uma semana depois, todos em casa! Pandemia, isolamento social, saudade da família, medo, insegurança, angústia - e diabetes. Novos exames mostraram que sou portadora de diabetes tipo LADA (que vem do inglês e significa diabetes autoimune latente do adulto). Embora meu pâncreas ainda produza insulina, meu organismo tem anticorpos que atacam o órgão. O processo, porém, acontece de forma mais lenta - e mais tardiamente - do que em casos de diabetes tipo 1.

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Foto: Filippo Bacci/Getty Images / Bebe.com

Resolvi assumir pra valer: 'Sou diabética, ponto'. Continuei com obstinação meu tratamento. Peguei firme na alimentação e passei a pedalar diariamente na bicicleta ergométrica de casa. Tamanha transformação alterou drasticamente meu peso. Fui de 51kg para 42kg (minha altura é 1,58m), o que despertou muita preocupação na família, na época distante em função da Covid-19. Tentava explicar para minha mãe as trocas que fazia no cardápio, mas ela só entendeu que eu realmente não passava fome ou estava desnutrida quando morou comigo durante uma temporada. Os exames periódicos apresentavam bons resultados e a glicemia estava controlada.

A saúde mental é que, assim como a de milhares de pessoas naquele momento, não andava legal. E, verdade seja dita, muitas vezes faltava empatia. Cansei de ouvir frases como 'nossa, estou precisando da sua dieta' ou 'vamos trocar de lugar por um tempo?'. Comentários desse tipo me abalavam profundamente. ' Perdi um filho e descobri que tenho uma doença incurável, que mata, em diversos casos silenciosamente, 1 indivíduo a cada 5 segundos no planeta. Tem certeza mesmo de que você quer trocar de lugar comigo por uma questão estética?', era o que eu tinha vontade de berrar. Agradeço à astrologia pelo autocontrole proporcionado por meu Sol e minha Lua em Virgem rs!

Com o tempo, a dor pela perda foi mudando, embora estivesse ali. Acho que sempre vai estar, né? Com o diabetes, aprendi a conviver também. Entendi que, se quisesse, poderia não fazer nada a respeito no presente, mas as consequências no futuro poderiam ser bastante sérias. Não quis e ainda não quero pagar para ver! Quanto à alimentação, descobri novos sabores e passei a dar um outro valor a sabores já conhecidos. Com moderação e consciência, posso comer o que tiver vontade. É sempre fácil assim? Lógico que não! Um dia de cada vez.

Um novo começo

Abril de 2021 chegou e, com ele, o transbordamento: eu estava grávida novamente. A alegria imensa veio acompanhada do medo, das lembranças do trauma e do alerta de que, mais do que nunca, eu precisaria me cuidar. Por mim e pelo meu pequeno Matias.

A pandemia, apesar da vacina, também continuava batendo à porta. Infelizmente, foi preciso ficar longe de muita gente querida com quem gostaria de compartilhar aquele momento tão especial. Máscara e face shield eram meu uniforme nas idas ao laboratório, às consultas médicas e às raras visitas de portão a familiares. O álcool gel, obviamente, virou outro companheiro inseparável!

Os meses se passaram e, felizmente, tudo continuou bem com o bebê. Com um baita esforço, o diabetes ficou sob controle. Os índices, aliás, eram de um indivíduo não diabético. Atribuo isso à minha determinação, mas também ao meu tipo de doença (LADA) e a um pouco de sorte. Afinal, aprendi que esse é um problema de saúde que depende muito de mim para se manter estável - só que, às vezes, a história não é tão matemática assim.

A maior prova disso aconteceu em 10 de dezembro, data em que minha bolsa rompeu e que o Matias nasceu. No centro cirúrgico da maternidade, o pediatra de plantão avisou que, embora meus níveis de glicemia estivessem ótimos na gestação, filhos de mães diabéticas sempre correm o risco de apresentar hipoglicemia após o parto. Caso isso acontecesse, não haveria outra opção a não ser encaminhá-lo para a UTI até que tudo se normalizasse. A Juliana rígida e tão disciplinada não acreditou quando veio a confirmação: meu bebê teve uma queda de glicemia e seria levado para a unidade de tratamento intensivo.

Apesar de ser algo relativamente 'esperado', não foi fácil nem para mim, nem para meu marido. A espera na sala de recuperação sozinhos, a entrada em dupla naquele quarto todo preparado para a chegada de um trio… Onde foi que eu errei? Onde foi que eu errei? Onde foi que eu errei? Eis a pergunta que não saiu da minha mente por um bom tempo.

A questão da glicemia foi resolvida em 24 horas. Por outras questões, também consideradas comuns pelos médicos (sobretudo para 'mães diabéticas', tema que sempre surgia nas conversas), meu filho passou 14 dias no hospital. Foi para casa em 24 de dezembro. Sem dúvidas, o melhor presente de Natal que poderíamos receber!

Um pouco gravidez e da vida com o Matias
Um pouco gravidez e da vida com o Matias
Foto: Fotos/Arquivo Pessoal / Bebe.com

Depois de refletir bastante e de muito conversar com meu marido, parei de me torturar em relação a um suposto erro. Passei a dizer a mim mesma: ainda bem que eu escolhi (e pude) me cuidar. Caso contrário, as coisas poderiam ter sido muito mais complicadas. Sai pra lá, culpa materna!

Escrevendo esse texto, lembrei que, durante uma das ultrassonografias de pré-natal, o médico comentou que 2021 era o ano do centenário do descobrimento da insulina. "Sabe o que acontecia antes disso com pessoas diabéticas? Eram abandonadas em hospitais esperando a própria morte, pois não havia muito o que fazer", disse ele. Na hora, fui tomada por uma forte emoção. Que privilégio o meu! Se o tratamento não existisse, provavelmente eu não estaria ali, naquele momento, escutando as batidas do coração do meu filho dentro de mim!

Ao mesmo tempo, é triste saber que, apesar do avanço, o acesso a tudo isso ainda é tão desigual. No Brasil, embora o SUS forneça alguns insumos para uma parcela da população, é praticamente impossível pensar em um tratamento pleno para o diabetes sem falar em dinheiro. Opções de insulina modernas e medicamentos de ponta têm custo alto e não são oferecidos pela rede pública. O famoso sensor que monitora os níveis de glicose sem a necessidade de furar o dedo (uma ajuda e tanto para crianças diabéticas, por exemplo) é caríssimo. O que dizer, então, de uma gestação de mãe diabética, cujo acompanhamento constante em consultas médicas e com exames é fundamental? Sem dúvidas, ainda há um longo caminho a se percorrer. Desejo com todas as forças que esse cenário mude - e que eu esteja aqui, saudável, para ver isso acontecer! ;)"

Bebe.com
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