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Como o 'Júpiter' Emmanuel Macron despencou do 'Olimpo' na França

Em apenas 18 meses no poder, marcados por uma série de reformas, Emmanuel Macron - apelidado ironicamente pelo movimento dos 'coletes amarelos' de Júpiter, o rei dos deuses romanos - enfrenta crise social e política inédita.

10 dez 2018 - 09h21
(atualizado às 10h24)
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Em apenas 18 meses no poder, marcados por uma série de reformas, Emmanuel Macron enfrenta crise social e política inédita
Em apenas 18 meses no poder, marcados por uma série de reformas, Emmanuel Macron enfrenta crise social e política inédita
Foto: EPA / BBC News Brasil

Apelidado ironicamente de Júpiter - o rei dos deuses na mitologia romana - o presidente francês, Emmanuel Macron, que enfrenta uma crise social e política inédita no país provocada pelo movimento dos "coletes amarelos", despencou do Olimpo - ou, na versão dos romanos, do Monte Capitolino, onde havia seu templo.

Foi Macron mesmo, ao descrever sua visão da função presidencial, quem acabou inspirando o apelido de Júpiter, utilizado também pela imprensa francesa.

Antes mesmo de se tornar candidato a presidente, ele havia declarado que a França precisava de um chefe de Estado "jupiteriano", alguém que soubesse convencer a sociedade e que conduzisse o país com determinação, fixando a direção.

Um contraste total em relação a François Hollande, que dizia ser um "presidente normal".

Macron, ao utilizar a expressão, quis restaurar a solenidade do poder presidencial. Nas últimas semanas, porém, "Macron cai fora" esteve entre as expressões mais repetidas em coro pela multidão nos protestos dos "coletes amarelos" ("gilets jaunes", em francês) em diversas cidades do país. As palavras "Macron demissão" chegaram a ser grafitadas até no Arco do Triunfo.

As manifestações deste sábado e domingo marcaram o quarto fim de semana consecutivo de tumultos no país.

Manifestante veste colete amarelo com os dizeres 'Macron cai fora'
Manifestante veste colete amarelo com os dizeres 'Macron cai fora'
Foto: AFP/Getty Images / BBC News Brasil

A situação do presidente hoje é bem diferente daquela quando foi eleito, em maio do ano passado, correspondendo a um desejo dos franceses de renovação total da classe política.

O centrista causou sensação na época, inclusive internacionalmente, ao realizar a façanha de se tornar presidente sem nunca ter disputado eleições antes, e ainda por cima concorrendo por um partido que ele acabara de criar.

Em apenas 18 meses de governo, contudo, marcados por uma avalanche de reformas - da redução da contribuição paga pelos mais ricos como imposto sobre fortunas a mudanças no sistema de ingresso nas universidades -, ele se tornou o alvo principal da revolta dos "coletes amarelos".

Injustiça social

Nessa crise, Macron passou a cristalizar todo o rancor dos manifestantes, provocado por um profundo sentimento de injustiça social.

As medidas adotadas por seu governo reacenderam essa percepção de desequilíbrio que já existe há tempos na sociedade francesa.

A gota d'água que provocou a exasperação - transformada em fúria - de parte da população foi a alta dos impostos sobre combustíveis. Daí o nome "coletes amarelos", em referência à peça de segurança obrigatória para os motoristas.

"Nunca vimos, em tão pouco tempo de governo, apenas 18 meses, um presidente suscitar um tal sentimento de revolta", disse à BBC News Brasil Bruno Cautrès, pesquisador do Centro da Vida Política Francesa (Cevipof) da Universidade Sciences Po.

Nos protestos dos "coletes amarelos" no último sábado, 264 pessoas ficaram feridas e mais de 1,7 mil foram presas na França, sendo quase 1,1 mil apenas em Paris, um recorde em uma manifestação.

Apesar do esquema de segurança amplamente reforçado na capital, com 8 mil policiais e blindados da polícia, houve novamente destruições e pilhagens de lojas em diferentes áreas da cidade.

A prefeitura de Paris estima que os estragos foram ainda maiores do que os do violento protesto de 1° de dezembro. Também houve incidentes em várias outras cidades.

Para Cautrès, do Cevipof, Macron cometeu um "erro de interpretação" ao não levar em conta, após sua posse, o resultado do primeiro turno da eleição presidencial, onde dois candidatos que representavam mudanças econômicas radicais, Jean-Luc Mélenchon, da extrema-esquerda, e Marine Le Pen, da extrema-direita, totalizaram 41% dos votos dos franceses.

Este foi o quarto fim de semana consecutivo de protestos na capital francesa
Este foi o quarto fim de semana consecutivo de protestos na capital francesa
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Ele negligenciou o primeiro turno da eleição presidencial e reinterpretou seu mandato apenas sob o ângulo do segundo turno. É um erro fatal," afirma.

Sua popularidade já vinha caindo há meses e, agora, em plena crise dos "coletes amarelos", ficou pela primeira vez abaixo da faixa de 20%, com somente 18% de opiniões favoráveis.

Lançado em meados de novembro para protestar contra o aumento dos impostos sobre combustíveis, o movimento dos "coletes amarelos" se tornou uma mobilização geral contra a política fiscal de Macron, considerada como favorável aos mais ricos, daí seu outro apelido, "presidente dos ricos".

Rapidamente, os "coletes amarelos", que alegam enfrentar dificuldades para pagar as despesas do dia-a-dia, passaram a exigir medidas para melhorar seu poder de compra, como o aumento do salário mínimo.

Uma reivindicação desse movimento heterogêneo e sem líder oficial é também a volta do Imposto sobre a Fortuna (ISF), extinto por Macron e visto por grande parte da população como um símbolo de justiça social.

Após uma reforma, somente patrimônios imobiliários acima de 1,3 milhão de euros (R$ 5,7 milhões) passaram a ser taxados, e os investimentos financeiros e outros bens foram excluídos do novo imposto. Com isso, o número de contribuintes do tributo (os 1% mais rico) foi reduzido em mais da metade.

"O Macron é visto por muitos franceses como alguém que agrava as injustiças sociais", disse à BBC News Brasil Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e Caribe (OPALC) da Sciences Po.

Ele acrescenta que o presidente flexibilizou o mercado de trabalho com medidas que facilitam a vida do empregador, mas isso não surtiu resultados efetivos na redução do desemprego.

Estrada lembra que mais da metade dos votos obtidos por Macron foi de eleitores de centro-esquerda, que não se identificavam com as posições mais radicais do candidato do Partido Socialista, de esquerda, Benoît Hamon.

Nesta segunda, Macron se reúne com representantes sindicais e de organizações patronais para discutir a crise
Nesta segunda, Macron se reúne com representantes sindicais e de organizações patronais para discutir a crise
Foto: EPA / BBC News Brasil

"Há um sentimento de decepção em relação às promessas do Macron. Não só porque suas reformas beneficiaram em particular os mais ricos, mas também porque outras medidas criaram o sentimento de que ele não se interessa pelos mais pobres", diz Estrada.

Logo no início do mandato, Macron reduziu o valor da ajuda social do governo para pagar aluguéis. O corte foi de apenas € 5 por mês (R$ 22), mas gerou forte polêmica.

Seu estilo de comunicação também é criticado. Entre as várias controvérsias, há a do vídeo divulgado pelo palácio presidencial no qual Macron, em reunião com colaboradores, diz que as ajudas sociais do governo custam "uma grana de louco".

Brice Teinturier, diretor-geral do instituto de pesquisas Ipsos, diz em entrevista ao Le Monde que os "coletes amarelos se sentem não apenas ignorados, mas também visados" pelo governo.

Segundo ele, Macron também cristaliza a raiva dos franceses devido à maneira como toma decisões, considerada tecnocrática, racional e fria, que não dá margem a discussões.

"Há ainda uma forma de intelectualismo nos conceitos e no vocabulário utilizados que acentuam a distância e alimentam essa visão de arrogância", diz Teinturier.

Só no último sábado, 264 pessoas ficaram feridas e mais de 1,7 mil pessoas foram presas durante manifestações na França
Só no último sábado, 264 pessoas ficaram feridas e mais de 1,7 mil pessoas foram presas durante manifestações na França
Foto: AFP/Getty Images / BBC News Brasil

Momento decisivo

Para especialistas, Macron se encontra em um momento decisivo de seu mandato.

"Haverá um antes e um depois dos coletes amarelos. Macron precisa mudar seu estilo de comunicação e também provavelmente o conteúdo de seu programa", diz Cautrès, do Cevipof. Para ele, a credibilidade do presidente foi abalada.

Macron havia dito que não cederia à pressão das ruas, mas acabou recuando e cancelado o aumento do imposto sobre combustíveis devido à violência dos protestos, chamados por alguns de "quase insurreição" nas ruas de Paris.

Ele dizia que se reformas não haviam sido feitas por outros governos é porque os presidentes não sabiam construir consensos e mostrar a direção.

"Macron fracassou ainda mais do que os outros presidentes porque ninguém até então tinha provocado conflitos a um nível tão intenso. Essa retórica de que ninguém antes de mim (Macron) sabia agir não foi um bom método", afirma Cautrès.

Seu recuo em relação aos impostos sobre combustíveis o coloca exatamente na mesma situação de seus predecessores, a de um presidente que voltou atrás por causa da pressão popular.

Há riscos de que o presidente não consiga levar adiante outras reformas.

'Quando as boutiques da Champs Elysées se adaptam às manifestações todos os sábados': protestos são marcados por críticas às diferenças sociais crescentes no país
'Quando as boutiques da Champs Elysées se adaptam às manifestações todos os sábados': protestos são marcados por críticas às diferenças sociais crescentes no país
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

"Não acho que agora Macron poderá fazer exatamente as mesmas reformas e no ritmo que desejava. Ele precisa conseguir reinventar um novo personagem para os franceses."

"Se Macron parar as reformas, seu discurso cai totalmente. Ele tem que mudar o alvo e focar nas pessoas mais pobres", afirma Estrada.

Discurso aguardado

Após vários dias de silêncio, quando era vaiado em cada aparição pública, o presidente fará um pronunciamento à nação na noite desta segunda-feira (no horário local), e deverá anunciar medidas para tentar acalmar a contestação.

Há grande expectativa no país em relação ao discurso, mas sabe-se que Macron não dispõe de margem de manobra financeira.

As medidas já anunciadas recentemente, como o fim do aumento dos impostos sobre combustíveis, deverão custar mais de 4 bilhões de euros em 2019.

O governo já excluiu a possibilidade de aumento do salário mínimo, afirmando que isso dificulta a situação financeira de pequenas empresas e "destrói empregos".

Macron também adotou a estratégia de enfraquecer a atuação dos sindicatos e se beneficiou de uma oposição dividida e fraca.

Mas isso se voltou contra ele na crise dos "coletes amarelos". Sem representantes oficiais do movimento, o governo não encontra interlocutores para negociar.

O presidente mudou de posição em relação a isso: nesta segunda-feira, ele se reúne com representantes sindicais e também organizações patronais para discutir a crise.

Antes mesmo do discurso de Macron, uma quinta jornada de protestos, no próximo sábado, está sendo convocada nas redes sociais.

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