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A três meses da COP30, obra de avenida em Belém que corta floresta amazônica é alvo de ação da Defensoria Pública

Ação judicial aponta violações socioambientais, como a falta de garantia de direitos fundamentais a comunidades ribeirinhas

14 ago 2025 - 04h59
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Resumo
A três meses da COP30, a construção da Avenida Liberdade, em Belém, apresentado pelo governo estadual como melhora a mobilidade urbana, enfrenta ação da Defensoria Pública devido a impactos socioambientais em comunidades tradicionais e possíveis violações de direitos fundamentais. 
A três meses da COP30, Avenida Liberdade, que cortará floresta em Belém, é alvo de ação da Defensoria Pública do Pará
A três meses da COP30, Avenida Liberdade, que cortará floresta em Belém, é alvo de ação da Defensoria Pública do Pará
Foto: Pedro Guerreiro/Agência Pará

A menos de 90 dias da COP30, a construção da Avenida Liberdade, em Belém (PA), ainda não é um consenso. Apresentada pelo governo estadual como solução para mobilidade urbana, a obra de 13,4 km avança sobre áreas de floresta e comunidades tradicionais, destruindo açaizais, zonas de pesca e cultivos, segundo ação civil ajuizada pela Defensoria Pública do Pará. O relato de violações socioambientais ocorre enquanto a cidade se prepara para sediar o maior evento climático do mundo.

O projeto da avenida foi concebido em 2020 pelo governo do Pará, que esclareceu não estar vinculado aos investimentos federais e estaduais direcionados à COP30. A primeira solicitação de licença ambiental ocorreu em junho de 2023, antecedendo a confirmação de Belém como sede da conferência climática da ONU.

Apesar disso, a obra --com previsão de conclusão para o fim de outubro-- ganha relevância indireta para o evento, já que a mobilidade urbana figura entre os principais desafios da cidade, que receberá milhares de participantes de mais de 190 países entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025.

A 1ª Defensoria Pública Agroambiental de Castanhal, no entanto, ingressou com uma Ação Civil Pública questionando aspectos relacionados à construção da Avenida Liberdade. Conforme o órgão, a ação tem como objetivo garantir o direito à posse da terra e às atividades agrárias dos moradores da comunidade tradicional Nossa Senhora dos Navegantes e das outras comunidades situadas na Área de Proteção Ambiental da Região Metropolitana de Belém (APA Belém).

Governador Helder Barbalho vistoriando, em 2024, avanço das obras da Avenida Liberdade
Governador Helder Barbalho vistoriando, em 2024, avanço das obras da Avenida Liberdade
Foto: Pedro Guerreiro/Agência Pará

O processo também contesta a falta de cadastramento socioeconômico das famílias afetadas e a ausência de indenizações prévias. Além disso, busca assegurar:

  • O pagamento por perdas e danos, incluindo lucros cessantes das famílias da comunidade;
  • Medidas de mitigação e reparação dos danos climáticos, por meio de projetos de recuperação vegetal e extrativismo em área equivalente à vegetação removida.

Essas ações, conforme destaca a Defensoria, visam preservar o modo de vida tradicional, o conhecimento etnoecológico da comunidade e o equilíbrio ecológico da região.

"A Defensoria Pública do Estado do Pará tem como princípio institucional a busca pela resolução consensual dos conflitos, especialmente quando envolvem interesses de comunidades vulnerabilizadas, buscando sempre o equilíbrio entre o desenvolvimento urbano e a proteção de direitos humanos e sociais", informou o órgão em nota ao Terra, acrescentando seguir aberto ao diálogo com o poder público.

Como é projeto da Avenida Liberdade

A Avenida Liberdade terá uma extensão de 13,4 quilômetros, com duas faixas de tráfego em cada sentido e acostamentos de 2,5 metros em ambos os lados. Segundo o Governo do Pará, o projeto inclui faixas para ciclistas, pavimento ecológico na ciclovia e iluminação alimentada por energia solar. A via terá sistema de vídeo-monitoramento de tráfego, barreiras laterais para impedir o acesso de pedestres e seis obras entre viadutos e pontes.

Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade (Semas) informou que a obra da avenida possui licença ambiental concedida após "rigoroso processo de licenciamento, com acompanhamento técnico contínuo para controle de impactos".

A pasta afirmou que "a iniciativa foi debatida em audiências públicas com ampla participação da população e de representantes de comunidades tradicionais da região. Os estudos exigidos foram aprovados pelos conselhos gestores da APA Belém e do Parque Estadual do Utinga. Ao todo, 57 condicionantes foram estabelecidas e estão sendo monitoradas pelo órgão ambiental".

Já a Secretaria de Infraestrutura e Logística (Seinfra) disse que a intervenção ocorre em área previamente alterada."A obra está sendo executada em área já modificada pela ação humana, seguindo o traçado de um linhão de energia existente, onde a vegetação foi anteriormente suprimida".

"O processo de indenização está em andamento, com tratativas em curso para análise individual dos casos", acrescentou a Seinfra, que destacou os benefícios socioambientais da avenida. "A obra vai melhorar a mobilidade urbana para cerca de 2 milhões de pessoas, com redução no tempo de deslocamento e mais qualidade de vida. Isso representa 17,7 mil toneladas a menos de CO₂ por ano com a redução do uso de combustíveis fósseis."

Como parte das diretrizes ambientais previstas, o governo estadual cita que "estão sendo implementadas soluções de sustentabilidade na infraestrutura da via, incluindo ciclovia, sistema de iluminação com energia solar e 34 passagens de fauna, destinadas a preservar o deslocamento seguro da biodiversidade local".

Mas o que dizem especialistas sobre impactos ambientais?

Além de desempenhar um papel vital na absorção de carbono para o planeta e na preservação da biodiversidade, a floresta amazônica é essencial para a manutenção do ciclo hidrológico da América do Sul, influenciando chuvas e padrões climáticos em larga escala. Armazena grandes quantidades de carbono, e sua preservação é fundamental para mitigar as mudanças climáticas -- razão pela qual a proteção do bioma é um dos focos centrais da COP30. Mas, a Avenida Liberdade corta exatamente áreas deste ecossistema.

E, contrariando as alegações do Governo do Pará sobre impactos mínimos, especialistas consultados pelo Terra alertam para as graves consequências ambientais. A bióloga e zoóloga Andréa Bezerra, professora da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), explica os riscos aos animais selvagens. 

"Os animais ficam impedidos de transitar e, no futuro, poderão sofrer com atropelamentos. Já não temos muitas áreas próximas ou dentro da zona metropolitana que possam ser usadas como refúgio ou área de alimentação por nossa fauna selvagem. O espaço em questão é um remanescente importante para a vida selvagem. Só a obra em si já está impactando a passagem e a área de vida de muitas espécies. Com sua conclusão, a fauna local vai ficar definitivamente comprometida, visto a intensa movimentação de veículos."

A especialista detalha que a obra rompe a continuidade da vegetação remanescente às margens do rio Guamá, afetando diretamente espécies que dependem desse corredor ecológico para alimentação e abrigo. Como solução técnica, a UFRA havia recomendado a construção de trechos elevados -- similares a pontes -- nas áreas verdes, permitindo o trânsito seguro da fauna.

Entre as medidas mitigatórias sugeridas pela especialista estão:

  • Instalação de radares de velocidade
  • Sinalização específica para passagem de animais
  • Campanhas educativas sobre proteção à fauna
  • Monitoramento contínuo com câmeras
  • Estrutura emergencial para atendimento veterinário a animais atropelados

Os impactos ambientais também são citados pelo engenheiro sanitarista Valdinei Mendes da Silva, pesquisador do Instituto Federal do Pará (IFPA). "Existe de um lado uma estrutura muito bem consolidada, estabelecida em procedimentos legais", afirma, referindo-se ao aparato técnico e burocrático que sustenta a obra. De acordo com o especialista, o governo segue todos os protocolos formais, com estudos preliminares realizados por equipes multidisciplinares -- incluindo engenheiros e sociólogos -- para elaboração de diagnósticos técnicos.

Mas, segundo Mendes da Silva, essas etapas iniciais raramente são compartilhadas com as populações afetadas, tanto na região norte quanto em outros projetos nacionais, por serem consideradas "muito técnicas e preliminares".

"É um projeto que os estudos apontam grande potencial de impacto ambiental", segundo ele, mas que mesmo assim foi retomado devido à pressão por mobilidade urbana, já que a BR 316 se mantém como única via de acesso principal na região. "Os estudos preliminares já mostravam que, primeiro, é uma área de proteção ambiental. Uma das poucas reservas que uma das metrópoles da Amazônia possui".

Entre os maiores impactos, o especialista enumera que:

  • O traçado da avenida corta manancial que abastece 2 milhões de pessoas, conectado ao rio Guamá e aos reservatórios de Água Preta e Bolonha;
  • A interceptação de 12 igarapés, cursos d'água essenciais para o ecossistema local;
  • A poluição sonora causada pelos equipamentos pesados, que afugentam a fauna local; e
  • O desmatamento de áreas essenciais para a biodiversidade amazônica e para a comunidade local.

Mendes da Silva critica ainda a falta de transparência no processo. "Por ser uma área de proteção ambiental, por estar protegendo nossos mananciais, poderia se avaliar outra alternativa para preservar o território". Ele aponta ainda que a linguagem técnica dos relatórios, com termos como "material particulado" para descrever a contaminação dos igarapés, dificulta a compreensão dos riscos reais pelas comunidades tradicionais.

"O processo funciona como um registro de mais uma obra que avança sem respeitar a visão real da comunidade. E não é minha fala, é a fala da comunidade", finaliza ele. 

Fonte: Redação Terra
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