Presidente da COP-30 pede 'mutirão' pelo clima, e Lula recorre à ONU para líderes aumentarem metas
André Corrêa do Lago afirma esperar que 2/3 do PIB dos EUA permaneçam com compromissos apesar de saída anunciada por Trump
BRASÍLIA - Presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty, lançou um apelo mundial nesta segunda-feira, 10, para que seja formado um "mutirão" na luta contra o aquecimento global. O principal negociador brasileiro escreveu a carta inaugural da Presidência da COP-30 - uma praxe nas discussões desse tipo. Pela primeira vez, a COP, conferência climática que reúne chefes de Estado, negociadores de governos e representantes da sociedade civil, será realizada na Amazônia - em Belém.
Ele revelou que o governo Luiz Inácio Lula da Silva planeja convocar ao menos duas reuniões de líderes nas Nações Unidas para discutir o balanço dos esforços e compromissos voluntários de cortes de emissões de gases estufa de cada país, as NDCs (sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada).
O embaixador revelou que o secretário-geral da ONU, António Guterres, está "extremamente comprometido" e deve anunciar em breve duas convocações para encontros com líderes globais das maiores economias, a fim de discutir a situação das NDCs. A primeira discussão deve ser realizada de forma virtual, nos próximos meses, e a segunda, em setembro, durante a Assembleia Geral em Nova York.
"Existe um entendimento entre o secretário-geral da ONU e do presidente Lula de trabalharem juntos no sentido de acentuar a importância de NDCs ambiciosas", afirmou André Corrêa do Lago.
Esses documentos são revisados periodicamente, assim como deve ser dada transparência sobre como estão sendo colocados em prática. Com base em dados científicos adversos sobre o aquecimento global, governo e especialistas pressionam para que haja mais "ambição" dos líderes ao assumir compromissos e metas, a fim de acelerar a transição energética e reduzir emissões de gases estufa.
Apenas 17 dos 198 países signatários da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) apresentaram novas contribuições atualizadas, dentro do prazo acordado - fevereiro.
O embaixador passou a semana em Nova York e discursou nas Nações Unidas. Ele pregou uma presidência "guiada pela ciência". Na carta e no discurso à Assembleia Geral da ONU, citou que 2024 foi o ano mais quente dos registros históricos. Destacou também que, pela primeira vez no ano passado, a temperatura média global ultrapassou 1,5ºC acima do patamar pré-industrial - justamente o nível que o Acordo de Paris, pacto global firmado por quase 200 países dez anos atrás, pretendia limitar.
As NDCs têm papel central no processo, e, embora não sejam negociadas na mesa da COP-30, podem ser influenciadas pelos acordos globais. A revisão bianual começou no ano passado, na COP-39 em Baku (Azerbaijão) e deve seguir como processo de transparência. Negociadores esperam ter em outubro uma síntese publicada que apontará se as metas são ou não suficientes para conter o aquecimento global.
"De maneira integrada, nossas NDCs devem se alinhar aos objetivos de temperatura do Acordo de Paris. Os líderes nacionais devem honrar sua determinação para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C. Vidas humanas dependem disso, empregos futuros dependem disso, ambientes saudáveis dependem disso", escreveu ele. "Há grande expectativa em relação ao balanço das NDCs. Como todos sabemos, as NDCs são determinadas nacionalmente e, portanto, não estão sujeitas a negociações multilaterais. No entanto, estimularemos uma reflexão franca e coletiva sobre os gargalos que têm dificultado a ambição e a implementação em mudança do clima."
O embaixador disse que a organização vai definir em breve a Agenda de Ação da COP-30 e escolher, de forma urgente, a figura do Campeão Climático de Alto Nível (High-Level Climate Champion, em inglês) - uma espécie de notável, em geral um especialista apontado pela ONU, que interage com atores públicos e privados.
Florestas no foco de ação
Até agora, o governo Lula anunciou somente as posições de Corrêa do Lago, como presidente, e de Ana Toni, como diretora executiva (CEO) da COP-30. Ela é também secretária nacional de Mudança do Clima, no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e atua desde 1991 nas discussões de clima, antes em âmbito não governamental.
Alguns dos temas de ação serão: conservação, restauração e controle de desmatamento de florestas tropicais; e cidades. Segundo o embaixador, a COP pretende desenvolver soluções de mercado de carbono para restauração de florestas. O Brasil tem fois fundos que se destinam à conservação, o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), e à redução de emissões causadas por desmatamento e degradação, o Fundo Amazônia (Redd+).
Ana Toni afirmou que o governo revisa cerca de 475 agendas de ações já existentes para entender o que funcionou e o que não foi implementado.
Na carta, o presidente da COP manda recados diretos aos negociadores climáticos - seus pares - e aos líderes políticos. A missiva "Visão da COP-30? evita estabelecer metas e propor compromissos, mas faz chamados em série para que ações sejam colocadas em prática. Daí a ideia do "mutirão" diante da "urgência climática".
"A cultura brasileira herdou dos povos indígenas nativos do Brasil o conceito de 'mutirão' ("Motirõ" em tupi-guarani), que se refere a uma comunidade que se reúne para trabalhar em uma tarefa compartilhada, seja colhendo, construindo ou apoiando uns aos outros. Ao compartilhar essa inestimável sabedoria ancestral e tecnologia social, a presidência da COP-30 convida a comunidade internacional a se juntar ao Brasil em um mutirão global contra a mudança do clima, um esforço global de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade", escreveu o embaixador.
"Juntos, podemos fazer da COP-30 o pontapé inicial de uma nova década de inflexão na luta climática global. Como nação do futebol, o Brasil acredita que podemos vencer "de virada". Isso significa lutar para virar o jogo quando a derrota parece quase certa."
Além da COP-30
O embaixador também antecipou uma nova estratégia brasileira. Fazer a discussão climática extrapolar as barreiras da cúpula e da UNFCCC, fundo da ONU para o clima, para arrancar compromissos como financiamento, e entrar na agenda social, empresarial e política.
Nesse sentido, o Brasil quer usar foros multilaterais como Brics (grupo dos países emergentes), FMI (Fundo Monetário Internacional), G-20 (grupo das maiores economias do mundo) e na FfD4 (Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento).
Ao falar a seus pares, negociadores climáticos, Corrêa do Lago propôs uma "autocrítica" - que disse também aplicar-se a ele próprio, há quase 25 anos envolvido nos debates. Segundo ele, os impactos estão sendo sentidos mais cedo e de forma mais intensa do que se previu no passado.
"É relevante fazer uma autocrítica e responder por meio de ações a grande parte da percepção externa de que as negociações se arrastam por mais de três décadas com poucos resultados efetivos. Em vista da urgência climática, precisamos de uma 'nova era' para além das negociações: devemos ajudar a colocar em prática o que foi acordado. Devemos puxar de forma decisiva as alavancas de nossos processos, mecanismos e órgãos para alinhar os esforços dentro e fora da UNFCCC aos objetivos de longo prazo do Acordo de Paris relativos a temperatura, resiliência e fluxos financeiros", redigiu o diplomata.
"No futuro, seremos julgados por nossa disposição de responder com firmeza à crescente crise climática. A falta de ambição será julgada como falta de liderança, pois não haverá liderança global no século XXI que não seja definida pela liderança climática."
Ana Toni defendeu que o foco seja em ações práticas. "Promessas, metas e NDCs foram fundamentais e continuam sendo, mas não são suficientes para fazer a mudança e a aceleração que a gente precisa agora. Se antes mudança do clima era uma coisa lá distante do futuro, ela já invadiu as nossas casas, já invadiu as nossas cidades. Ela é muito concreta. Então a gente tem que fazer a ligação do regime global com o dia a dia das pessoas, por isso extravasar dos muros da UNFCCC para sociedade é tão importante, para chegar na vida real das pessoas. Essa não é uma autocrítica, mas um aprendizado do passado que a gente pode melhorar no futuro."
Guerra
Enquanto grande parte das atenções globais, sobretudo na Europa, está voltada para esforços de Defesa e promessa de aumento de despesas militares, em consequência do conflito entre Rússia e Ucrânia, o embaixador usou a imagem dos esforços na Segunda Guerra Mundial para convocar os países a saírem da "banalidade da inação". Ele sugeriu "nova aliança contra um inimigo em comum: a mudança do clima".
"Devemos nos inspirar em vitórias históricas na superação de ameaças existenciais passadas. 2025 também é o ano em que a comunidade internacional se recorda de que representa o legado da aliança que, há oito décadas, decidiu deixar as diferenças para trás para se unir contra um inimigo comum, a sombra da guerra. Este ano marca o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial e de nossa aliança na criação das Nações Unidas. A filósofa germano-americana Hannah Arendt denunciou a "banalidade do mal" como a aceitação do que era inaceitável. Agora, estamos enfrentando a 'banalidade da inação', uma inação irresponsável e também inaceitável", escreveu Corrêa do Lago.
Trump
O embaixador disse que o mundo não coloca a mudança do clima em foco como deveria e deu o exemplo do anúncio de que os Estados Unidos, um dos maiores poluidores históricos e também um dos maiores financiadores, decidiu abandonar o Acordo de Paris. A decisão de Donald Trump terá efeito a partir de janeiro de 2026.
As circunstâncias podem impactar o financiamento, explicou o embaixador, já que no momento alguns dos maiores "doadores" mostram que vão drenar recursos para outras finalidades (a defesa, no caso da Europa) ou parecem não ter intenção de injetar dinheiro em clima (caso dos EUA).
"Uma das grandes falhas que se poderia apontar no Acordo de Paris é a percepção de de implementação. A gente está assinando várias coisas importantes, mas o mundo não está entendendo muito bem. Tem de traduzir o resultado dessas negociações para o público em geral, para que volte a acreditar nessa agenda e responder a essa tendência de achar que investir em combate à mudança do clima é ruim para a economia", afirmou Corrêa do Lago.
Para o embaixador, ainda não é possível prever como os EUA de Trump atuarão nos próximos meses, mas será necessário engajar, não o governo central, mas entes federados subnacionais - Estados e municípios - e setor privado.
"Uma parcela significativa do PIB americano continua pretendendo observar o Acordo de Paris", afirmou o diplomata. "Empresas dos EUA têm interesse em continuar a operar na maioria dos países. Segundo avaliações dos encontros que tive aqui em Nova York, pelo menos 2/3 do PIB americano, entre os Estados, as cidades e as empresas, vai ficar em (no Acordo de) Paris do ponto de vista prático. A retirada formal dos Estados Unidos tem de fato grande impacto sobre a negociação: foi desenhado para que os Estados Unidos entrassem. Mas, por outro lado, a gente está nesse esforço, pretende abraçar todos os Estados Unidos que pretendem se manter e fortalecer essa agenda pensando no longo prazo."
O presidente da COP-30 disse que vai centrar esforços para "possibilitar o aumento do financiamento aos países em desenvolvimento para a ação climática a partir de todas as fontes públicas e privadas para pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano até 2035?.
"A COP30 pode ser o momento em que alinharemos os fluxos financeiros internacionais e integraremos as transições digital e climática em uma única nova revolução industrial que seja consciente em relação ao clima", diz no texto.
Logística
A jornalistas, o embaixador também foi questionado sobre a dificuldade logística e os rumores de que parte da programação poderia ser deslocada de Belém, caso não haja infraestrutura pronta a tempo e por causa da lacuna na rede hoteleira.
Esse problema já fez o governo Lula antecipar, com aval da ONU, a semana destinada à presença de chefes de Estado. Com isso a organização espera reduzir o fluxo de pessoas de 50 mil para 30 mil. Os líderes devem participar da COP-30 entre 5 e 8 de novembro, enquanto o restante da conferência, incluindo a negociação diplomática e atividades de ONGs, ocorrerá de 10 a 21 de novembro.
A carta do embaixador em si não aborda o problema. Na opinião do diplomata, a preocupação que estampa manchetes de jornais internacionais virou um exagero. Ele reconheceu, no entanto, que as alternativas - como escolas e apartamentos residenciais - não são o ideal.
"É um tema que está ganhando dimensão um pouquinho excessiva, porque na maioria das COPs tem problema", disse o presidente da cúpula. "Alguém tem ilusão de que Belém seja uma cidade desenhada para receber uma COP? Acham que Glasgow era uma cidade desenhada para receber uma COP? Ou seja, a COP tem dimensão imensa e evidentemente tem que ser feita de acordo com as circunstâncias da cidade. Ninguém escolheu Belém porque era uma cidade brasileira que tinha muitos hotéis. O presidente da República escolheu Belém porque está na Amazônia e é de um simbolismo imenso."
Ele pregou que os envolvidos devem se adaptar à realidade da capital paraense e que o governo não vai esconder os problemas urbanos - inclusive ambientais - da ocupação da cidade. Ele defendeu que os participantes cheguem com um "espírito maior" do que apenas o local onde vão passar uns dias.
"A gente não pode pode perder a dimensão extraordinária de estar levando o mundo para a Amazônia", disse Corrêa do Lago.
Segundo o governo federal, os investimentos destinados à COP-30 já somam R$ 4,8 bilhões entre recursos do orçamento da União, do BNDES, da Itaipu Binacional e parceiros.
"Não há menor dúvida de que vai ter de se adaptar também à realidade de Belém. Não há nenhum desejo do governo brasileiro de relativizar as dificuldades da estrutura de Belém, mas por outro lado, o governo brasileiro também está fazendo imensos investimentos para que haja ótimo legado para Belém", acrescentou o embaixador. "Vão ser encontradas soluções. Não vai ser ideal, mas tem de lembrar que em qualquer cidade de COP as condições não são ideais. Ou é caro, ou é longe, ou tem neve... acontece de tudo nas COPs."
