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O blogueiro que desafiou a ditadura saudita

14 jan 2020 - 15h26
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Preso há quase oito anos, Raif Badawi iniciou recentemente mais uma greve de fome. Em entrevista à DW, esposa do ativista fala sobre a luta para libertar o marido e a deterioração dos direitos humanos na Arábia Saudita.Sua franqueza o levou ao tribunal: depois de criticar o papel da religião na Arábia Saudita em diversos artigos, Raif Badawi foi inicialmente condenado à morte em 2013. Mas a corte comutou a sentença: dez anos de detenção. Como foi decidido em 2013, o jovem blogueiro e jornalista teve que ir para a prisão.

Protesto pela libertação de Raif Badawi no Canadá
Protesto pela libertação de Raif Badawi no Canadá
Foto: DW / Deutsche Welle

Além disso, ele foi condenado a mil chicotadas e a uma multa. Badawi criticou não apenas o wahabismo, vertente radical do islamismo sunita que tem status de religião oficial na Arábia Saudita, ele também falou de forma crítica sobre o poder das autoridades religiosas. O tribunal interpretou isso como um "insulto ao islã".

Cinco anos atrás, em janeiro de 2015, ele teve que suportar as primeiras 50 chicotadas. O restante da pena corporal ficou suspenso até novo aviso.

"Raif está separado de nós já há oito anos", diz sua esposa Ensaf Haidar, que vive exilada no Canadá, em entrevista à DW. "Meus filhos e eu sentimos sua falta. Ele está fazendo aniversário por esses dias. É sempre uma data difícil para nós. Mesmo assim, acreditamos que ele está perto de nós com o coração. Isso nos ajuda."

Haidar disse ainda ter esperança de que seu marido esteja em breve novamente com sua família.

No ano passado, Badawi recebeu o Prêmio Günter Wallraff de jornalismo crítico. Em junho, Haidar o recebeu em nome do marido. Em 2015, ele já havia sido agraciado com o Prêmio Liberdade de Expressão (Freedom of Speech Award) da Deutsche Welle (DW).

Anos atrás, a própria Ensaf Haidar também lançou um prêmio em nome de seu marido: o Prêmio Raif Badawi. Ele vai para jornalistas que chamam a atenção para violações de direitos humanos no mundo islâmico.

Greve de fome contra justiça arbitrária

Badawi iniciou uma greve de fome em 11 de dezembro do ano passado. Naquela época, ele estava em confinamento solitário, informa Ensaf Haidar. Recentemente, ela só conseguiu falar com ele por um minuto ao telefone.

Não é a primeira vez que Raif Badawi entra em greve de fome. Em dezembro de 2015 e junho de 2016, ele já se recusou a comer por certo tempo.

Atualmente, Badawi está em greve de fome ao lado de seu advogado, o ativista de direitos humanos Waleed Abulkhair, que também se encontra preso. Em junho de 2014, ele foi condenado a 15 anos de prisão. O motivo: ele trabalhou contra o regime e seus representantes oficiais.

Abulkhair já havia se recusado a se alimentar em 27 de novembro último. Em 10 de dezembro, ele interrompeu brevemente a greve e, em 11 de dezembro, retomou-a junto a Raif Badawi.

A partir de 22 de dezembro, outro ativista de direitos humanos, Khaled Suleiman al-Omair, também passou a se recusar a comer. Al-Omair foi preso em julho de 2018 depois de denunciar oficialmente um policial. Segundo al-Omair, este o torturou na prisão durante a pena de oito anos que havia cumprido anteriormente.

No final de outubro de 2019, al-Omair foi informado de que não haveria mais processos judiciais, audiências ou lista acusatória. Ele permanece preso indefinidamente.

Além dos mencionados, outros ativistas se encontram em greve de fome, incluindo o poeta Abdullah al-Hamid, de 69 anos, membro da Associação Saudita de Direitos Civis e Políticos (ACPRA).

Direitos humanos: o papel da mídia

Ensaf Haidar diz que o fato de ela ainda ter forças para lutar pelo marido se deve em grande parte à solidariedade que tem sido expressa repetidamente na mídia.

Segundo Haidar, tanto a mídia tradicional como os muitos sites nas redes sociais contribuíram enormemente para que o caso de Raif Badawi se tornasse conhecido. "O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, e uma delegação do Parlamento Europeu também pediram ao governo da Arábia Saudita que libertasse Raif como prisioneiro de consciência."

Tudo isso lhe dá coragem, disse Haidar. Em comunicado divulgado no início de janeiro, a organização de direitos humanos Anistia Internacional (AI) também exigiu a libertação imediata e incondicional de Badawi.

Atualmente, a situação dos direitos humanos na Arábia Saudita não melhorou. Embora os direitos civis tenham sido parcialmente fortalecidos - as mulheres agora podem dirigir e viajar sem o consentimento de um parente masculino -, a repressão contra ativistas de direitos humanos e civis aumentou nos últimos anos, de acordo com a organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW).

Situação piorou sob Mohammed bin Salman

Segundo a HRW, a situação dos direitos humanos se deteriorou desde junho de 2017 - mês em que o príncipe Mohammed bin Salman foi nomeado herdeiro do trono.

Embora a prisão de críticos pacíficos ou defensores de direitos humanos fosse comum antes da nomeação, "no entanto, o que tornou as ondas de prisões após 2017 diferentes e dignas de atenção é, por um lado, o grande número de pessoas afetadas por essas medidas e, pelo outro, as novas práticas repressivas que não existiam sob a liderança anterior da Arábia Saudita", escreve a HRW.

Segundo a organização, a tortura e os maus-tratos a detidos se tornaram, assim, práticas bastante difundidas que também são usadas contra prisioneiras políticas e defensoras de direitos humanos.

Os métodos de tortura utilizados incluem choques elétricos e espancamentos. As mulheres também são abraçadas violentamente e obrigadas a beijar seus algozes. "As práticas abusivas incluem detenção arbitrária a longo prazo, sem acusação ou julgamento", denuncia a HRW.

Ensaf Haidar: "As pessoas estão ficando mais corajosas"

Apesar da repressão, o protesto na Arábia Saudita aumentou, observa Ensaf Haidar: "Muitos cidadãos se tornaram mais corajosos e ativos quanto a questões de direitos humanos e das mulheres". Ela própria exige do governo que assegure mais direitos aos cidadãos do país.

Dessa forma, os esforços de Badawi talvez não tenham sido em vão. Mas isso torna ainda mais difícil para sua esposa entender a pena: "Tudo o que Raif exigia - mais direitos para as mulheres, abertura para o cinema e teatro - agora se tornou realidade. Mas ele próprio ainda está na prisão. Isso não é compreensível."

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