Radicalismo de Donald Trump cria desconfiança inédita de europeus nos Estados Unidos
A guerra comercial do presidente americano, Donald Trump, tem ampliado o boicote de produtos americanos na França. As reservas de viagens para os Estados Unidos neste verão, em julho e agosto, para Nova York, Los Angeles e São Francisco, caíram de 23% a 26% em relação ao ano passado. O aumento dos preços das passagens aéreas influi nesse recuo, mas as tensões geopolíticas, a guerra comercial e a atitude de desprezo de Trump pelos europeus abriu um fosso entre as duas regiões.
A guerra comercial do presidente americano, Donald Trump, tem ampliado o boicote de produtos americanos na França. As reservas de viagens para os Estados Unidos neste verão, em julho e agosto, para Nova York, Los Angeles e São Francisco, caíram de 23% a 26% em relação ao ano passado. O aumento dos preços das passagens aéreas influi nesse recuo, mas as tensões geopolíticas, a guerra comercial e a atitude de desprezo de Trump pelos europeus abriu um fosso entre as duas regiões.
O movimento anti-Trump e de boicote aos Estados Unidos já tem alguns meses. Começou desde que o republicano se aproximou do presidente russo, Vladimir Putin, cedendo às pressões de Moscou nas negociações para um cessar-fogo na Ucrânia, em condições desfavoráveis aos ucranianos - sem resultados até o momento -, e só foi piorando com as repetidas humilhações aos europeus, chamados de "aproveitadores" e "parasitas" pela equipe de Trump, do vice J.D. Vance, ao secretário da Defesa, Pete Hegseth, e Elon Musk.
Na segunda quinzena de março, antes da tempestade tarifária, uma pesquisa Ifop já mostrava que 62% dos franceses apoiavam o boicote aos produtos americanos, e 32% estavam evitando certas marcas, como Coca-Cola, McDonald's, Tesla e Starbucks. Essa reação pode ser questionada, uma vez que essas empresas também geram empregos na França. Mas a rejeição é fortalecida por uma outra tendência: a do consumo responsável. Atualmente, 81% dos franceses preferem consumir produtos locais para apoiar a economia francesa e a transição ecológica.
É curioso que a taxa de boicote chega a 51% entre pessoas que se declaram "muito feministas" e 55% entre aquelas que se definem como "muito progressistas" em questões sociais. Outro sinal de boicote: as reservas de viagens para os Estados Unidos neste verão, em julho e agosto, recuaram.
Todos perdem com essa crise, a começar pelos americanos, que além da ameaça de inflação agora percebem uma outra consequência: os Estados Unidos estão perdendo a posição de economia mais segura do planeta. O aumento dos juros dos títulos da dívida (US$ 29 trilhões), desde quarta-feira (9), demonstra o abalo estrutural na confiança dos investidores pelos ativos americanos e no próprio dólar como reserva de valor.
Alemanha começa a repatriar reservas de ouro dos EUA
A Alemanha e outros investidores europeus estão repatriando as reservas de ouro que mantêm no banco central americano (Federal Reserve), por perda de confiança e pelo temor de decisões arbitrárias de Trump na área jurídica.
O republicano voltou atrás e suspendeu por 90 dias as tarifas adicionais que tinha imposto à União Europeia. Ele baixou de 20% para 10%, no mesmo dia em que elas entraram em vigor. Mas aço, alumínio e veículos continuam com 25% de sobretaxas. Para os governos europeus, essa decisão não representa um recuo de Trump, mas talvez só uma forma dele atacar com mais virulência no futuro.
O presidente Emmanuel Macron fez esse alerta nesta sexta-feira: serão três meses de profunda incerteza para as empresas e nenhuma garantia. A União Europeia deve continuar trabalhando em futuras retaliações, disse Macron.
Apesar do pessimismo generalizado, a maioria dos analistas franceses aprovaram a reação moderada da União Europeia, que, sem entrar numa escalada, taxou alguns produtos americanos, e suspendeu em seguida quando Trump se mostrou disposto a negociar. A imagem da UE como um bloco dividido, incapaz de agir unido e lento na tomada de decisões está melhorando, por obra do Trump.
Desta vez, a Comissão Europeia antecipou os cenários e tudo está bem amarrado com os líderes dos 27 países. Na segunda-feira (14), o secretário europeu do Comércio, o eslovaco Maros Sefcovic, vai a Washington negociar as tarifas. Os europeus já aceitaram pagar mais caro pelo gás liquefeito importado dos EUA, uma cobrança de Trump para reequilibrar a balança comercial. Atualmente, a Europa ainda precisa dessa fonte de energia, mas essa despesa tende a diminuir com o avanço da transição energética. Pouco importa se a primeira-ministra de extrema direita da Itália, Georgia Meloni, vai aparecer durante a semana posando ao lado de Trump, na Casa Branca. Meloni não tem meios de romper com a unidade dos europeus nesse momento.
Enxurrada de produtos chineses no bloco
A Comissão Europeia está bastante preocupada com a possível enxurrada de produtos baratos provenientes da China. No ano passado, só na França, os sites chineses Shein e Temu faturaram juntos cerca de R$ 32 bilhões (€ 4,8 bilhões), equivalentes em número de remessas ao dobro de 2023 e três vezes mais do que 2022.
Até agora, o maior mercado desses varejistas era os Estados Unidos, com vendas estimadas em US$ 46 bilhões. Mas com a sobretaxa americana de 145% sobre as importações chinesas, e a retaliação de 125% do governo chinês, a União Europeia e seus 450 milhões de consumidores se tornam um mercado estratégico para Pequim.
Há dois anos, os europeus negociam com a China o fim de uma isenção alfandegária para remessas inferiores a R$ 1.000 (€ 150). A medida vai na mesma linha da "taxa das blusinhas" de Trump. Enquanto esta isenção não desaparece, a UE promove investigações e aplica multas a essas plataformas chinesas por falsificação de produtos e descumprimento de regras de segurança.
O principal objetivo da Comissão é tratar de forma global o excedente industrial chinês, seja em relação aos carros elétricos, painéis solares, remédios, às torres eólicas ou máquinas industriais. Na terça-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já conversou por telefone sobre o assunto com o primeiro-ministro chinês, Li Qiang. As rodadas de diálogo continuarão até a Cúpula China-UE, prevista em junho.
Ilha de democracia
Nesse momento de mudança na ordem geopolítica internacional, muitos se questionam se pode haver uma maior aproximação da UE com a China. Nesta sexta, o presidente Xi Jinping defendeu que Pequim e o bloco europeu devem "resistir juntos" a qualquer coerção unilateral dos Estados Unidos. Mas a possibilidade de um estreitamento das relações entre europeus e chineses é complexa e depende de vários fatores.
O apoio econômico e diplomático da China à Rússia na guerra na Ucrânia não é aceito pela opinião pública na Europa. O desequilíbrio de balança comercial entre a China e o bloco é gigantesco, mas juntos os 27 países ainda são a terceira região mais rica do mundo. Questões de direitos humanos e transparência continuam sendo barreiras para uma aliança mais profunda.
Os europeus acreditam que, apesar do momento difícil que estão atravessando, o mais grave desde o fim de Segunda Guerra Mundial, o bloco ainda é uma região com forte potencial de recuperação de competitividade, por causa de um de seus principais ativos: a democracia. Entre os desvarios de Trump e sociedades controladas por governos autoritários, como é a China, os europeus pretendem manter sua atratividade pela estabilidade de regras.