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Europa

Cidade turca vira 'capital do colete salva-vidas'

28 ago 2015 - 10h56
(atualizado às 11h32)
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A cidade de Izmir, na costa mediterrânea da Turquia, é um conhecido destino turístico. E agora os comerciantes da cidade ganharam uma nova oportunidade de negócio com a chegada de refugiados que fogem da guerra civil na Síria e usam a cidade como escala para a Europa.

Comerciantes de Izmir, na costa da Turquia, encontraram um novo nicho de mercado: a venda de coletes para imigrantes ilegais que tentam alcançar a Grécia pelo mar
Comerciantes de Izmir, na costa da Turquia, encontraram um novo nicho de mercado: a venda de coletes para imigrantes ilegais que tentam alcançar a Grécia pelo mar
Foto: Divulgação/BBC Brasil

Turistas sempre chegaram a Izmir aos montes, atraídos pelas ruínas ancestrais e pela beleza da costa do mar Egeu. Mas a cidade hoje recebe milhares de pessoas por uma razão bem diferente: está se tornando uma das principais bases de tráfico humano para a Europa.

No centro histórico da cidade, as ruas estão lotadas de famílias da Síria e do Iraque, todas esperando por barcos para a Europa. Elas vivem em calçadas, plataformas de trem e rotatórias - qualquer lugar onde encontrem espaço. Muitos hotéis não oferecem quartos mesmo se elas possam pagá-los.

Crianças e bebês dormem sobre montes de bagagens enquanto as famílias ajuntam os pertences em torno delas. Enrolam todas as coisas em sacolas pretas de plástico para evitar que fiquem molhadas durante a jornada de barco até a Grécia.

Ninguém sabe se irá viajar nesta noite ou na próxima semana. Todos aqui estão esperando.

Oportunidade de negócio

Os moradores de Izmir estão preocupados com os efeitos dessa onda de migração sobre o turismo, mas as lojas de uma das principais vias da cidade se adaptaram de forma rápida.

E se antes elas costumavam vender souvenires, sapatos, roupas ou apetrechos elétricos, agora se engajam em um comércio frenético de coletes salva-vidas e de flutuação.

A demanda é enorme. E não apenas pelo risco da viagem às ilhas gregas em botes de lona, mas porque a maioria dos sírios e iraquianos que conheci aqui não sabe nadar.

Em uma das lojas, eu conheci Mahmoud, um estudante de Aleppo. Ele fugiu da Síria há um ano e agora trabalha para um comerciante turco vendendo coletes salva-vidas a seus conterrâneos.

"Vendemos cerca de 100 a 150 coletes por dia, e cada vez mais gente vem comprar", ele afirma. A loja começou até a vender uma linha de coletes para crianças e bebês.

"Ficamos com muito medo pelas crianças quando o barco começou a afundar", conta um homem sírio em meio à multidão na plataforma da estação Basmane. Na noite anterior, ele havia tentado, sem sucesso, chegar à Grécia.

"Nadamos 7 km de volta à Turquia empurrando as crianças até a costa. Elas se agarraram a uma boia de borracha, e foi assim que sobreviveram."

Jornada de risco

Um grupo de sírios ouve a conversa com atenção. Os traficantes de pessoas nunca mencionam a possibilidade de acidentes.

"Esse homem", ele diz, apontando para um amigo, "saltou para fora para dar uma chance de sobrevivência para as crianças do barco. Pensou que sem o peso dele o barco poderia não afundar."

Ele indica outro amigo e ri. "Esse aqui nem sabe nadar mas encarou essa jornada. É muito corajoso."

Eles se cumprimentam com tapas nas costas com o sentimento de quem viu a morte de perto e voltou para contar.

O grupo havia escapado quatro dias antes de Raqqa, no norte da Síria, onde o grupo radical autodenominado Estado Islâmico (EI) tem sua base.

E mesmo se morrerem, dizem, é melhor tentar a liberdade do que viver sob o domínio do 'EI'. "Em Raqqa, a vida não é sua - é deles. Você tem que obedecer ou morre. E sente a morte por perto a todo momento."

'Calouros' e calejados

Logo fica claro que a multidão pode ser dividida em dois grupos - aqueles que já tentaram e falharam na tentativa de chegar à Grécia, e os que ainda esperam embarcar pela primeira vez.

Os "calouros" ainda juntam vários sacos plásticos, enquanto os viajantes mais experientes perderam a maioria dos pertences ou agora preferem manter apenas as coisas realmente necessárias.

Parece que a vida pode ser reduzida a alguns pertences básicos - celulares, passaportes e dinheiro. Mas como você protege essas coisas diante da possibilidade de nadar por horas no mar? Na calçada no lado de fora da estação, muitos homens vendem balões coloridos vazios.

Esses balões, dizem os vendedores, se expandem para segurar até os celulares maiores, e são completamente à prova de água, assegurando que o telefone esteja em funcionamento quando chegar à Grécia.

"Você quer o amarelo, vermelho ou rosa?", pergunta o vendedor, segurando um conjunto de balões modificados em diferentes cores - isso torna a identificação mais fácil se você perdê-los de vista no mar.

Alguns dias depois, estou na Grécia correndo para pegar um trem e quase tropeço em algo perto da água. Olhando para baixo, encontro os restos rasgados de um balão rosa brilhante - e muito familiar.

Cachorro toma banho e brinca como se fosse criança:
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