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'Cobri 40 guerras e nunca vi um ano tão preocupante quanto 2025'

2025 foi um ano marcado por vários grandes conflitos, e fica cada vez mais claro que um deles tem implicações geopolíticas de importância sem precedentes

29 dez 2025 - 10h32
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Conteúdo sensível: Este artigo contém uma descrição gráfica da morte que alguns leitores podem achar perturbadora.

Ao longo da minha carreira, iniciada nos anos 1960, cobri mais de 40 guerras ao redor do mundo. Vi a Guerra Fria atingir o seu auge e, em seguida, simplesmente evaporar. Mas nunca testemunhei um ano tão preocupante quanto 2025; não apenas porque vários grandes conflitos estão em curso, mas porque está ficando claro que um deles tem implicações geopolíticas de importância sem precedentes.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, alertou que o conflito atual em seu país pode escalar para uma guerra mundial. Depois de quase 60 anos acompanhando conflitos, tenho a desagradável sensação de que ele pode estar certo.

O presidente da Ucrânia alertou que o atual conflito no país pode se transformar em uma guerra mundial
O presidente da Ucrânia alertou que o atual conflito no país pode se transformar em uma guerra mundial
Foto: AFP via Getty Images / BBC News Brasil

Governos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estão em alerta máximo diante de qualquer sinal de que a Rússia esteja cortando cabos submarinos responsáveis pelo tráfego eletrônico que mantém seus países em funcionamento. Drones russos são acusados de testar as defesas de membros da Otan. Hackers desenvolvem métodos para tirar do ar ministérios, serviços de emergência e grandes corporações.

Autoridades no Ocidente têm convicção de que os serviços secretos russos assassinam ou tentam assassinar dissidentes que buscam refúgio fora da Rússia. Uma investigação sobre a tentativa de assassinato em 2018, em Salisbury (Inglaterra), do ex-agente de inteligência russo Sergei Skripal (além do envenenamento fatal de uma moradora local, Dawn Sturgess), concluiu que o ataque foi autorizado no mais alto nível do Estado russo. Ou seja, pelo próprio presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Desta vez, parece diferente

O ano de 2025 tem sido marcado por três guerras muito distintas. Há, claro, a guerra da Ucrânia, onde a Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que 14 mil civis morreram. Há também Gaza, onde o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, prometeu "vingança poderosa" depois que cerca de 1.200 pessoas foram mortas no ataque do Hamas a Israel (em 07/10/23) e outras 251 foram feitas reféns.

Desde então, mais de 70 mil palestinos morreram em ações militares israelenses, incluindo mais de 30 mil mulheres e crianças, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas — números que a ONU considera confiáveis.

Enquanto isso, o Sudão enfrenta uma violenta guerra civil entre duas facções militares. Mais de 150 mil pessoas morreram no país nos últimos dois anos, e cerca de 12 milhões foram forçadas a deixar suas casas.

Talvez, se esse tivesse sido o único conflito de 2025, o mundo externo tivesse feito mais para tentar detê-lo. Mas não foi o caso.

"Sou bom em resolver guerras", disse o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enquanto seu avião o levava a Israel, depois de ter negociado um cessar-fogo nos combates em Gaza. É verdade que menos pessoas estão morrendo agora no território. Apesar do cessar-fogo, porém, a guerra em Gaza está longe de parecer resolvida.

Diante do sofrimento atroz no Oriente Médio, pode soar estranho dizer que a guerra na Ucrânia está em um patamar completamente diferente. Mas está.

"Sou bom em resolver guerras", disse o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump
"Sou bom em resolver guerras", disse o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump
Foto: Anna Moneymaker / Getty Images / BBC News Brasil

À exceção da Guerra Fria (1947-1991), a maioria dos conflitos que cobri como jornalista ao longo dos anos foi de menor escala: violentos e perigosos, sem dúvida, mas não graves o bastante para ameaçar a paz mundial. Alguns, como a Guerra do Vietnã (1955-1975), a Primeira Guerra do Golfo (1990-1991) e a Guerra do Kosovo (1998-1999), chegaram, em determinados momentos, a parecer à beira de algo muito pior, mas nunca ultrapassaram esse limite.

As grandes potências eram cautelosas demais diante do risco de que uma guerra convencional e localizada pudesse se transformar em um conflito nuclear.

"Não vou iniciar a Terceira Guerra Mundial por causa de vocês", teria gritado ao rádio o general britânico Sir Mike Jackson, em 1999, no Kosovo, quando um superior da Otan ordenou que forças britânicas e francesas tomassem um aeroporto em Pristina (capital do Kosovo) depois que tropas russas haviam chegado primeiro.

No próximo ano, 2026, no entanto, a Rússia, percebendo a aparente falta de interesse de Trump pela Europa, parece disposta a avançar em busca de uma dominância muito maior.

No início deste mês (02/12), Putin afirmou que a Rússia não planeja entrar em guerra com a Europa, mas disse estar pronta "agora mesmo" caso os europeus queiram.

Em um evento televisionado posterior, declarou: "Não haverá operações se vocês nos tratarem com respeito, se respeitarem nossos interesses, assim como sempre tentamos respeitar os de vocês".

Putin afirmou que a Rússia não pretende entrar em guerra com a Europa, mas disse estar pronta "agora mesmo" caso os europeus queiram
Putin afirmou que a Rússia não pretende entrar em guerra com a Europa, mas disse estar pronta "agora mesmo" caso os europeus queiram
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mas a Rússia, uma das grandes potências globais, já invadiu um país europeu independente, provocando um elevado número de mortes entre civis e militares. A Ucrânia acusa Moscou de ter sequestrado ao menos 20 mil crianças. O Tribunal Penal Internacional (ICC, na sigla em inglês) expediu um mandado de prisão contra Putin por seu suposto envolvimento no caso, acusação que a Rússia sempre negou.

O governo russo afirma que a invasão ocorreu para se proteger do avanço da Otan, mas o presidente Putin já indicou outro motivo: o desejo de restaurar a esfera de influência regional da Rússia.

Desaprovação americana

Putin tem plena consciência de que o último ano, 2025, trouxe algo que a maioria dos países ocidentais considerava impensável: a possibilidade de um presidente dos EUA virar as costas ao sistema estratégico em vigor desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Os EUA não apenas passaram a demonstrar incerteza quanto à disposição de proteger a Europa como também expressam desaprovação em relação ao rumo que acreditam que o continente vem tomando. O novo relatório de estratégia de segurança nacional do governo Trump afirma que a Europa enfrenta a "perspectiva sombria de apagamento civilizacional".

O governo russo acolheu o documento, dizendo que ele é compatível com a própria visão da Rússia. E, de fato, é.

Dentro do país, segundo a relatoria especial da ONU para direitos humanos na Rússia, Putin silenciou a maior parte da oposição interna a seu governo e à guerra na Ucrânia. Ainda assim, enfrenta dificuldades: a possibilidade de a inflação voltar a subir após um período de arrefecimento, a queda das receitas do petróleo e a necessidade de o governo ter elevado tributos para ajudar a financiar o conflito.

O presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, entraram em confronto durante uma reunião na Casa Branca, em fevereiro de 2025
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, entraram em confronto durante uma reunião na Casa Branca, em fevereiro de 2025
Foto: Reuters / BBC News Brasil

As economias da União Europeia são dez vezes maiores que as da Rússia, e ainda maior se for incluído o Reino Unido. A população europeia combinada, de cerca de 450 milhões de pessoas, é mais de três vezes superior à da Rússia, estimada em 145 milhões. Ainda assim, a Europa Ocidental tem demonstrado receio de abrir mão de seus confortos e, até recentemente, mostrou-se relutante em arcar com os custos da própria defesa enquanto pudesse contar com a proteção americana.

Os EUA também mudaram: tornaram-se menos influentes, mais voltados para dentro e cada vez mais distintos do país que acompanhei ao longo de toda a minha carreira. Agora, de forma semelhante ao que ocorreu nas décadas de 1920 e 1930, o foco se voltou para os próprios interesses nacionais.

Mesmo que Trump perca parte significativa de sua força política nas eleições legislativas do próximo ano, ele pode ter deslocado o debate tão fortemente em direção ao isolacionismo que até um presidente americano mais alinhado à Otan em 2028 teria dificuldade para socorrer a Europa.

Não pense que Vladimir Putin não tenha percebido isso.

O risco de escalada

O próximo ano, 2026, tende a ser decisivo. Zelensky pode se ver obrigado a aceitar um acordo de paz que implique a perda de uma parte significativa do território ucraniano. A questão é saber se haverá garantias suficientemente sólidas para impedir que Putin volte a avançar dentro de alguns anos.

Para a Ucrânia e seus aliados europeus, que já sentem estar em guerra com a Rússia, essa é uma pergunta central. A Europa terá de assumir uma parcela muito maior do esforço para sustentar o país, mas, se os EUA resolverem virar as costas para a Ucrânia, como às vezes ameaçam fazer, o custo será colossal.

Mas a guerra poderia se transformar em um confronto nuclear?

Sabemos que o presidente russo, Vladimir Putin, é um jogador. Um líder mais cauteloso teria evitado invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022. Seus auxiliares fazem ameaças aterradoras de apagar o Reino Unido e outros países europeus do mapa com as novas e alardeadas armas russas, mas o próprio Putin costuma ser bem mais contido.

Enquanto os EUA seguirem como um membro ativo da Otan, o risco de uma resposta nuclear devastadora por parte americana ainda é alto demais. Ao menos por ora.

O papel global da China

No caso da China, o presidente Xi Jinping tem feito poucas ameaças diretas recentemente contra a ilha autogovernada de Taiwan. Mas, há dois anos, o então diretor da CIA (agência americana de inteligência), William Burns, afirmou que Xi havia ordenado ao Exército de Libertação Popular (as Forças Armadas chinesas) que estivesse pronto para invadir Taiwan até 2027. Se a China não adotar alguma ação decisiva para reivindicar Taiwan, Xi pode considerar isso um sinal de fraqueza, algo que ele não deseja.

Hoje, pode parecer que a China é forte e rica demais para se preocupar com a opinião pública interna. Não é bem assim. Desde o levante contra Deng Xiaoping (1978-1989) em 1989, que terminou no massacre da Praça da Paz Celestial (Pequim), os líderes chineses passaram a monitorar com cuidado obsessivo a reação da população.

Acompanhei aqueles acontecimentos de perto, reportando e, em alguns momentos, chegando a viver na própria praça.

A história de 4 de junho de 1989, no massacre da Praça da Paz Celestial, não foi tão simples quanto se imaginava à época: soldados armados atirando contra estudantes desarmados. Isso de fato aconteceu, mas havia outra batalha em curso em Pequim e em muitas outras cidades chinesas. Milhares de trabalhadores comuns foram às ruas, determinados a usar o ataque aos estudantes como uma oportunidade para derrubar, de vez, o controle do Partido Comunista Chinês.

Quando percorri as ruas dois dias depois, vi pelo menos cinco delegacias e três sedes locais da polícia de segurança completamente queimadas. Em um subúrbio, uma multidão enfurecida havia ateado fogo a um policial e apoiado seu corpo carbonizado contra um muro. Um boné de uniforme fora colocado de maneira displicente em sua cabeça, e um cigarro havia sido enfiado entre seus lábios enegrecidos.

Ficou claro que o Exército da China não estava apenas reprimindo um protesto estudantil de longa duração, mas sufocando um levante popular protagonizado por cidadãos comuns.

A liderança política chinesa, ainda incapaz de apagar as lembranças do que ocorreu há 36 anos, mantém vigilância constante em busca de sinais de oposição, seja de grupos organizados como o Falun Gong (grupo espiritual banido na China desde o fim dos anos 1990), de igrejas cristãs independentes, do movimento pró-democracia em Hong Kong, ou mesmo de pessoas que protestam contra corrupção local. Todos são reprimidos com grande força.

Passei boa parte do tempo desde 1989 cobrindo a China, acompanhando sua ascensão ao poder econômico e político. Cheguei, inclusive, a conhecer um político de alto escalão que foi rival de Xi Jinping. Seu nome era Bo Xilai, um anglófilo que falava com surpreendente franqueza sobre a política chinesa.

Ele me disse certa vez: "Você nunca vai entender o quão inseguro um governo se sente quando sabe que não foi eleito".

Bo Xilai acabou condenado à prisão perpétua em 2013, após ser considerado culpado por suborno, desvio de recursos e abuso de poder.

John Simpson passou boa parte do tempo cobrindo a China desde 1989 (na foto, na Praça da Paz Celestial, em 2016)
John Simpson passou boa parte do tempo cobrindo a China desde 1989 (na foto, na Praça da Paz Celestial, em 2016)
Foto: BBC News Brasil

Ou seja, 2026 tende a ser um ano decisivo. A força da China continuará a crescer, e sua estratégia para tomar Taiwan, a grande ambição de Xi, ficará mais clara. É possível que a guerra na Ucrânia seja encerrada, mas em termos favoráveis a Putin.

Ele pode ficar livre para avançar novamente sobre território ucraniano quando considerar oportuno. E Trump, mesmo que tenha sua força política reduzida nas eleições legislativas de novembro, tende a afastar ainda mais os EUA da Europa.

Do ponto de vista europeu, o cenário dificilmente poderia ser mais sombrio.

Se você imaginava que a Terceira Guerra Mundial seria um confronto armado com armas nucleares, é melhor repensar. É muito mais provável que se manifeste como um conjunto de manobras diplomáticas e militares, em um contexto no qual a autocracia ganhe espaço. Isso pode, inclusive, ameaçar a coesão da aliança ocidental.

E esse processo já começou.

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