Apagão: por que crise de energia em Cuba não vem de hoje
Ilha está sofrendo desde a última sexta-feira com apagão; governo promete volta à normalidade entre esta segunda e terça-feira.
Desde sexta-feira (18/10), Cuba enfrenta um grande apagão que chegou a deixar cerca de 10 milhões de pessoas — praticamente toda a população — sem energia elétrica.
Nesta segunda-feira (21), o governo afirmou que pouco a pouco a situação está sendo resolvida, com 56% da capital, Havana, voltando a ter energia.
O ministro de Minas e Energia, Vicente de la O Levy, afirmou que o fornecimento de energia elétrica seria restabelecido para a maioria da população na noite desta segunda.
"O último cliente poderá receber o serviço [a volta] na terça-feira", disse o ministro.
Na última sexta-feira, a principal central elétrica da ilha falhou e todo o país ficou sem energia.
O fornecimento foi parcialmente restaurado no sábado, até entrar em colapso novamente.
Enquanto os cubanos esperam a volta à normalidade, eles estão vendo a comida apodrecer nas geladeiras.
"Faz três noites que estamos sem eletricidade e que a nossa comida está apodrecendo. Quatro dias sem eletricidade é um abuso para as crianças", disse à agência Associated Press (AP) Mary Karla, mãe de três filhos que não quis revelar o sobrenome.
Sem eletricidade, os fogões elétricos também não funcionam, por isso algumas famílias estão cozinhando com lenha.
Somando-se ao desconforto de estar no escuro, em muitas casas o abastecimento de água depende de bombas elétricas, por isso não há como limpar utensílios ou tomar banho. O comércio e as escolas precisaram fechar.
Nos últimos dias, houve panelaços em diversos lugares e, em outros, pessoas bloquearam ruas com pilhas de lixo — como em San Miguel del Padrón, um bairro pobre nos arredores de Havana.
Além do apagão, no domingo (20), o furacão Oscar atingiu o país. Agora transformado em tempestade tropical, teme-se que ele possa danificar a precária infraestrutura de distribuição de energia de Cuba.
Apesar de uma dimensão avassaladora, o apagão de sexta é apenas mais um de uma série de episódios com problemas na energia. Há muito tempo, a luz tem sido cortada ou racionada no país.
Neste ano, muitas residências cubanas já haviam ficado até oito horas por dia sem energia.
No entanto, este apagão é considerado o pior que Cuba sofreu desde que o furacão Ian atingiu a ilha como uma tempestade de categoria 3 em 2022 e afetou instalações elétricas que levaram dias para serem consertadas pelo governo.
As causas dos problemas recorrentes diferem, dependendo se você ouve a versão das autoridades cubanas ou de pessoas críticas ao governo.
Infraestrutura obsoleta e demanda maior
O apagão total ocorreu depois que a usina Antonio Guiteras — a maior da ilha — ficou fora de serviço por volta das 11h de sexta-feira, horário local.
A falha colapsou todo o sistema da ilha.
O presidente Miguel Díaz-Canel culpou o embargo que os Estados Unidos impõem à economia da ilha durante décadas, argumentando que o bloqueio impede a chegada de insumos e peças de reposição.
O ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, mais tarde repetiu as palavras do presidente ao publicar no X (antigo Twitter) que "se o embargo acabar, não haverá apagões".
"Desta forma, o governo dos Estados Unidos poderia apoiar o povo cubano... se quisesse".
As autoridades locais também atribuem os problemas à maior demanda de residências e empresas por aparelhos de ar condicionado.
Sobre o atual apagão, o ministro O Levy também argumentou que a situação estaria melhor se não tivessem ocorrido mais dois apagões parciais enquanto as autoridades tentavam restaurar a energia no sábado.
O ministro afirmou que México, Colômbia, Venezuela e Rússia, entre outros países, ofereceram ajuda.
Escassez de combustíveis
Além do embargo e do aumento da demanda, o governo cubano apontou outro motivo por trás dos problemas.
"A escassez de combustível é o fator mais importante", disse o primeiro-ministro Manuel Marrero em um pronunciamento na TV.
O presidente da União Elétrica Nacional, Alfredo López Valdés, também reconheceu que a ilha enfrenta uma situação difícil no que se refere à energia.
Cuba depende das importações para abastecer as suas centrais elétricas dependentes do petróleo, em grande parte obsoletas. E a ilha foi atingida este ano por uma queda nos envios cruciais de combustível da Venezuela.
Em 2000, o então presidente venezuelano Hugo Chávez assinou um acordo com Fidel Castro para fornecer cerca de 53 mil barris de petróleo por dia à ilha em troca do envio de missões médicas cubanas. O acordo continuou com Nicolás Maduro.
Embora em maio tenha havido uma recuperação no envio de petróleo, nos últimos anos o envio de combustível venezuelano para Cuba caiu consideravelmente devido à crise que há anos afeta um dos grandes aliados da ilha.
Também diminuiu o fluxo de combustível de outros grandes fornecedores, Rússia e México.
Neste último caso, o país reduziu a exportação em meio às eleições. A nova presidente Claudia Sheinbaum não se posicionou ainda sobre se o fornecimento a Cuba continuará.
Críticas à política estatal
No entanto, muitas vozes críticas às autoridades cubanas apontam outros problemas políticos e econômicos subjacentes à crise energética.
É o caso do economista Pedro Monreal, que em suas redes sociais reagiu à manchete "Cuba no combate ao desafio energético" que o jornal oficial Granma trazia na capa.
"Não é um desafio, é a ruína energética como resultado do falho planejamento centralizado imposto pelo poder político", escreveu Monreal na rede social X.
"É uma crise estrutural intensificada pelo fracasso na regulamentação e complicada por soluções ineficazes. É uma falência causada por decisões internas", acrescentou.
A jornalista cubana Monica Baró relatou em uma crônica no site Periodismo de Barrio que, embora os cubanos já estejam acostumados ao que chamam ironicamente de "alumbrones" (em tradução livre, algo como "acesões", uma brincadeira indicando que o tempo sem luz seria a regra), dessa vez foi diferente.
"Meu pai tem 72 anos. Ele viveu todas as crises em Cuba. Poucas coisas conseguem impressioná-lo, mas esta noite ele está impressionado".
Baró relata que, já em 2022, o especialista em energia Jorge Piñón, diretor do Programa Energético para a América Latina e o Caribe da Universidade do Texas, previu um "colapso total do sistema elétrico cubano".
Na entrevista à Rádio Martí, Piñón também questionou a "política de band-aid" do governo para resolver os problemas.
"É necessária uma recapitalização estrutural", disse.
'Não há nada que sustente o país'
Na última sexta-feira, as autoridades cubanas anunciaram o cancelamento de todas as atividades não essenciais.
No caso das escolas, numa medida inédita, as aulas foram suspensas até quarta-feira.
Na noite de domingo, em uma Havana completamente escura, apenas alguns negócios funcionavam, enquanto bares e residências eram alimentados por pequenos geradores movidos a combustível, informou a agência Reuters.
A maior parte da cidade de 2 milhões de habitantes ficou em silêncio.
Os moradores jogavam dominó nas calçadas, ouviam música em aparelhos de rádio movidos a bateria e sentavam-se na soleira de suas portas.
"Isso é uma loucura", disse Eloy Fon, um aposentado de 80 anos que vive no centro de Havana, à agência de notícias AFP.
"Isso mostra a fragilidade do nosso sistema elétrico… Não temos reservas, não há nada que sustente o país."
Foco de tensão
Longos apagões já são há algum tempo fonte de tensão em Cuba.
Em julho de 2021, milhares de manifestantes saíram às ruas para protestar contra os apagões que duraram dias em grande parte do país.
Em março desse ano, centenas de pessoas na segunda maior cidade cubana, Santiago, organizaram um raro protesto público contra apagões crônicos e a escassez de alimentos.
O governo cubano está cada vez mais consciente de que muitos na ilha perderam um pouco o medo de falar abertamente sobre os vários problemas que enfrentam diariamente.
Díaz-Canel apareceu na televisão nacional no domingo à noite vestido com um uniforme militar verde oliva incentivando os cubanos a expressarem suas queixas com disciplina e civilidade.
"Não vamos aceitar nem permitir que ninguém aja com vandalismo e muito menos perturbe a tranquilidade do nosso povo", disse o presidente, que raramente é visto uniformizado.
Enquanto isso, moradores de Havana Velha, como Anabel González, disseram à agência Reuters que os moradores estavam desesperados.
"Meu celular está mudo e ao olhar para a minha geladeira, percebi que o pouco que eu tinha apodreceu".