Como a pecuária na Amazônia corre atrás da agenda climática: 'Não é por amor, mas por dor'
Atividade tem sofrido impactos climáticos e pressões de mercado; rastreabilidade do gado e tecnologia de baixa emissão são saídas para preservar a floresta
MARABÁ e NOVO REPARTIMENTO (PA)- "Retire os embargos e os Prodes da sua fazenda." O anúncio é uma propaganda comum na beira da Rodovia Transamazônica no trecho que liga Altamira a Marabá, no Pará, para oferecer solução para irregularidades que conectam desmatamento e produção agropecuária. Com o segundo maior rebanho bovino do Brasil, o Estado viu o número de cabeças de gado subir às custas da degradação da floresta.
De duas décadas para cá, a área de pastagem no Pará aumentou 53%, passando de 14,1 milhões de hectares para 21,6 milhões, segundo dados do MapBiomas. Ao mesmo tempo, a área acumulada de desmate cresceu quase 80%.
"Isso reflete justamente esse incentivo de ocupação na Amazônia, com a pecuária como principal vetor de desmatamento", diz Camila Trigueiro, pesquisadora do Imazon e especialista no tema.
As placas ao longo da estrada se referem a regularizações ambientais vendidas na região: Prodes é o programa federal que monitora focos de destruição da floresta por meio de satélites.
Com o endurecimento da lei, sobretudo o Código Florestal em 2012, propriedades vêm sendo alvo de embargo pelos órgãos ambientais, que proíbem a continuidade da produção na terra com área desmatada além do permitido. (Leia mais abaixo)
Na fazenda Marupiara, em Tailândia (PA), Costa mantém 80% da área em reserva legal. Dos 4.356 hectares da propriedade, apenas 520 são reservados para a criação de gado. Com tecnologia e ciência, o pecuarista atinge uma média de quase 6 cabeças por hectare, muito acima da média de uma cabeça por hectare registrada na Amazônia.
A meta é atingir 10 cabeças por hectare. Para isso, Mauro Lúcio destina parte da área para produção de milho e soja, cuja renda é revertida para complementar a alimentação do gado, sobretudo nos períodos de seca.
"Em 2002, a gente estava entrando em estágio de degradação do pasto. Todo mundo falava para eu abrir mais, porque o normal era esse. Era mais barato desmatar do que recuperar áreas degradadas, mas não quis fazer isso. Fui atrás de pesquisa", relata.
A conversão de floresta em pasto é o principal desafio para preservação da Amazônia. Ao longo dos últimos 40 anos, esse uso da terra foi o que mais se expandiu no bioma como um todo - alta de 355%.
O desmatamento e a agropecuária são as maiores fontes de gases estufa no Brasil. O governo federal trabalha no Plano Clima, um documento que prevê estratégias para que cada setor econômico reduza suas emissões e responda à meta do País assumida via Acordo de Paris, pacto global contra a crise climática.
O plano para a Agropecuária, como o Estadão mostrou, ainda vive impasse devido às responsabilidades por emissões atribuídas pelo governo ao setor. Diante das críticas, os ministérios já reveem o plano.
O Brasil pretende reduzir suas emissões líquidas de gases estufa de 59% a 67% em 2035, ante os níveis de 2005. O compromisso foi renovado no ano passado com a nova rodada de negociações que ocorrerá na Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), a partir do dia 10, em Belém. É a primeira vez que a Amazônia recebe a conferência.
"Conservar a floresta é fundamental também para o agronegócio, pois ela auxilia na regulação do clima e do regime de chuvas. Proteger a Amazônia não é só questão ambiental, é uma estratégia inteligente para garantir competitividade, segurança alimentar e cumprir os compromissos climáticos do Brasil", afirma Rodrigo Spuri, diretor de Conservação da TNC Brasil.
A "colonização" da Amazônia - como os moradores chamam o povoamento da floresta incentivado pela ditadura militar - ainda está na ponta da língua de muitos produtores rurais para justificar a derrubada da floresta.
Mais de cinco décadas depois, o lema "integrar para não entregar", cunhado pelo então presidente Castelo Branco, ainda é citado pelos pecuaristas quando fazem sua mea culpa sobre o desmate do bioma. Para Mauro Lúcio Costa, esse argumento deve ficar para trás.
"Há um eco que é: 'vim porque o governo me chamou, era integrar para não entregar'. Até hoje as pessoas escutam. Isso foi falado há 60 anos, mas quantos anos tem que o governo falou 'não desmata mais'? Você escuta o que quer", critica.
Outro problema na região é a grilagem de terras associada à pecuária. A pesquisadora Camila Trigueiro explica que criminosos invadem, em geral, as chamadas terras públicas não destinadas para explorar ilegalmente a madeira e desempenhar outras atividades que não respeitam a natureza.
A propriedade já chegou a abrigar 115 cabeças de gado e há 72 no pasto. Todos os bois são rastreados com brincos que carregam chips para registrar sua origem e demonstrar que foram criados em uma área livre de desmatamento ilegal.
A política do governo prevê que todos os pequenos produtores, com até 100 cabeças de gado, recebam o equipamento de rastreio gratuitamente. Além dos brincos, os produtores precisam de um bastão para leitura das informações. A partir desse contato, a ficha do boi aparece em um aplicativo instalado no celular.
Segundo a Secretaria de Meio Ambiente, a "rastreabilidade bovina tem sido prioridade dentro da estratégia estadual de transição para uma economia de baixo carbono." Até o momento, porém, apenas 175 mil animais foram identificados. O Pará tem o 2º maior rebanho do País, com cerca de 26 milhões de cabeças de gado.
De acordo com Rodrigo Spuri, diretor de Conservação da TNC Brasil, a rastreabilidade é uma importante para tornar a produção de alimentos compatível com os desafios ambientais.
"Tem relação com a construção de sistemas alimentares mais resilientes às mudanças climáticas e que não impactam na conservação e na emissão de gases de efeito estufa", explica.
Orgulhosa da floresta que mantém na reserva legal e na área de proteção permanente (APP), a pecuarista Maria Gorete também produz açaí e cacau em sistema agroflorestal. Ela conta que a prática foi decisiva para que atravessar a seca sem prejuízos significativos.
"Não tive problema com água para o gado porque minhas APPs são todas preservadas. Era uma coisa que eu nem imaginava que fazia de bom e, por causa disso, nos dois verões quentes consegui dar água para meu gado. Mas com os vizinhos foi meio triste, porque não tiveram a consciência de preservar", relata. "Deixo muitas árvores, porque nem a pastagem está aguentando o calor."
Nascida no Pará, característica rara entre boa parte dos pecuaristas da Transamazônica, Maria Gorete deixou um trabalho na prefeitura para viver da terra. Embora uma pecuarista "jovem" entre os colegas que compartilham da mesma profissão, já virou referência nos arredores. "Não é porque crio gado que vou ser uma ilegal na área ambiental."
A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade e da TNC Brasil