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Qual o tamanho e o poder de destruição do arsenal nuclear da Rússia?

Estima-se que a Rússia possua mais de seis mil ogivas nucleares, incluindo cerca de quatro mil em arsenal ativo e o restante em processo de serem 'desmanchadas'. Até hoje, os EUA foram o único país a utilizar armas nucleares numa situação de conflito.

1 mar 2022 - 06h47
(atualizado às 08h31)
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Veículo submarino Poseidon com armas nucleares - captura de vídeo por Tass, agência de notícias estatal da Rússia
Veículo submarino Poseidon com armas nucleares - captura de vídeo por Tass, agência de notícias estatal da Rússia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Em menos de uma semana de guerra contra a Ucrânia, o presidente russo Vladimir Putin já emitiu ordem para que seu comando militar coloque as forças nucleares em estado de "alerta especial", considerado o nível mais elevado.

O movimento aconteceu após o governo russo entender como "declarações agressivas" os comentários com intenções de apoio à Ucrânia feitos por países membros da Otan (aliança militar liderada pelos Estados Unidos) sobre a operação na Ucrânia. A medida foi também uma reação às duras sanções econômicas adotadas contra a Rússia por diversas potências globais.

O número exato de armas nucleares em posse de cada país é um segredo nacional, então as análises são baseadas em estimativas. Embora o compartilhamento dessas informações varie de acordo com cada nação, a maioria divulga os números de seus estoques nucleares.

Estima-se que a Rússia possua mais de 6.000 ogivas nucleares, incluindo cerca de 4.000 em arsenal ativo e o restante em desmantelamento (em processo de serem "desmanchadas"). As ogivas são formas de arma nuclear encapsulada na parte cilíndrica de um foguete, míssil ou projétil.

De acordo com a FAS (Federação dos Cientistas Americanos, na sigla em inglês) esse arsenal, junto com o dos EUA (com cerca de 4.000), representa 90% das ogivas nucleares do mundo, o que significa que ambos os países têm poder de causar grande destruição um ao outro.

Até hoje, os EUA foram o único país a utilizar armas nucleares numa situação de conflito. Estima-se que a explosão em Hiroshima (Japão) tenha matado imediatamente de 50 mil a 100 mil pessoas em 1945, último ano da Segunda Guerra Mundial. Três dias depois, outra ogiva foi lançada em Nagasaki, matando na hora de 28 mil a 49 mil pessoas. Um mês depois o Japão assinou oficialmente sua rendição.

Estima-se que elo menos nove países possuam esse tipo de armamento de destruição em massa: EUA, Rússia, China, França, Reino Unido, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. O número de ogivas ao redor do mundo tem caído ao longo do tempo, passando de 70 mil nos anos 1980 para cerca de 14 mil atualmente.

Ainda assim, especialistas apontam que todos esses países continuam modernizando seus arsenais.

Como é o arsenal nuclear russo?

A Rússia possui o maior arsenal nuclear do mundo atualmente e mantém uma extensa infraestrutura de produção de armas nucleares capaz de projetar e construir novas ogivas e mísseis sofisticados.

Em 2020, a nação gastou cerca de US$ 8 bilhões (cerca de R$ 41 bilhões) para construir e manter suas forças nucleares, de acordo com um levantamento feito pelo Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (Ican, na sigla em inglês).

O potencial de destruição depende do tipo de cada arma, mas vai desde acabar com cidades pequenas e médias até a destruição completa de grandes metrópoles, como Nova York. Algumas dessas armas podem, inclusive, chegar aos EUA em questão de minutos. O mesmo se daria com lançamentos em direção à Rússia.

Estima-se que até hoje nenhuma explosão em testes tenha superado a potência da "Bomba-Czar", da União Soviética, que foi lançada em 1961 com poder equivalente ao de 50 milhões de toneladas de dinamite (50 megatons). Essa bomba era mais de 3.000 vezes mais poderosa que a lançada sobre Hiroshima pelos EUA.

Além do impacto da explosão, armas nucleares emitem altos níveis de radiação, que também podem ser fatais. Estima-se que a radiação tenha durado meses na cidade japonesa, levando à morte de mais 80 mil pessoas.

Presidente Vladimir Putin anuncia mudanças de status para a força nuclear russa
Presidente Vladimir Putin anuncia mudanças de status para a força nuclear russa
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A política oficial do Estado russo sobre armas nucleares é que elas servem para cumprir um papel de dissuasão nuclear que é de natureza puramente defensiva.

"A política é manter o nível mínimo de armas nucleares que seriam necessárias para servir de dissuasão, tanto para garantir a soberania nacional e a integridade territorial da Rússia quanto para impedir potenciais adversários de agressão contra a Rússia", explicou um grupo de analistas da Janes, agência provedora de inteligência e especialista em análise de defesa, em resposta à BBC News Brasil.

Em 2 de junho de 2020, uma ordem executiva divulgada pelo gabinete do presidente russo afirma que a nação "considera as armas nucleares exclusivamente como meio de dissuasão, sendo seu uso uma medida extrema e obrigatória".

O documento ainda diz que as Forças Armadas da Federação Russa garantem que a dissuasão nuclear seja mantida em todos os momentos e alerta os possíveis adversários sobre a inevitabilidade da retaliação em caso de ataque à Rússia ou a seus aliados.

Por que deixar as armas nucleares em 'alerta especial'?

Militares patrulham as ruas de Kiev, a capital da Ucrânia
Militares patrulham as ruas de Kiev, a capital da Ucrânia
Foto: EPA / BBC News Brasil

De acordo com Sandro Teixeira, professor doutor da Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), a ameaça indireta de Putin pode ser interpretada como forma de responder às sanções que tem recebido dos EUA, países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e outros que são contrários às atitudes do seu governo.

"Os membros da Otan estão enviando armas à Ucrânia. Deixar as armas nucleares prontas é uma forma de dissuadir, limitar ou deter esse apoio. Além disso, também pode ser lido como uma tentativa de encerrar logo a defesa militar da própria Ucrânia, já que tomar o controle dos territórios não está sendo tão fácil quanto ele pensou que seria."

Para grande parte dos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a mudança pública para o status é uma forma de enviar um recado aos adversários, mas não significa necessariamente que haja uma intenção real de usá-las (essa probabilidade é considerada bastante baixa).

Exemplos de armas à disposição do governo russo

"Os programas russos de modernização de suas armas nucleares incluem a substituição de mísseis e veículos de lançamento da era soviética, bem como a introdução de novos sistemas de armas. A Rússia está desenvolvendo vários novos tipos de sistemas de entrega, alguns dos quais se destinam a substituir sistemas mais antigos, enquanto outros expandiriam o tamanho da força como novas adições", cita o grupo de analistas da Jane.

Entre as armas disponíveis, estão:

Sarmat, ou 'Satan 2', foi anunciado pela Rússia em 2018 como uma arma "invencível"
Sarmat, ou 'Satan 2', foi anunciado pela Rússia em 2018 como uma arma "invencível"
Foto: EPA / BBC News Brasil

RS-28 Sarmat, um míssil balístico intercontinental com capacidade para transportar até 15 toneladas de ogivas nucleares.

Status-6 (apelidado de Poseidon), se assemelha a um grande torpedo, mas é amplamente referido como um veículo submarino não tripulado. Pode ser equipado com um sistema antimísseis — incluindo mísseis antibalísticos e armas laser — e com uma bomba nuclear de cobalto que, ao explodir, provoca uma onda de tsunami com 500 metros. É capaz de espalhar uma nuvem de material radioativo numa área de 510 mil quilômetros quadrados (quase o tamanho do Estado da Bahia).

Vídeo do Ministério da Defesa russo mostra o Avangard em uma simulação de computador
Vídeo do Ministério da Defesa russo mostra o Avangard em uma simulação de computador
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Avangard, que pode transportar armas nucleares e convencionais. Tem apenas duas toneladas e viaja a uma velocidade pelo menos 20 vezes superior à do som, o que o permite escapar aos sistemas de defesa antimísseis do inimigo.

Jato MiG-31 carrega um míssil Kinzhal sobre Moscou em registro feito em maio de 2018
Jato MiG-31 carrega um míssil Kinzhal sobre Moscou em registro feito em maio de 2018
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Kh-47M2 Kinzhal, um míssil de cruzeiro hipersônico capaz de transportar armas nucleares e convencionais. É o único míssil hipersônico lançado a partir de aeronaves em serviço no mundo todo e pode atingir 10 vezes a velocidade do som.

Rússia e outras potências votaram contra o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares

EUA, Rússia, França e Reino Unido votaram consistentemente contra uma resolução anual da Assembleia Geral da ONU chamada de Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPNW, na sigla em inglês) desde 2018. Mais de 100 países apoiam a medida.

A Rússia afirmou que "não aceita qualquer alegação de que o tratado contribua para o desenvolvimento do direito internacional consuetudinário".

O governo de Putin ainda convocou todos os Estados que estão considerando apoiar o tratado "a refletir seriamente sobre suas implicações para a paz e a segurança internacionais".

Em 2019, Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, disse que o objetivo de eliminar as armas nucleares não pode ser alcançado "pelos métodos unilaterais e bastante arrogantes nos quais este o TPNW se baseia".

Em 2021, os EUA e a Rússia anunciaram a extensão de cinco anos de um tratado bilateral de controle de armas nucleares de alcance médio que torna "o mundo mais seguro" e "reduz a corrida armamentista e os riscos de guerra", segundo Lavrov e o colega Antony Blinken, secretário de Estado americano.

Quais são as chances de um conflito nuclear na guerra na Ucrânia?

No dia 24/02, quando Putin anunciou na TV sua "operação militar especial" (na realidade, uma invasão em grande escala da Ucrânia), ele fez um alerta: "Para qualquer um de fora que considere interferir — se o fizer, enfrentará consequências maiores do que qualquer outra que já se enfrentou na história."

"As palavras de Putin soam como uma ameaça direta de guerra nuclear", disse à BBC o Prêmio Nobel da Paz Dmitry Muratov, editor-chefe do jornal Novaya Gazeta. "Nesse discurso de TV, Putin não estava agindo como o dono do Kremlin, mas o dono do planeta; da mesma forma que o dono de um carrão fica se exibindo girando seu chaveiro no dedo, Putin estava girando a bomba nuclear. Ele disse muitas vezes: se não existisse a Rússia, por que precisaríamos do planeta? Ninguém prestou atenção. Mas isso é uma ameaça de que, se a Rússia não for tratada como ele quer, tudo será destruído."

"Putin disse que qualquer interferência externa no conflito, ou qualquer ação contra a Rússia, gerariam uma resposta forte. Nas entrelinhas, há uma ameaça nuclear", diz Alexander Lanoszka, professor de Relações Internacionais da Universidade de Waterloo (Canadá) e especialista em segurança nuclear. "Mas há um interesse comum de todas as partes de restringir esse conflito à Ucrânia. Então, eu ficaria muito surpreso se armas nucleares fossem usadas neste momento".

Segundo Vicente Ferraro Jr., cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo (USP), mesmo no caso de um ataque russo contra outras ex-repúblicas soviéticas que hoje fazem parte da Otan, como a Estônia, Letônia e Lituânia, é possível que as duas partes prefiram minimizar os riscos. "Assim como o Ocidente e a Otan evitam conflito direto na Ucrânia, Rússia também evitaria um confronto no restante do Leste Europeu", afirma.

Para Andrew Futter, professor de política internacional da Universidade de Leicester (Reino Unido), também não há qualquer indicação de que Moscou pretenda usar suas armas nucleares contra a Ucrânia. "Não vejo nenhuma razão pela qual Moscou usaria armas nucleares contra a Ucrânia. Não apenas porque qualquer material radioativo tão perto de sua fronteira pode ser perigoso, mas também porque eles provavelmente não querem destruir o país e a população ucraniana, já que seu plano parece ser incorporar o território à Rússia."

Larlecianne Piccolli, pesquisadora especializa em armas estratégicas e política de segurança e defesa da Rússia e diretora do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), escreveu em seu perfil no Twitter que a elevação do alerta feita por Putin visa principalmente intimidar a Ucrânia e forçá-la à mesa de negociações, algo que já está em andamento. Mas os termos em negociação ainda não foram divulgados oficialmente.

*Com informações adicionais de Julia Braun, da BBC News Brasil em São Paulo, e Steve Rosenberg, da BBC News em Moscou.

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