Desde o Concílio Vaticano II, convocado há cinco décadas pelo papa João XXIII e classificado por João Paulo II como "um momento de reflexão global da Igreja Católica sobre si mesma e sobre as suas relações com o mundo", a instituição não vivia um momento tão importante em sua história. É o que afirma Robert Mickens, correspondente em Roma para o jornal The Tablet, um semanário católico internacional fundado em Londres em 1840. Segundo ele, a inesperada renúncia do papa Bento XVI, anunciada nesta segunda-feira, vai definir o futuro da Igreja.
"Esse é o momento mais importante da Igreja desde o Concílio Vaticano II, de 1961. Se o novo Papa estava fazendo movimentos contrários às ideias de Bento XVI e aos seus aliados mais próximos, isso pode levar a divisões profundas dentro da Igreja. Com a renúncia de um Papa e a eleição de outro, a Igreja entra em águas inexploradas, pelo menos para a idade moderna. Os líderes de outras ordens cristãs têm sido capazes de renunciar e entregar as rédeas do poder de maneira harmoniosa, mas Bento XVI concorda que a Igreja de Roma não é como qualquer outra", salientou ele.
Para o Monsenhor Robert Wister, professor de História Eclesiástica na Seton Hall University, em Nova Jersey (EUA), o novo Papa deverá ter posturas diferentes de Bento XVI. "O novo homem terá de ser um administrador melhor e saber delegar melhor a autoridade do que o atual Papa. Um cardeal com experiência em uma grande diocese, que fale muitas línguas e tenha cerca de 70 anos de idade, seria um bom candidato. Scola, em Milão é, provavelmente, o principal candidato italiano", afirmou.
"Eu acredito que o Papa Bento XVI reconheceu que é necessária uma liderança forte e que a sua saúde está em declínio. A velhice convenceu-o que um homem mais novo era necessário para liderar. A Igreja Católica não tem leis ou regras para lidar com uma situação de um possível 'inválido' Bento XVI, e ele poupou a instituição deste problema", completou Wister.
Bento XVI anunciou em latim a decisão pela primeira vez durante um consistório (reunião de cardeais) no Vaticano nesta segunda-feira. Em comunicado, ele disse que tomou a decisão por considerar que sua condição de saúde e idade avançada não eram adequadas para continuar no cargo. O Pontífice continuará realizando suas funções normalmente até o dia 28 de fevereiro.
Eleição deve seguir o conservadorismo
Apesar de Mickens e Wister defenderem que o Papa ideal seja um cardeal latino-americano, africano ou asiático, carismático e identificado com os países emergentes, eles acreditam que o Conclave deve acabar optando por um europeu conservador, ligado às ideias de Joseph Ratzinger.
"O mais provável é que o homem que sucederá Bento XVI seja um bispo de Roma, que compartilhe a sua visão da Igreja - tradicional, resistente a mudanças estruturais e insistente em ser uma minoria profética num mundo que está perdendo as rédeas. Ao renunciar, Bento XVI terá uma oportunidade sem precedentes para garantir isso, já que os cardeais serão hesitantes em escolher alguém que leve a Igreja para uma direção diferente", analisou Mickens.
"Ao contrário de 100 anos atrás, a esmagadora maioria dos católicos hoje está no mundo em desenvolvimento (América Latina, África e Ásia), mas, infelizmente, os europeus e americanos estão em esmagadora maioria no Colégio dos Cardeais. Eu acredito que seria necessário para a Igreja reconhecer a importância crescente do mundo em desenvolvimento e diminuir a influência do catolicismo europeu", disse o Monsenhor Wister, que possui o título eclesiástico de honra conferido aos sacerdotes da Igreja pelo Papa.
Surpresa no Vaticano
Em entrevista coletiva para esclarecer a decisão do Papa, o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, afirmou na manhã desta segunda-feira que todos se surpreenderam, inclusive os assistentes mais próximos. Ele também deixou claro que a decisão não foi tomada por quaisquer dificuldades que Ratzinger possar ter encontrado em seu papado, nem por uma doença específica, apenas pela idade avançada.
Bento XVI completará 86 em abril. Ele é o terceiro Papa mais velho da história, atrás apenas de Leão XII, que morreu aos 93 anos, e Clemente X, que chegou aos 86 anos. O porta-voz disse que o novo Conclave para eleger um novo Papa deverá ser realizado em algum dia de março, antes do final do mês. Bento XVI não irá participar da escolha, segundo Lombardi.
Renúncia Papal
A renúncia de um Papa está prevista no Código de Direito Canônico, que estabelece que para que seja válida é necessário que seja livre e especifica que não precisa ser aceita por ninguém.
Papa dá exemplo de que não se deve morrer no cargo, diz historiador:
"Se o Romano pontífice renunciar a seu ofício, requer-se para a validade que a renúncia seja livre e se manifeste formalmente, mas que não seja aceita por ninguém", estabelece o cânone 332,2 do Código de Direito Canônico, único elemento válido para julgar o tema. O último Sumo Pontífice a renunciar foi Gregório XII, em 1415. Bento XVI é o quarto Papa a renunciar ao cargo.
Entre os papáveis europeus, o cardeal italiano Angelo Scola, 71 anos, é visto como o preferido do papa Bento XVI. O sinal teria sido dado em 2011, quando Joseph Ratzinger promoveu Scola para o comando da diocese de Milão, uma das mais influentes da igreja católica o cargo já alçou a papa dois arcebispos no século XX, Paulo VI e Pio XI.
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Odilo Pedro Scherer, 63 anos, indicou que, para a imprensa estrangeira, ele está entre os mais cotados para suceder o papa Bento XVI. Dom Odilo nasceu em uma família de 13 filhos, de pais descendentes de alemães radicados no interior do Rio Grande do Sul.
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O cardeal nigeriano Francis Arinze, 80 anos, é prefeito regional emérito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Também visto como um conservador em assuntos como a homossexualidade, Arinze já entrou nas apostas dos "papáveis" no Conclave de 2005, quando Bento XVI foi escolhido como papa. O clérigo nigeriano, que se converteu ao catolicismo aos nove anos, se formou doutor em Teologia em Roma, foi ordenado sacerdote em 1958 e bispo em 1965, sendo que, em 1985, João Paulo II lhe designou como cardeal.
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Jorge Bergoglio, cardeal da Argentina, tem 77 anos. Sua idade, um pouco mais velho que seus adversários, pesa contra no momento em que a Igreja busca por um papa mais jovem. Bergoglio tem origem jesuíta e ficou conhecido por haver sido responsável na América Latina pela redação do documento sobre o segredo de Aparecida.
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O cardeal Tarcisio Pietro Bertone, secretário de Estado do Vaticano, é o atual camerlengo, como se denomina o administrador de bens e direitos temporários da Santa Sé até a escolha do sucessor de Bento XVI. Bertone nasceu na cidade turinesa de Romano Canavese, em 2 de dezembro de 1934. Membro da Sociedade de São Francisco de Sales São João Bosco (salesianos), estudou no Oratório di Valdocco e no noviciado salesiano de Monte Oliveto, em Pinerolo (Itália).
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João Braz de Aviz, atual prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, mora em Roma, e será um dos cinco cardeais brasileiros que vão participar do Conclave que elegerá o sucessor do papa Bento XVI.
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O cardeal Timothy Dolan, 63 anos, arcebispo de Nova York, está na lista dos mais cotados. Entre os 117 cardeais que votam no Conclave, Dolan se destaca pelo bom humor: está sempre sorrindo e não perde a oportunidade de fazer piadas. Caso seja eleito, sua personalidade pode ajudar a Igreja Católica a reconstruir uma imagem danificada por escândalos sexuais e divisões internas.
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Aos 61 anos, o arcebispo de Budapeste, Peter Ergö, 60 anos, é um dos mais jovens cardeais do Vaticano, mas isso não o impede de defender um catolicismo mais conservador. Como presidente da Conferência Episcopal da Europa, Erdö prega que, apesar das pressões, a Igreja revitalize e dissemine os seus dogmas tradicionais.
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O cardeal dom Cláudio Hummes, de 78 anos, é um dos brasileiros com maior trânsito na burocracia vaticana. Ex-arcebispo de São Paulo, foi prefeito para a Congregação para o Clero (espécie de ministro papal) até 2011. Desde então, é membro da Pontifícia Comissão para a América Latina.
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John Onaiyekan, cardeal da Nigéria, foi ordenado em 3 de agosto de 1969. Professor de Sagrada Escritura e francês no Colégio São Kizito, Isanlu em 1969, reitor do Seminário Menor São Clemente de Lokoja, em 1971, e estudou em Roma a partir desse ano.
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O cardeal canadense Marc Ouellet já chegou a afirmar que virar Papa "seria um pesadelo", mas este defensor ferrenho da ortodoxia, que viveu muitos anos na Colômbia e comanda a Pontifícia Comissão para a América Latina, é considerado um dos favoritos para suceder Bento XVI. Ouellet, um teólogo de prestígio, de 68 anos, provocou fortes polêmicas em Quebec, a província francófona do Canadá, ao defender nos anos 2000 as posições do Vaticano contra o casamento gay e contra o aborto, inclusive nos casos de estupro, e criticar a "decadência" de uma sociedade na qual duas em cada três crianças nascem fora do matrimônio.
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Oscar Andres Rodriguez, cardeal-arcebispo de Tegucigalpa desde 8 de janeiro de 1993, recebeu a ordenação presbiteral no dia 28 de junho de 1970, pelas mãos de Dom Girolamo Prigione. Foi ordenado bispo no dia 8 de dezembro de 1978 e se tornou cardeal no consistório de 21 de fevereiro de 2001, presidido por João Paulo II, recebendo o título de Cardeal-presbítero de Santa Maria da Esperança. Apoiou o Golpe de Estado em Honduras em 28 de junho de 2009. Desde 2007 é Presidente da Cáritas Internacional, sendo reeleito em maio de 2011 para o período que se concluirá em 2015.
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O cardeal-arcebispo austríaco Christoph Schönborn, ao contrário, tem uma idade considerada ideal: 67 anos, que lhe conferem ao mesmo tempo experiência e longos anos de pontificado pela frente. A dedicação profunda aos estudos também o aproxima do atual papa, chamado de "pai intelectual" do austríaco.
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O cardeal filipino Luis Antonio Tagle, de 55 anos, o mais jovem dos cardeais cotados para suceder Bento XVI, é considerado um progressista por sua pregação por uma Igreja humilde, em um país de grande fervor religioso e de muita pobreza. Especialista do Concílio Vaticano II e teólogo brilhante formado nas Filipinas e nos Estados Unidos, Luis Antonio "Chito" Tagle tem trinta anos a menos que Bento XVI, o Papa que renunciou aos 85 anos por falta de forças.
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Peter Kodwao Appiah Turkson, cardeal de Gana, talvez o mais preparado dos papáveis africanos, foi designado arcebispo de Cape Coast em 1992 pelo papa João Paulo II, quem lhe ordenou cardeal em 2003. Turkson é um especialista na Bíblia, já que estudou as Sagradas Escrituras no Instituto Pontifício Bíblico de Roma, onde se formou em 1980 e se tornou doutor nessa mesma matéria em 1992.
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O cardeal americano Sean O'Malley, com muita fama na internet, cumpriu uma importante tarefa há dez anos ao limpar a diocese de Boston, atingida por um escândalo de padres pedófilos. Conhecido por sua simplicidade, de acordo com a pregada por sua ordem - do padre Pierre da França -, este erudito de 68 anos e língua hispânica, de óculos e barba branca, retomou em 2003 a diocese onde eclodiu o primeiro escândalo com impacto internacional sobre abusos sexuais na Igreja Católica.