PUBLICIDADE

Mundo

Crise na Venezuela: Por que ainda sou chavista - o que pensa uma apoiadora de Maduro

Angela Villarreal tem 24 anos e vem de uma família de classe média de uma cidade satélite de Caracas. Com o pai na oposição e mãe chavista, ela se mantém firme em seu apoio à chamada revolução bolivariana, apesar da crise econômica que o país sofre, das acusações de corrupção e de violação dos direitos humanos. Aqui ela explica suas razões.

10 mar 2019 - 19h57
(atualizado em 11/3/2019 às 08h54)
Compartilhar
Exibir comentários
Angela mora perto de Caracas com sua mãe, que é chavista, e seu pai, um oposicionista
Angela mora perto de Caracas com sua mãe, que é chavista, e seu pai, um oposicionista
Foto: Fabiola Ferrero / BBC News Brasil

Ela diz que não é fácil ser chavista na Venezuela hoje.

Mas Angela Villarreal, 24, continua firme em suas ideias, apesar da crise econômica e das acusações de corrupção e violação de direitos humanos contra o governo de Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez.

Ela mora em Guatire, cidade a 45 minutos de Caracas, com sua família de classe média. Sua mãe é chavista, e seu pai, opositor. Angela está prestes a terminar a faculdade de Sociologia, é membro do partido governista PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) e trabalha em uma instituição pública.

Em um momento de intensa crise política e institucional no país desde que o oposicionista Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino da Venezuela em janeiro, por não reconhecer a reeleição de Maduro, Villarreal explica suas razões.

Este é seu depoimento.

A crise atual

Eu sinto que o verdadeiro inimigo do chavismo é o próprio chavismo. Não temos alguém que possa se organizar eleitoralmente para nos contrapor. Sinto que, se a solução para o problema que existe agora for eleitoral, teríamos sucesso, mesmo que eles estabeleçam as regras e mudem as autoridades do CNE (Conselho Nacional Eleitoral). Eu aceitaria isso.

Sim, acho que venceríamos mesmo em uma eleição aberta com todos os candidatos e partidos. Internacionalmente muitos não entendem isso.

Chavista diz que oposição e governo estão desconectados da realidade do país
Chavista diz que oposição e governo estão desconectados da realidade do país
Foto: Fabiola Ferrero / BBC News Brasil

Seria difícil para a oposição organizar o descontentamento do povo e capitalizá-lo. E os chavistas são mais fechados em si, estamos todos alinhados. Nós escolhemos um candidato e é isso. As eleições são ganhas com organização e garanto que consigo ligar para uma garota como eu em todos os municípios do país. Eu não sei se a oposição tem isso.

O chavismo transformou culturalmente a sociedade venezuelana. Não estou aqui para debater se foi bom ou ruim. Esses senhores (da oposição) não entendem os códigos do país. Com o problema da inflação que temos, com o problema de comprar alimentos, medicamentos, não se justifica que você convoque (o povo) para uma passeata e para não reconhecer o presidente e que você possa sair na rua porque o país está calmo e que a maioria das pessoas não receba (essa mensagem).

O governo de Maduro tem uma desconexão, mas a oposição também.

Deterioração econômica e descontentamento

Há muita frustração. Muitas pessoas deram as costas ao chavismo. Mais do que adeptos, o chavismo perdeu emoção. Há pessoas que dizem: "Sou chavista, mas lamento dizer isso".

O fenômeno da migração, a grande quantidade de pessoas que estão indo embora, pode ser uma resposta a isso. Pessoas que não acreditam mais no chavismo e estão desapontadas, mas mais do que ficar contra, decidem que não se importam com nada e deixam o país tristes. Deixam tudo e perdem tudo.

A batalha contra a Assembleia Nacional

O que Hugo Chávez faz é levar para a política a polarização social que já existia. Diferenças são necessárias em qualquer democracia. Para mim, o problema é que a oposição abandonou a política e hoje Nicolás Maduro não tem oposição.

Temos milhares de problemas, mas estamos discutindo coisas arcaicas e nem sequer chegamos a discutir questões democráticas. A sociedade no primeiro mundo está discutindo o aborto, os direitos das mulheres.

Nós não chegamos a isso porque alguns senhores se esqueceram da política. Em 2015 (quando aconteceram as eleições para a Assembleia Nacional, que teve vitória da oposição), alguns senhores disseram: "vamos pegar o maluco que está em Miraflores (Palácio de Miraflores, sede da Presidência da Venezuela)". Maduro propôs uma Assembleia Nacional Constituinte em 2017 e eles não participaram.

Eles decidiram deixar um espaço vazio e na política não há espaços vazios.

Venezuelana não acredita que tortura seja uma política de Estado no país
Venezuelana não acredita que tortura seja uma política de Estado no país
Foto: Fabiola Ferrero / BBC News Brasil

Acusações ao governo de violações de direitos humanos, tortura e execuções extrajudiciais

Há investigações abertas sobre a Guarda Nacional, mas sinto que estes processos estão envoltos nos históricos atrasos processuais do sistema judicial venezuelano.

Eu não acredito que a tortura seja sistemática ou uma política de Estado.

Assassinatos de crianças nos bairros pobres pelas forças de segurança? Eu não acredito nas notícias que estão saindo neste ano. Aconteceu na Síria, no Iraque. Acho que o problema deste ano está na imprensa, porque não vejo na rua. Ando em Caracas de um lado para outro e sinto que não é real.

Em alguns bairros, o governo tem há anos uma terrível confusão com questões como tráfico de drogas, corrupção etc.

Em toda essa atmosfera de inquietude, sinto que é o submundo que vence. E esse é um problema não resolvido pelo chavismo, que achava que gerar mais acesso social reduziria a violência. E isso não aconteceu, ela até cresceu. Em alguns espaços, é como se o Estado não governasse.

Grupos de civis armados, chamados coletivos, em defesa do chavismo

Não vou negar que os coletivos existam. Internacionalmente não entendem de onde (esses grupos) vêm. Eu não estou justificando-os, não acho que para fazer política você precise de armas. Essas pessoas usaram armas desde 27 de fevereiro (de 1989, o "Caracazo", como ficou conhecida a repressão do Estado contra um protesto popular). É o jeito venezuelano de fazer política. Caracas inteira tem bairros combatentes. É um processo de defesa.

Eu não aceito que venham me dizer como devo me organizar. Por isso não me atrevo a entrar no (bairro) 23 de janeiro (bastião de coletivos chavistas) para dizer algo a fulano de tal porque, talvez, sem fulano de tal, esse bairro não tenha ordem. É preciso compreender a Venezuela.

Apesar de venderem que somos uma democracia perfeita e que na bonança petroleira chegamos a uma estabilidade econômica imensa, temos dívidas históricas para quitar. O contrabando na fronteira, a sobrevalorização da moeda não são assuntos novos. Temos muitos atrasos históricos.

Mas se me perguntam por que sou chavista, é porque sinto que é a única coisa que existe politicamente.

É preciso buscar mais transparência no governo, diz chavista
É preciso buscar mais transparência no governo, diz chavista
Foto: Fabiola Ferrero / BBC News Brasil

A corrupção no Estado e as denúncias contra altos cargos que rompem com o chavismo

Não se pode esperar que alguém mude de lado para dizer o que acontece ou não. Devemos ir em direção a uma maior transparência em nossos processos, porque a falta dela tira legitimidade.

A corrupção nos incomoda agora porque há menos dinheiro. Mas se havia mais dinheiro antes, havia mais corrupção. Agora nós a enxergamos porque não temos dinheiro.

Nestes 20 anos na PDVSA (petroleira estatal) houve corrupção, mas também houve educação pública e gratuita.

Por que sou chavista

Sinto que (os chavistas) são pessoas como eu, gente que me respeita. Posso postar qualquer coisa no meu blog e eles não me atacam por isso. Além de conflitos e problemas, temos um sonho, uma ideia clara do país.

Sempre gostei do exercício da política e eles foram os primeiros que me ofereceram uma participação na política (ainda) na escola. Na universidade, encontrei pessoas muito intolerantes. Acho que se eu tivesse encontrado opositores mais abertos, não estaria no chavismo.

E eu me considero de esquerda. Não de uma esquerda socialista e marxista. Eu acredito no público. Eu sou de uma esquerda muito diferente do chavismo, mas sinto que o chavismo é o que mais se parece comigo.

Apesar de chavista, Angela também critica partido de Maduro: "é monolítico, não aceita heterogeneidade"
Apesar de chavista, Angela também critica partido de Maduro: "é monolítico, não aceita heterogeneidade"
Foto: Fabiola Ferrero / BBC News Brasil

A crítica ao chavismo

Acho que o chavismo é monolítico, não aceita heterogeneidade. É aí que ele tem se esgotado. O chavismo, por exemplo, só concebe um jeito de ser jovem. Quando você escuta os discursos presidenciais, o jovem é o cara que trabalha pelo país. Os jovens não precisam necessariamente trabalhar por seu país.

Será um grande dilema para Nicolás Maduro e para todos os chavistas o que minha geração sentirá daqui a três anos.

Chávez dizia que minha geração era uma geração de ouro. Criou muitas universidades e muita gente estudou e se preparou e vai chegar aos 25 anos como eu, e vai querer ter um carro, porque, como em qualquer país do mundo, se sou profissional e sou boa no que faço, meu salário dá para ter um carro.

E agora os salários nem sequer dão para comprar a cesta básica.

O chavismo é muito conservador na família. Eu odeio isso. Não há outra maneira de ser mulher além de ser mãe.

Se você é progressista ou de esquerda tem que lutar para transformar isso. É a força política com maior participação das mulheres, mas ao mesmo tempo inventa projetos de atendimento apenas para você ser mãe.

O futuro do chavismo

Na oposição, há pessoas muito intolerantes. Não se trata de nós sermos os bons e ele, os maus. O chavismo é uma reinterpretação do popular. Tem sido difícil para eles entenderem isso (para a oposição). Chávez só foi capaz derrotar os Adecos (o partido AD, que dominou a política na Venezuela antes do chavismo) no dia em que os entendeu como uma manifestação.

Conflitos pessoais por ser chavista

Eu tive membros da minha família que queriam que eu morresse porque dizem que eu apoio uma ditadura. Eu não sou marginal, estúpida, má ou beneficiada, como falam dos chavistas.

Na faculdade foi muito difícil. Eu não tenho problema com alguém que me contrapõe com ideias, mas a violência me incomoda. Por que não podemos nos entender?

Angela acredita que crise na Venezuela não terá um desfecho muito grave
Angela acredita que crise na Venezuela não terá um desfecho muito grave
Foto: Fabiola Ferrero / BBC News Brasil

Como o atual conflito político terminará?

Não sei se estou sendo arrogante, mas acho que nada grave vai acontecer. A esquerda latino-americana tem um fetiche com a invasão americana. Todo mundo acredita que eles vão invadir.

Eu acho que os gringos têm interesses aqui, eles estão jogando uma carta muito importante, pressionando muito, mas na Venezuela não há ódios profundos como na Síria, na Líbia, os sunitas e os xiitas.

Nós não estamos nos matando. Há muita intolerância. Antes não havia tanta, mas não estamos nos matando e isso não vai acontecer num futuro próximo. A saída deve ser eleitoral.

Veja também:

Governo venezuelano culpa EUA pelo apagão:
BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade
Publicidade