Nos desafios da luta pelo clima na Amazônia, jovens ativistas transitam entre a ansiedade e a exaustão
Herdeiros dos problemas gerados pelas mudanças climáticas e extremamente ativos nas redes sociais, jovens podem ajudar a mudar o futuro, mas muitos sofrem com exaustão e e umnovo fenômeno chamado de ecoansiedade
O artigo abaixo é fruto de uma parceria do The Conversation Brasil com o movimento Ciência e Vozes da Amazônia na COP 30, criado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) com o objetivo de ampliar a participação de populações ribeirinhas e povos originários da região no processo das negociações climáticas que ocorrerão durante a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Belém, ampliando a visibilidade das propostas de soluções para combater os efeitos do aquecimento global que estão sendo gestadas na região.
A COP 30, em Belém, coloca os jovens da Amazônia em evidência. Mas será que o ativismo climático digital está gerando engajamento político — ou estresse emocional?
Em 2025, a juventude está no centro das atenções da agenda climática. Estamos falando de uma geração que é herdeira dos avanços das mudanças climáticas e, acima de tudo, que é agente ativa pelas políticas públicas que podem decidir o futuro. Essa juventude está também no centro das redes sociais e das disrupturas tecnológicas — e esses temas dialogam entre si.
Com a realização da COP 30 em Belém, na Amazônia brasileira, os holofotes se voltam para as vozes jovens da região e ecoam nos meios de comunicação utilizados. Nesse cenário, as redes sociais se consolidam como espaço de engajamento e mobilização política, especialmente entre os jovens que vivem em centros urbanos amazônicos.
Porém, o ativismo digital vem acompanhado de dilemas: exposição constante, desinformação, sensação de insuficiência e ecoansiedade. O mesmo ambiente que amplifica vozes pode também gerar silenciamento e sobrecarga.
Como transformar esse engajamento em ação política efetiva e duradoura, sem adoecer quem luta por justiça climática?
As redes sociais como palco de engajamento
"Consciência climática para sustentar o céu". Essa foi a mensagem comum criada por dez coletivos de jovens da Amazônia Legal e do Distrito Federal, lançada em 16 de março de 2025 em suas redes sociais. As plataformas digitais se consolidaram como espaços de mobilização da juventude brasileira. Em 2022, mais de 79% da população nacional usava redes sociais regularmente, número ainda maior entre os mais jovens.
Para muitos jovens, especialmente nas periferias e nos centros amazônicos, as redes funcionam como ponto de encontro e denúncia, além de espaços de formação política informal. Hashtags como #JuventudePeloClima e vídeos com denúncias ambientais compõem uma arquitetura de engajamento fragmentada, mas potente.
Entre jovens amazônidas, cresce um movimento de crítica às próprias plataformas. Coletivos como o Engajamundo (@engajamundo), a Rede Jandyras (@redejandyras) e iniciativas de comunicação comunitária como o Coletivo Indígena Mairi, do Pará (@coletivomairi), e o Movimento Jovens do Futuro, do Acre (@soujovemdofuturo), desafiam a lógica dos algoritmos com narrativas enraizadas em seus territórios. Denunciam violações, visibilizam soluções locais e aprendem, na prática, que comunicar é resistir.
A exaustão do engajamento
Se as redes ampliam o pertencimento, também impõem novas formas de pressão. O ativismo climático digital exige presença constante, atualização e reação. A sensação de estar ficando para trás — o FOMO ( Fear of Missing Out, ou seja, medo de ficar de fora, de perder uma "novidade") — é comum, sobretudo diante de causas urgentes e complexas.
Além disso, há a lógica da performance: ativistas jovens devem saber comunicar, fazer design, roteiro e ainda cuidar da sua saúde mental. A pressão por posicionamentos, o medo do cancelamento e a vigilância coletiva geram ansiedade e afastam quem mais precisa de acolhimento. A indignação pode virar cansaço.
Entre jovens da Amazônia, as desigualdades estruturais e raciais agravam o quadro. Há desafios estruturais, como falta de acesso contínuo à internet, celulares compartilhados ou retaliações por denúncias. Outras vezes, há o esvaziamento simbólico: são convidados a espaços institucionais apenas como "cotas juvenis". Isso gera frustração e sensação de impotência.
Esse contexto favorece o surgimento da ecoansiedade, termo popularizado pelo Fridays for Future. Mais que reação individual, trata-se de uma resposta geracional à avalanche de más notícias e à lentidão das respostas políticas.
No Brasil, essa resposta soma-se ao estado emocional geral dos jovens. Segundo a pesquisa Juventudes no Brasil 2021, apenas 25% associam juventude à felicidade. A maioria expressa desconfiança nas instituições políticas e no governo. Sustentar o engajamento juvenil implica, portanto, cuidar de quem se engaja.
Comunicar o clima de forma engajadora e não opressiva
A comunicação climática frequentemente adota um tom de urgência. Embora necessário, esse tom pode ser paralisante, especialmente quando distante da realidade vivida. Jovens que convivem com enchentes, calor extremo e ausência de serviços básicos tendem a não se mobilizar com mensagens apocalípticas, mas com convites à ação concreta.
É preciso substituir a linguagem do medo por uma linguagem de possibilidades. Campanhas que valorizam territórios, promovem esperança e conectam experiências reais são mais eficazes, especialmente entre quem não se reconhece em narrativas globais genéricas.
Narrativas de pertencimento, construídas a partir de vozes locais, deslocam o foco. Quando jovens indígenas compartilham saberes ancestrais ou ribeirinhos mostram soluções para a gestão da água, o clima se torna uma questão de vida, não de futuro. A comunicação feita por jovens da Amazônia é mais potente — e mais ética.
É o caso da Yellow Zone, coletivo que surgiu em Belém (PA) para articular juventudes periféricas, negras e indígenas a partir de seus territórios. A iniciativa, vinculada à COP das Baixadas, mobiliza periferias urbanas em torno da COP 30. Ao construir narrativas próprias, esse coletivo amplia o repertório da comunicação climática e fortalece jovens como sujeitos políticos. A experiência pode dialogar com os espaços oficiais e enriquecer a escuta social da COP 30.
Compreendendo essa relevância, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) estabeleceu, durante a COP 26, o compromisso de garantir a presença de representantes jovens nos processos de negociação — surgindo, em anos seguintes, a figura dos Youth Climate Champions. No Brasil, a chamada pública para a Presidência da Youth Climate Champions (PYCC), no contexto da COP 30, recebeu mais de 150 inscrições, com 62% de candidaturas femininas. A vencedora foi Marcele Oliveira, uma produtora cultural carioca que dirige o Perifalab, rede de criação de de lideranças periféricas, vinculada ao Instituto Clima e Sociedade.
A iniciativa representa um esforço institucional relevante para reconhecer a força, diversidade e legitimidade do protagonismo jovem na pauta climática.
Experiências como as oficinas de comunicação com jovens influenciadores da região, as campanhas em rede articuladas por coletivos amazônicos e a atuação em espaços como a COP 30 mostram que é possível comunicar sem oprimir. O desafio é não romantizar o engajamento juvenil, mas criar condições para que ele cresça com dignidade. Isso significa reconhecer o esforço, garantir infraestrutura, respeitar os ritmos e, sobretudo, escutar.
Reconquista da confiança da juventude
A juventude amazônida tem levantado questões fundamentais sobre o modo como comunicamos e vivemos a crise climática. Seu engajamento revela uma geração que não espera apenas ser ouvida, mas que propõe caminhos, denuncia ausências e constrói alternativas. No entanto, para que esse protagonismo se transforme em ação política concreta e duradoura, é necessário criar estruturas que sustentem esse envolvimento sem adoecê-lo.
Parte desse desafio passa por reconquistar a confiança da juventude na política como campo de transformação coletiva. Isso exige mais do que escuta simbólica: pede compromissos reais com representatividade, acolhimento e continuidade. A articulação entre iniciativas como a PYCC e coletivos como a Yellow Zone podem ser uma via potente para essa reconstrução. É a possibilidade de unir o reconhecimento institucional com o enraizamento territorial e urbano.
A sugestão é manter viva a consciência climática, sem deixar que ela sufoque. É cultivar espaços onde jovens possam imaginar e realizar futuros, sem sobrecarga. Sustentar o céu, como dizem os próprios jovens amazônidas, é também cuidar de quem tenta, dia após dia, impedir que ele desabe.
Catharina Vale não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.