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Por que emprestar dinheiro pode arruinar relacionamentos

Seja enviando um depósito para um familiar com o aluguel muito atrasado ou entregando um grande maço de notas para um amigo, emprestar dinheiro para entes queridos é algo que a maioria de nós já fez — mesmo que venha a ser penoso e desconfortável

19 out 2021 - 11h53
(atualizado às 11h57)
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Introduzir dinheiro em um relacionamento pode, sem dúvida, criar uma situação estranha. Normalmente somos próximos das pessoas a quem emprestamos dinheiro
Introduzir dinheiro em um relacionamento pode, sem dúvida, criar uma situação estranha. Normalmente somos próximos das pessoas a quem emprestamos dinheiro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Quando amigos ou familiares vêm pedir dinheiro, o ambiente pode rapidamente ficar estranho. Por quê?

Seja enviando um depósito para um familiar com o aluguel muito atrasado ou entregando um grande maço de notas para um amigo, emprestar dinheiro para entes queridos é algo que a maioria de nós já fez — mesmo que venha a ser penoso e desconfortável.

Isso ocorre especialmente se aquela mesma pessoa vier incomodando você com o pagamento do aluguel por meses a fio ou se ele nunca se interessa em pagar o empréstimo depois de você ajudá-lo a sair de uma dificuldade.

Mesmo assim, muitas pessoas procuram amigos e familiares em busca de dinheiro extra, especialmente em épocas difíceis. Uma pesquisa do Federal Reserve — o banco central dos EUA — em 2019 demonstrou que, frente a uma despesa hipotética de US$ 400 que não pudesse ser paga de imediato, a segunda medida mais comum era pedir emprestado a um amigo ou familiar (a primeira opção foi lançar a dívida no cartão de crédito). E, durante a pandemia, as pessoas podem estar mais propensas a procurar pessoas de confiança para pedir ajuda.

Introduzir dinheiro em um relacionamento pode, sem dúvida, criar uma situação estranha. Normalmente somos próximos das pessoas a quem emprestamos dinheiro.

Mas especialistas afirmam que emprestar dinheiro enfrenta tabus sociais sobre discussão de finanças e cria um desequilíbrio de poder em um relacionamento próximo de confiança. Isso pode potencialmente fazer com que as partes sintam emoções complexas, como vergonha, constrangimento e raiva.

Atravessar esse tipo de situação pode ser difícil, mas, com comunicações claras e definição de expectativas, você pode evitar grande parte do desconforto que surge ao ajudar um amigo.

Um tabu que muda os relacionamentos

"Acho que dinheiro ainda é um assunto muito íntimo para muitas pessoas falarem de forma autêntica", afirma a psicóloga e terapeuta financeira Maggie Baker, da Pensilvânia, nos Estados Unidos. As pessoas podem falar muito sobre dinheiro, mas não pergunte a outra pessoa sobre sua situação financeira específica, afirma ela: "existe esse manto sobre todos os tópicos relativos a dinheiro, quanto você tem e quanto você não tem".

J. Michael Collins, professor e diretor do Centro de Segurança Financeira da Universidade de Wisconsin, nos EUA, afirma que o dinheiro já é um tabu como tema nas conversas. Esse tabu torna os relacionamentos obscuros e complicados.

"Se eu for a um banco e pedir um empréstimo, eles vão calcular se eu posso pagar de volta ou não. Depois, eu assino um contrato e esse contrato diz que, se eu deixar de pagar, alguma coisa irá acontecer: eles irão confiscar o meu salário ou tomar o meu carro de volta. Nós não temos nada disso quando emprestamos dinheiro a um parente" ou amigo, afirma Collins.

É a "natureza informal" do acordo, além da "falta de capacidade de acompanhamento ou prestação de contas que realmente deixa as pessoas nervosas", segundo ele.

Emprestar dinheiro para alguém também significa que todo o teor do relacionamento é alterado. "Se você emprestar dinheiro a alguém, eles ficam em dívida com você, quer eles reconheçam ou não — e então, subitamente, você tem o poder", segundo Baker.

E isso altera sutilmente o seu papel no relacionamento. "Você não é apenas um amigo ou familiar — de repente, você se tornou um agente de empréstimos", afirma Brad Klontz, psicólogo financeiro e professor da Universidade Creighton em Nebraska, nos Estados Unidos.

Existe também um alto grau de incerteza para o credor, pois, não importa o quanto ele seja próximo de alguém, você pode não ter ideia de como essa pessoa lida com dinheiro. De fato, especialistas afirmam que a maior parte dos empréstimos não é paga; Baker calcula que, nove em cada dez vezes, o amigo com problemas não irá pagar o empréstimo.

Maior parte dos empréstimos não é paga
Maior parte dos empréstimos não é paga
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Klontz concorda. "Você precisa estar 100% de acordo" com o não pagamento do dinheiro, segundo ele. Muitas vezes, a pessoa que solicita o empréstimo priorizará todas as outras contas e despesas antes de você. E, mesmo assim, a menos que ouçam o contrário, eles irão acreditar que você está tão confortável financeiramente que não se preocupa se irá ou não receber o dinheiro de volta.

"Tipicamente, o que acontece é que eles começam a evitar você e você começa a ter ressentimentos", segundo Klontz. "Você se sente usado — você sente que alguém não está respeitando você ou os seus limites."

"É um momento muito importante", prossegue ele. "Porque, se você emprestar dinheiro, você poderá destruir o relacionamento. E, se não emprestar o dinheiro, você também poderá destruir o relacionamento — eles poderão ficar muito ressentidos com você. Em um momento de necessidade, você não estava disponível."

Por que o planejamento é importante

Os especialistas concordam que, se você entrar na situação sem um plano claro de pagamento, provavelmente sobrevirão efeitos negativos : "é uma receita para o ressentimento", segundo Klontz.

É claro que pagar eventualmente a conta de um jantar ou bebidas é diferente de emprestar formalmente um montante específico a alguém. É absolutamente normal que amigos emprestem a amigos e esse tipo de empréstimo muitas vezes ocorre com alto grau de ambiguidade — pode depender da pessoa ou da ocasião.

Mas especialistas afirmam que emprestar dinheiro a amigos se torna um problema quando vira um padrão - e quando o amigo espera que você continue pagando as contas. "É aí que você precisa ser muito claro: 'Estou feliz por sair com você, mas não vou pagar seu jantar desta vez'. É esse tipo de transparência — as expectativas iniciais — que você precisa definir com as pessoas", afirma Collins.

Para empréstimos mais substanciais, "a primeira coisa a fazer é tomar um tempo para pensar sobre isso", aconselha Baker, e consultar seu parceiro, familiares ou qualquer outra pessoa que compartilhe suas decisões financeiras.

Collins afirma que, mesmo que você não tenha um contrato por escrito, é bom definir um plano de pagamento com prazos específicos. Se você estiver emprestando a alguém a metade do seu aluguel — US$ 500 (R$ 2.700), por exemplo — diga: "Sei que você recebe no dia 15; que tal você me pagar os US$ 500 no dia 17? Ou, se você quiser dividir em dois pagamentos de US$ 250, você pode me pagar US$ 250 no dia 15 e US$ 250 no dia 30".

Para empréstimos mais substanciais, "a primeira coisa a fazer é tomar um tempo para pensar sobre isso", aconselha Baker, e consultar seu parceiro, familiares ou qualquer outra pessoa que compartilhe suas decisões financeiras
Para empréstimos mais substanciais, "a primeira coisa a fazer é tomar um tempo para pensar sobre isso", aconselha Baker, e consultar seu parceiro, familiares ou qualquer outra pessoa que compartilhe suas decisões financeiras
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Seja preciso", aconselha Collins.

"Pode parecer draconiano para algumas pessoas, mas eu os faria redigir um contrato", aconselha Baker. Seja o mais específico possível e até considere a ideia de cobrar juros - embora talvez não tão altos quanto o banco, segundo Baker; você poderá conceder um desconto de "familiar ou amigo". E, se você realmente quiser evitar o assunto por completo, poderá ser uma boa ideia realmente ir a um banco.

"Dê à pessoa uma chance de pensar se ela realmente quer solicitar esse empréstimo para você", orienta Baker, "ou se ela prefere ir a um banco, onde tudo é impessoal e o relacionamento não será prejudicado?"

Não importa qual seja a dinâmica, aja de forma clara se o seu amigo tiver um passado problemático com dinheiro. "Você precisa cuidar para não capacitar financeiramente alguém", segundo Klontz. Ele afirma que você não irá querer que sua ajuda financeira acabe, na verdade, por prejudicá-los, o que pode acontecer se ele estiver "em uma grande confusão financeira" com "padrão crônico de má gestão das finanças".

Sem regras genéricas

Ainda assim, os especialistas salientam que cada cenário é diferente, pois os relacionamentos com as pessoas apresentam amplas variações, bem como suas próprias circunstâncias individuais. E, embora muitos empréstimos que você gostaria de ver pagos de volta acabem se tornando doações, poderá haver situações em que a transação deverá ser considerada um presente e ponto final.

Por exemplo, se alguém geralmente for responsável e tiver um emprego fixo, mas subitamente sofrer uma fatalidade — uma emergência médica, um incêndio doméstico ou algo similar — e necessitar de apoio, Baker diz "vou simplesmente dar a ele o dinheiro", sem esperar retorno.

E, na verdade, nossas redes sociais são o que nos conduz em tempos difíceis, seja um grupo de amigos, familiares, vizinhos, grupos religiosos, colegas etc. "Esse tipo de rede é o que nos ajuda a sobreviver", segundo Collins. Mas "você precisa fazer de uma forma que funcione, com todos tendo claras suas expectativas".

E, se você antecipar suas expectativas - seja se você quiser emprestar o dinheiro e, se o fizer, se quer o dinheiro de volta e quando —, você poderá ajudar um amigo em necessidade sem destruir o relacionamento.

Seja honesto quando o dinheiro entrar em um relacionamento próximo, aconselha Collins. "Você precisa romper com esse tabu."

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