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Trazer a Tesla para o Brasil seria mesmo uma boa ideia?

Apesar de valorizada na Bolsa, a Tesla é cercada de controvérsias e de promessas não cumpridas. Quem financia Musk são suas promessas

21 fev 2020 - 16h15
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Model S: veio sem proteção física para as baterias, deixando-as expostas a perfurações.
Model S: veio sem proteção física para as baterias, deixando-as expostas a perfurações.
Foto: Tesla / Divulgação

No início dessa sexta (21) o presidente Jair Bolsonaro anunciou em seu Twitter que um de seus compromissos na próxima viagem aos EUA será negociar a vinda da Tesla para o Brasil. Essa possibilidade foi levantada pelo deputado federal Daniel Freitas (PSL-SC), que havia se reunido no dia 12 com o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, para discutir essa proposta. O ministro participou de videoconferência com dois engenheiros brasileiros que trabalham na Tesla, de acordo com os registros oficiais. Apesar dessa reunião, nem a Tesla nem o fundador Elon Musk se pronunciaram oficialmente sobre o Brasil. 

Antes de comemorar a vinda de um novo fabricante de automóveis para o Brasil, vamos analisar os envolvidos. Da parte do governo brasileiro falta aprovar o PL 4825/2019, um projeto que propõe a isenção do IPI para veículos híbridos e elétricos, que o deputado considera importante para a vinda da Tesla. Apesar das críticas ao presidente Bolsonaro, a atitude de buscar novos investidores para o Brasil é bastante válida. O problema é a escolha de investidor. 

Por trás da Tesla há uma figura polêmica, assim como Jair Bolsonaro: o empresário sul-africano Elon Musk. O empresário está por trás de empreitadas bem-sucedidas, como o Pay Pal, e a própria Tesla é um fabricante valorizado no mercado de ações, mas isso não tira o risco de investir no fabricante de carros elétricos. Apesar de valer muito na bolsa de valores, a Tesla é cercada de controvérsias e de promessas não cumpridas. 

A promessa mais famosa é a capacidade de os veículos da Tesla serem completamente autônomos, capazes de atravessar os EUA sem que o motorista tenha que tocar no volante. Isso foi prometido para 2017 e até agora nada, o Autopilot da Tesla continua sendo um piloto automático adaptativo com assistente para manter o carro na faixa de rodagem. Outras promessas não cumpridas são o lançamento do caminhão Semi para 2019, aumentos na rede de postos de recarga e uma rede de táxis-robô para 2020. 

Essas promessas são boas para os negócios, atraem investidores, constroem uma imagem da marca e fideliza os fãs. A picape Cybertruck está com as reservas abertas por US$ 100 e já atraiu 500.000 interessados. Isso significa US$ 50 milhões (ou R$ 218,9 milhões em conversão direta) em caixa para o fabricante, por um veículo que tem previsão de lançamento para o final de 2021, se não atrasar. Uma quantia grande assim dá a entender que o dinheiro vindo das promessas é importante para manter a empresa em funcionamento.

Elon Musk e a picape Cybertuck: reservas abertas por US$ 100 com 500.000 interessados. Isso significa US$ 50 milhões adiantados.
Elon Musk e a picape Cybertuck: reservas abertas por US$ 100 com 500.000 interessados. Isso significa US$ 50 milhões adiantados.
Foto: Tesla / Divulgação

Mesmo com todas essas controvérsias a Tesla continua em pé e recebendo dinheiro com essas reservas. O segredo é o culto que existe pela marca. Os fãs a idolatram e a tratam como se tudo que ela faça seja visto como o futuro, quem tenta argumentar contra a Tesla vira inimigo. Essa forma de lidar com empresas é nociva, pois quem deveria cobrar por melhorias acaba defendendo os defeitos. A fábrica original da Tesla na Califórnia já foi alvo de diversos processos trabalhistas, funcionários já denunciaram falhas de segurança. Segundo apuração da revista Forbes, até 2019 foram emitidas multas referentes a 54 violações.

Elon Musk se gaba por seu fabricante ser diferente dos outros por trabalhar de forma parecida com empresas de tecnologia. Hoje um usuário pode abrir a loja da Steam e encontrar diversos jogos que ainda não foram finalizados, a chamada fase beta. As empresas fazem isso para o consumidor testar e dar o seu feedback para melhorias. Os carros da Tesla aparentemente são lançados em fase beta também, pois o fabricante não faz a mesma quantidade de testes de durabilidade e testes de uso em seus carros.

Constantemente são feitas atualizações online dos carros com melhorias. O próprio sistema Autopilot foi introduzido depois de uma dessas atualizações. Mas software não resolve tudo, o Model 3 foi lançado com um banco traseiro plano, sem apoios laterais; as maçanetas eletrônicas do Model S e X congelam em baixas temperaturas, impossibilitando a entrada; e o Model S veio sem proteção física para as baterias, deixando-as expostas a perfurações.

Toda essa preocupação com a palavra de Elon Musk é preocupante para o Brasil: nossa procura por investidores e geração de empregos é um problema real, a sustentabilidade de um carro elétrico seria consequência da vinda da Tesla. Atualmente a indústria automotiva anda em baixa no Brasil, a Ford fechou uma fábrica em 2019 e a General Motors corre o risco de fechar a unidade de São José dos Campos (SP) devido ao futuro incerto da picape Chevrolet S10. Por todo o setor é registrado cortes nos quadros de funcionários, a GM reduziu o quadro de engenheiros após o lançamento do novo Onix. 

Gigafábrica da Tesla na China: a qual demanda a fábrica sonhada por Bolsonaro atenderia que esta já não dá conta?
Gigafábrica da Tesla na China: a qual demanda a fábrica sonhada por Bolsonaro atenderia que esta já não dá conta?
Foto: Tesla / Divulgação

O Brasil tem um concorrente forte que é a China. O país já possui uma gigafábrica da Tesla em Xangai. A mão de obra chinesa é mais barata que a brasileira, por isso a Tesla anunciou em janeiro planos ambiciosos para a China. Então fica a pergunta que Bolsonaro não se fez: a fábrica brasileira atenderia a qual demanda que essa fábrica chinesa já pode atender?

Por mais importante que um investimento novo seja para o país, a manutenção dos já existentes é ainda mais importante. É preciso procurar o motivo da diminuição da produção no setor e buscar soluções. Se um projeto de lei para privilegiar carros elétricos e híbridos está rodando a Câmara Federal, por que não incentivar os fabricantes já instalados no Brasil a investir nessas tecnologias? Atualmente apenas a Toyota e a Mercedes-Benz fabricam carros híbridos no país. 

Há outros motivos que complicam essa ideia de a Tesla vir para o Brasil. O mais notável é o lobby que existe dentro do Congresso. Donos de postos, usineiros de álcool e pessoas ligadas à indústria do petróleo podem atrasar esses planos. Será que vão conseguir obrigar os fabricantes a terem 25% de etanol na bateria dos elétricos? Esses motivos são mais subjetivos, mas por ora vamos aguardar o desenrolar dessa visita anunciada presidencial à Tesla. 

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*O autor é jornalista free-lancer formado na Universidade Federal de Ouro Preto e produtor de podcasts.

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