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África

Boko Haram favorece abrigo à Al-Qaeda, diz especialista

Demonstrando total incapacidade de solucionar o sequestro de mais de 200 meninas de uma escola de Chibok, o governo nigeriano, finalmente, passará a contar com ajuda internacional; mobilização acontece após intensa campanha nas redes sociais

9 mai 2014 - 17h14
(atualizado às 18h15)
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<p>O sequestro das adolescentes nigerianas pelo grupo fundamentalista Boko Haram expôs ao mundo os conflitos religiosos existentes no país </p>
O sequestro das adolescentes nigerianas pelo grupo fundamentalista Boko Haram expôs ao mundo os conflitos religiosos existentes no país
Foto: AP

O grupo Boko Haram, até então pouco conhecido fora da Nigéria, chamou a atenção de todo o mundo após o sequestro de mais de 200 estudantes da única escola ainda em funcionamento no estado de Borno, na noite de 14 de abril.

Acredita-se que o grupo tenha dividido as meninas entre seus integrantes, que teriam se separado e entrado na floresta Sambisa, onde o Boko Haram fica baseado, próximo à fronteira com Camarões. O líder do grupo, entretanto, divulgou um vídeo há uma semana, onde dizia que venderia as meninas, cristãs e muçulmanas, na fronteira do Chade e Camarões, por 12 dólares cada.

A falta de atitude do governo nigeriano e o aparente descaso, inicialmente, manifestado pelas principais lideranças mundiais desencadearam protestos em todo o mundo e campanhas em redes sociais, com a adesão de personalidades, como a primeira-dama Michelle Obama e a  jovem paquistanesa Malala, que viu a morte de perto ao desafiar os talibãs.

O professor do Ibmec e mestre em Diplomacia e Negociações Estratégicas, Dorival Guimarães Pereira reforça as denúncias feitas pela comunidade internacional.

<p>Pessoas de todo o mundo têm participado de campanhas em redes sociais que pedem a libertação das reféns do Boko Haram</p>
Pessoas de todo o mundo têm participado de campanhas em redes sociais que pedem a libertação das reféns do Boko Haram
Foto: Facebook / Reprodução

“O governo nigeriano não tem demonstrado capacidade de lidar com o problema, seja pela composição do governo (cuja presença de representantes muçulmanos é grande), seja pelas ameaças que o próprio grupo impõe ao Estado, ao norte do país, de população majoritariamente muçulmana e que já adota a sharia”, explica.

Mas o que explicaria a total falta de envolvimento de potências mundiais detentoras de especialistas altamente qualificados e tecnologia desenvolvida? 

De acordo com Pereira, o aparente descaso da comunidade internacional tem razões econômicas: “(A falta de envolvimento) é relacionada à baixa influência do país no sistema internacional, ao mesmo tempo em que revela um desinteresse dos parceiros comerciais em pressionar o governo para mudanças, notadamente por receio em fechar às portas ao crescente mercado consumidor do país”.

Por outro lado, destaca o professor, a ausência da imposição de mudanças, principalmente no que diz respeito à atuação do grupo terrorista Boko Haram, justifica a existência de um quadro de total instabilidade na região e consequentemente da dificuldade de a Nigéria alcançar “o pleno desenvolvimento”, apesar da ampla produção de petróleo e derivados.

E não para por aí. Tamanha falta de estabilidade apenas aumenta o risco de grupos extremistas, como o Boko Haram, alcançarem o poder e fundarem um Estado fundamentalista, o que, explica o professor, favorece o abrigo a outros grupos extremistas religiosos, como Al-Qaeda.

O surgimento de uma mobilização mundial

Enquanto os líderes das principais potências econômicas permaneciam em completo silêncio, milhares de pessoas foram às ruas e às redes sociais para cobrar as autoridades, e exigir que as meninas fossem soltas.  A campanha mundial ganhou as ruas de Nova Yorque, Los Angeles e Londres, além de cidades africanas e páginas no Facebook e no Twitter.

<p>A primeira-dama americana, Michelle Obama, também aderiu à campanha que pede a libertação das mais de 200 meninas sequestradas na Nigéria</p>
A primeira-dama americana, Michelle Obama, também aderiu à campanha que pede a libertação das mais de 200 meninas sequestradas na Nigéria
Foto: Twitter

Enquanto os pais das estudantes sequestradas marchavam em Lagos, na Nigéria, segurando cartazes e entoando exigências, Michelle Obama retuitava a hashtag #BringBackOurGirls e Malala dava uma corajosa entrevista à emissora de tv CNN,  em que chamava as meninas sequestradas de suas irmãs e acusava o Boko Haram de “ter medo do poder das mulheres”.  

Até mesmo a atriz Angelina Jolie, embaixadora da Boa Vontade do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, se manifestou, convocando todos a lutar contra à impunidade. "Estes homens pensam que podem abusar destas meninas desta forma, vendê-las, estuprá-las, considerá-las como se fossem sua propriedade, porque muitas pessoas fizeram o mesmo no passado sem serem punidas"

Diante de tamanha mobilização, o presidente nigeriano veio à público, três semanas após o crime, para prometer que resgatará as meninas, e que punirá os seqüestradores, sem, no entanto, detalhar quando e como o faria. Goodluck Jonathan declarou ainda que o sequestro das mais de 200 estudantes representa um marco para a escalada contra o terrorismo na Nigéria.

O movimento também ganhou adesão do Reino Unido, China, França e Estados Unidos, que se comprometeram a enviar especialistas para ajudar o governo nigeriano a encontrar as adolescentes.

<p>A ativista paquistanesa Malala segura um cartaz com a mensagem: "Tragam de volta as nossas meninas"</p>
A ativista paquistanesa Malala segura um cartaz com a mensagem: "Tragam de volta as nossas meninas"
Foto: Facebook / Reprodução

Washington prometeu ajudar a Nigéria nas áreas de inteligência, investigação, negociação envolvendo reféns, e assistência às vítimas. Membros das Forças Armadas serão enviados ao país e homens do FBI se unirão ao grupo, caso seja necessário. Tecnologia de vigilância aérea e via satélite não deverá ser oferecida, por ora.

A Grã-Bretanha, por sua vez, prometeu fornecer apoio em planejamento, e a França se limitou a informar que prestará assistência nas buscas.

Um conflito religioso

Esse ataque, um dos mais audaciosos protagonizados pelo grupo fundamentalista Boko Haram, expôs ao mundo os conflitos religiosos existentes na Nigéria e as ações de uma organização terrorista que dissemina o medo e o terror em nome de uma suposta “guerra santa”.

“O grupo é reconhecido por boa parte da comunidade internacional como terrorista, valendo-se do uso da força ou ameaça de violência, a fim de suscitar o terror, contra alvos não combatentes, com objetivo de influenciar uma mudança político-religiosa e na vida da população”, conta Pereira.

A organização, conhecida por efetuar sequestros, liquidar vilas inteiras com metralhadoras pesadas e veículos blindados, assassinar cristãos moderados e provocar atentados a bomba contra igrejas e locais públicos, já havia atacado outra escola na cidade de Yobe, em março. Mas, diferentemente do que aconteceu na cidade de Chibok, eles pouparam as estudantes, embora tenham matado 29 homens.

Mesmo com toda a repercussão gerada a partir do sequestro das estudantes, o Boko Haram, que na língua árabe significa “Educação ocidental é pecaminosa”, não se intimidou e matou cerca de 300 pessoas na primeira semana de maio, na cidade nigeriana de Gamboru Ngala, perto da fronteira com Camarões. Mercados, escritórios de alfândega, delegacias e lojas foram queimadas, na ocasião.

Há quem acredite que a ameaça representada pelo Boko Haram desaparecerá apenas quando o governo reduzir a pobreza crônica e estabelecer um sistema de educação sólido e de qualidade que ganhe o apoio dos muçulmanos.

Para Dorival Guimarães Pereira, tão importante quanto à educação é a contenção da criminalidade. "É necessário um trabalho de política pública para controlar a violência; é uma questão política e de força militar". 

Foto: Arte Terra

Fonte: Terra
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