Família afirma que padre se recusou a falar nome de bebê durante batismo no RJ: 'Constrangimento'
David e Marcelle, pais da criança, registraram um boletim de ocorrência por preconceito por raça, cor ou religião
Família acusa padre de preconceito por se recusar a pronunciar o nome Yaminah, de origem muçulmana, durante batismo no RJ, enquanto a igreja afirma que o ritual foi seguido corretamente.
A família da bebê Yaminah Elias Fernandes registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância do Rio de Janeiro após alegar que um padre se negou a dizer o nome da criança durante seu batismo.
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O caso ocorreu no dia 16 de agosto na Paróquia Santos Anjos, no Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro, e foi registrado como preconceito por raça, cor ou religião.
Marcelle é de religião de matriz africana, enquanto David e sua família são católicos. De acordo com o casal, o sonho deles era que a bebê fosse batizada na mesma igreja de outros membros da família de David. Eles fizeram a inscrição, pagaram a taxa e realizaram um curso de batismo. Até então, tudo correto de acordo com o protocolo da igreja católica.
No dia da cerimônia, o pároco Thiago Azevedo, já conhecido da família, não estava no local para realizar o batismo mas, sim, o vigário Wagner Augusto. Marcelle e David contaram que o padre chamou os avós de Yaminah para conversar, antes do rito, e afirmou que não falaria o nome da bebê por ser ligado a um culto religioso.
O padre sugeriu, então, que fosse usado o nome "Maria" para se referir à bebê, o que foi negado pelos avós, que disseram desconhecer a origem do nome como de cunho religioso. O vigário concordou em seguir com o batismo mesmo assim, mas, chegado o momento da celebração, ele não mencionou o nome Yaminah durante o rito tradicional católico.
“Durante a cerimônia, o suposto autor Padre Wagner Augusto Moraes dos Santos recusou-se a pronunciar o nome da criança, alegando que Yaminah não é um nome cristão, e que estaria ligado a outra religião, afirmando ainda que ‘existe um culto das Yaminas’. Sugeriu que fosse usado o nome Maria, o que foi negado’, diz um trecho do boletim de ocorrência.
Em vídeo divulgado nas redes sociais, é possível ver o momento em que a tia da criança, Ana Lúcia, questiona o padre quando ele se refere a Yaminah como "criança". "A criança não, ela tem nome: Yaminah", diz a moça. O padre retruca: "Está escrito no livro, criança".
“Estamos diante de uma clara violação à liberdade religiosa e ao direito de identidade da criança. Esse caso vai além de uma família: ele simboliza a luta antirracista e pelo respeito à diversidade cultural e religiosa no Brasil. O nome de uma criança carrega sua ancestralidade e sua dignidade. Ninguém pode apagar isso", explica Diogo Ferrari, advogado da família.
Os pais da bebê declararam que o nome dela foi escolhido por sua origem muçulmana. Yaminah quer dizer caminho, direcionamento e justiça.
"O que deveria ser um momento de fé, acolhimento e espiritualidade transformou-se em constrangimento e exclusão. Entendemos que tal conduta fere princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade religiosa, o direito à igualdade, e o respeito à diversidade cultural. Estamos adotando as medidas jurídicas cabíveis para que o ocorrido não permaneça sem resposta e para que essa família seja respeitada em sua fé, sua identidade e sua ancestralidade", afirma a defesa da família.
Em nota, a Arquidiocese do Rio de Janeiro declarou que o batismo de Yaminah foi celebrado corretamente de acordo com o Ritual Romano do Batismo de Crianças e que, segundo esse rito, o nome das crianças a serem batizados não é mencionado em todos os momentos da celebração.
"O ritual foi seguido fielmente, com o nome desejado pela família sendo devidamente pronunciado e registrado no livro paroquial, bem como na lembrança de Batismo entregue aos pais", disse.
A igreja disse que se baseou no Código de Direito Canônico (Cânon 855) que dispõe que "os pais, padrinhos e pároco cuidem para que não seja imposto nome estranho ao sentido cristão". "Em algumas ocasiões, sacerdotes podem oferecer orientações pastorais sobre a escolha de nomes, mas estas têm caráter exclusivamente aconselhativo e jamais constituem impedimento ou recusa do sacramento", afirmou.