Somos todos marcianos? A intrigante hipótese de que a vida na Terra começou no planeta vermelho
Marte pode ter sido hospitaleiro para a vida no início de sua história, o organismos que lá surgiram podem ter viajado em meteoritos para nosso planeta
Como a vida começou na Terra? Embora os cientistas tenham várias teorias, eles ainda não compreendem totalmente as etapas químicas precisas que levaram ao surgimento da biologia, nem quando apareceram as primeiras formas de vida primitivas.
Mas e se a vida na Terra não tivesse se originado aqui, tendo chegado em meteoritos vindos de Marte? Não é a hipótese mais aceita para a origem da vida, mas continua sendo uma ideia intrigante. Aqui, examinaremos as evidências a favor e contra.
O tempo é um fator fundamental. Marte se formou há cerca de 4,6 bilhões de anos, enquanto a Terra é um pouco mais jovem, com 4,54 bilhões de anos. As superfícies de ambos os planetas eram inicialmente derretidas, antes de esfriarem e endurecerem gradualmente.
Em teoria, a vida poderia ter surgido independentemente na Terra e em Marte logo após a formação dos planetas. Embora a superfície de Marte hoje seja inabitável para a vida como conhecemos, o Marte primitivo provavelmente tinha condições semelhantes às da Terra primitiva.
O Marte primitivo parece ter tido uma atmosfera protetora e água líquida na forma de oceanos, rios e lagos. Também pode ter sido geotermicamente ativo, com muitas fontes hidrotermais e geotermais para fornecer as condições necessárias para o surgimento da vida.
Mas há cerca de 4,51 bilhões de anos um planeta rochoso do tamanho de Marte chamado Theia colidiu com a proto-Terra. Esse impacto fez com que os dois corpos se fundissem e depois se separassem, formando a Terra e a Lua. Se a vida tivesse começado antes desse evento, certamente não teria sobrevivido a ele.
Marte, por outro lado, provavelmente não passou por um evento de refusão global. O planeta vermelho sofreu vários impactos no violento primórdio do Sistema Solar, mas as evidências sugerem que nenhum deles teria sido grande o suficiente para destruir completamente o planeta — e algumas áreas podem ter permanecido relativamente estáveis.
Portanto, se a vida surgiu em Marte logo após a formação do planeta, há 4,6 bilhões de anos, ela poderia ter continuado a evoluir sem grandes interrupções por pelo menos meio bilhão de anos. Após esse período, o campo magnético de Marte entrou em colapso, marcando o início do fim da habitabilidade marciana. A atmosfera protetora desapareceu, deixando a superfície do planeta exposta a temperaturas congelantes e radiação ionizante do espaço.
Simulação em supercomputador mostrando a colisão entre a Terra e um corpo do tamanho de Marte que formou a Lua.
Uma questão de tempo
Mas e a Terra? Quanto tempo depois do impacto que formou a Lua surgiu a vida? Seguindo a árvore da vida até à sua raiz, chegamos a um microrganismo chamado Luca — acrônimo em inglês para "último ancestral comum universal" (last universal common ancestor). Esta é a espécie microbiana da qual descende toda a vida atual. Um estudo recente reconstruiu as características de Luca usando a genética e os registros fósseis da vida primitiva na Terra. Ele inferiu que Luca viveu há 4,2 bilhões de anos — mais cedo do que algumas estimativas anteriores.
O Luca não foi o primeiro organismo na Terra, mas uma das várias espécies de micróbios que existiam em nosso planeta nessa época. Eles competiam, cooperavam e sobreviviam aos elementos, além de se defenderem dos ataques de vírus.
Se ecossistemas pequenos, mas bastante complexos, estavam presentes na Terra há cerca de 4,2 bilhões de anos, a vida deve ter se originado antes disso. Mas quanto tempo antes? A nova estimativa para a idade de Luca é 360 milhões de anos após a formação da Terra e 290 milhões de anos após o impacto que formou a Lua. Tudo o que sabemos é que, nesses 290 milhões de anos, a química de alguma forma se tornou biologia. Esse tempo foi suficiente para que a vida se originasse na Terra e depois se diversificasse nos ecossistemas presentes quando Luca estava vivo?
A origem marciana da vida terrestre contorna essa questão. De acordo com a hipótese, microrganismos marcianos poderiam ter viajado para a Terra em meteoritos, bem a tempo de aproveitar as condições favoráveis à vida no planeta após a formação da Lua.
O momento pode ser conveniente para essa ideia. Mas como alguém que trabalha na área, meu palpite é que 290 milhões de anos é tempo suficiente para que reações químicas produzissem os primeiros organismos vivos na Terra mesmo, e para que a biologia se diversificasse e se tornasse mais complexa.
Sobrevivendo à jornada
O genoma reconstruído de Luca sugere que ele poderia se alimentar de hidrogênio molecular ou moléculas orgânicas simples. Juntamente com outras evidências, isso sugere que o habitat de Luca era um sistema de fontes hidrotermais marinhas rasas ou uma fonte termal geotérmica. O pensamento atual no campo da origem da vida é que esses tipos de ambientes na Terra primitiva tinham as condições necessárias para que a vida surgisse da química não viva.
Luca também continha um mecanismo bioquímico que poderia protegê-lo de altas temperaturas e radiação UV — perigos reais nesses ambientes da Terra primitiva.
No entanto, está longe de ser certo que as formas de vida primitivas pudessem ter sobrevivido à viagem de Marte para a Terra. E não há nada no genoma de Luca que sugira que ele fosse particularmente bem adaptado a voos espaciais.
Para chegar à Terra, os microrganismos precisariam ter sobrevivido ao impacto inicial na superfície de Marte, a uma ejeção em alta velocidade da atmosfera marciana e a uma viagem pelo vácuo do espaço enquanto eram bombardeados por raios cósmicos durante pelo menos a maior parte de um ano.
Em seguida, precisariam ter sobrevivido à entrada em alta temperatura na atmosfera da Terra e a outro impacto na superfície. Este último evento pode ou não tê-los depositado em um ambiente ao qual estivessem remotamente adaptados.
As chances de tudo isso acontecer me parecem muito pequenas. Por mais difícil que a transição da química para a biologia possa parecer, me parece muito mais fácil do que a ideia de que essa transição ocorreria em Marte, com formas de vida sobrevivendo à viagem até a Terra e, em seguida, se adaptando a um planeta completamente novo. Mas posso estar errado.
É útil examinar estudos sobre se microrganismos poderiam sobreviver a viagens entre planetas. Até agora, parece que apenas os microrganismos mais resistentes poderiam sobreviver à viagem entre Marte e a Terra. Essas são espécies adaptadas para prevenir danos causados pela radiação e capazes de sobreviver à dessecação por meio da formação de esporos.
Mas talvez, apenas talvez, se uma população de microrganismos estivesse presa no interior de um meteorito suficientemente grande, eles poderiam ficar protegidos da maioria das condições adversas do espaço. Algumas simulações em computador até apoiam essa ideia. Simulações adicionais e experimentos de laboratório para testar isso estão em andamento.
Isso levanta outra questão: se a vida chegou à Terra vinda de Marte nos primeiros 500 milhões de anos de existência do nosso Sistema Solar, por que não se espalhou da Terra para o resto do Sistema Solar nos quatro bilhões de anos seguintes? Talvez não sejamos marcianos, afinal.
Seán Jordan não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.